O jornalista Pedro Dória defendeu a regulamentação dos usos das IAs durante o 5º Encontro Anual da Metared TIC Brasil

A pergunta não é mais se a inteligência artificial será usada ou não na educação de forma geral. Ela já está na rotina de estudantes, docentes e corpo administrativo de instituições de ensino superior. As dúvidas giram então em torno das implicações desses usos: questões éticas que impactam na autoria de trabalhos acadêmicos; perguntas regulatórias sobre o que é ensino presencial, remoto, híbrido e outros termos; e de que forma o uso dessas ferramentas afeta a qualidade do ensino e da aprendizagem, entre muitas outras interrogações ainda sem respostas.

Ao longo de dois dias, 29 e 30 de junho, diversos especialistas do setor da educação superior e de tecnologia estiveram reunidos na Unisanta, em Santos, participando do 5º Encontro Anual da Metared TIC Brasil. Entre debates e mesas de diálogos, eles levantaram pontos de discussão a partir de diferentes visões, da experiência dos usuários à ressignificação do papel do professor em sala de aula, de necessárias mudanças legislatórias para abraçar o uso das tecnologias à melhoria na eficiência que novas ferramentas tecnológicas podem trazer ao ensino superior.

Diretor da Unesco defende transformação da educação superior

Transparência e privacidade

Para o jornalista Pedro Dória, que encerrou o evento na sexta (30), as instituições de ensino superior são o local ideal para refletir sobre como as ferramentas de inteligência artificial estão afetando nossa sociedade de modo geral, na educação e no mercado de trabalho. “Para isso, as IES precisam incorporar essas tecnologias em suas rotinas para daí entendê-las”, defendeu. Depois de apresentar um rápido panorama da evolução da IA ao longo das últimas décadas, o jornalista explicou que essas ferramentas não são feitas para pensar como homens, mas sim ampliar nossas capacidades.

Dória defendeu ainda a regulação do uso dessas novas tecnologias, apontando que o problema é menos as ferramentas em si e mais os possíveis vieses que a própria humanidade atribui a essas novidades. “A IA não mente, mas ela está condicionada a sempre dar uma resposta, não importa qual seja”, apontou o jornalista. “Elas são treinadas com dados produzidos por nossa sociedade, e vivemos em um mundo que é um poço de preconceito”, acrescentou.

“As mídias sociais se entranharam em nossas vidas em cerca de 10 anos, afetando a imprensa, a política e a cultura de modo infernal porque existem vários interesses envolvidos por trás de seus usos. Por isso precisamos regulamentar as IAs para que preconceitos existentes não sejam reforçados. E precisamos fazer isso agora antes que elas também se entranhem de forma permanente na sociedade”, decretou Pedro Dória.

Para Dória, diante de implicações éticas, de transparência e privacidade, é necessário que haja algum tipo de controle legal sobre informações pessoais, por exemplo. “Precisamos de regras a respeito de transparência, e isso vale para toda a sociedade, inclusive as IES. Em breve, as IAs vão começar a tomar decisões, e as pessoas têm direitos que precisam ser respeitados”, finalizou.

Pedro Miguel Ruiz participou do evento remotamente e apontou que a transformação digital é crucial para o sucesso das IES

Encontro da MetaRed TIC Brasil discute IA na educação

Transformação digital

Falando sobre transformação digital nas IES, o  vice-reitor de Transformação Digital da Universidade de Murcia e Secretário da Metared TIC Espanha, Pedro Miguel Ruiz destacou que as regras do jogo no ensino superior estão mudando com o uso de novas tecnologias. Segundo ele, elas transformaram os dados em ativos valiosos e isso tem criado desafios que as IES precisam enfrentar, tais como o redesenho dos modelos de negócios, o oferecimento de uma educação continuada e a promoção da aprendizagem personalizada.

“A transformação digital é crucial para o sucesso das instituições de ensino superior, afetando três dimensões principais: modelo de negócio, cultura e tecnologia”, listou ele. “A planificação da transformação digital envolve estratégia e planos operacionais, enquanto a evolução do ecossistema de ferramentas tecnológicas é fundamental para melhorar a experiência do usuário”, avaliou. “Lições aprendidas incluem estabelecer uma estrutura funcional e uma comissão de transformação digital, envolvendo os usuários finais no design de produtos e ferramentas, avaliar o nível de maturidade operacional e adotar um modelo de organização bimodal. É importante alinhar a transformação digital com os objetivos institucionais e promover a colaboração entre as instituições”, destacou.

Rogério Justino apontou que é essencial que os docentes aprendam a “conversar” com as IEs

Papel do professor

Um dos agentes mais afetados pelo uso de novas ferramentas de IAs nas IES são os professores, cujo papel tem se transformado de forma significativa. Para o professor, youtuber e diretor de Ensino do Instituto Federal Goiano, Rogério Justino, os docentes que não utilizarem IA correm o risco de ficarem fora da “sala de aula” do futuro. “O uso de IA na educação tem gerado espanto entre os docentes, e o desconhecido muitas vezes causa medo”, afirmou ele. “Os professores precisam estar preparados para enfrentar esse momento e compreender que, mesmo que eles possam não querer, os alunos estão ansiosos por essas inovações”, ponderou.

Segundo Justino, é essencial aprender a “conversar” com as IAs e repensar as práticas docentes. “As pedagogias tradicionais podem ser completamente reproduzidas pela IA, o que coloca em risco a substituição de professores que seguem esse modelo”, alertou. “Portanto, é fundamental que os professores façam a diferença quando estiverem com os estudantes, oferecendo algo único e que vá além do ensino tradicional”.

Outro ponto que deve ser reavaliado, de acordo com Justino, é a questão da autoria e da criatividade. “Os professores terão que lidar com essas mudanças, pois não há como voltar atrás”, decretou. “A pergunta que surge é: o que você professor faz que a IA não faz? Essa é a chave para compreendermos o papel da IA no momento atual. As melhores práticas que tenho observado envolvem utilizar a IA como parceira, aproveitando-a para potencializar a criatividade. Devemos permitir que a IA nos auxilie e facilite nosso trabalho”, finalizou.

Maurício Garcia e Fábio Cespi debatarem sobre Big Data

Big Data

Em relação ao uso de big data na educação superior, Maurício Garcia, cientista Digital e Conselheiro Acadêmico do Inteli, apontou que a utilização adequada dos dados acadêmicos é um desafio para as IES. “Para que a IA seja efetiva, é necessário enfrentar o desafio dos dados acadêmicos, o que requer estratégias consistentes de organização, processamento e publicação dessas informações. A captura de dados e o mapeamento curricular são elementos-chave para o uso eficaz dessas tecnologias”, defendeu.

Segundo ele, não há IA sem dados. “É imprescindível investir em estratégias robustas para coletar e utilizar as informações dos alunos, garantindo que as instituições de ensino estejam preparadas para aproveitar ao máximo as potencialidades oferecidas pela IA e pelo Big Data na educação”.

Para Fábio Cespi, diretor da Lyceum, tornou-se imperativo que os profissionais do futuro saibam utilizar a IA em seu dia a dia, uma vez que seu emprego está se consolidando. No entanto, a implementação efetiva da IA enfrenta desafios como investimento, regulação e integração, exigindo estratégias bem definidas. “Os benefícios significativos dessa tecnologia são evidentes. Há também uma crescente adoção de dados para tomada de decisão e uma maior alinhamento dos currículos com as demandas do mercado de trabalho”, disse.

Helena Sampaio, da SERES/MEC, destacou que a imprecisão normativa na definição das modalidades pode resultar em consequências pedagógicas graves

Regulação

Em relação a questões regulatórias, a secretária da SERES/MEC, Helena Sampaio, afirmou que a discussão sobre a integração da tecnologia na educação é inevitável e não é mais possível dissociar a educação da tecnologia. Ela apontou, no entanto, que ainda há uma confusão entre as modalidades e as metodologias que incorporam as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), e é necessário enfrentar essa confusão do ponto de vista normativo. “É importante repensar o potencial do uso das TICs de forma a contemplar diferentes públicos e faixas etárias, considerando o impacto das metodologias de ensino. No entanto, é fundamental esclarecer as terminologias utilizadas, pois há uma contradição no uso dos termos, especialmente na regulação normativa”, refletiu.

“A imprecisão normativa na definição das modalidades e metodologias empregadas traz consequências pedagógicas graves. É necessário refiná-las para evitar que as TICs sejam reduzidas a uma única modalidade. A educação deve ser uma aliada das tecnologias, e não uma competidora”, continuou. “É essencial reconhecer que as modalidades funcionam de maneiras diferentes. Devemos valorizar a relação entre estudante e professor, não apenas o conteúdo. A IA pode, sim, ser uma ferramenta útil para facilitar o acesso ao conhecimento”, finalizou ela antes de participar de um debate com o diretor Jurídico do Semesp, José Roberto Covac, sob coordenação do diretor executivo do Semesp, Rodrigo Capelato.

Tomás Mariotto e José Eduardo Espinel falaram sobre a importância da experiência do usuário, tanto alunos quanto colaboradores

Experiência do usuário

Tomás Mariotto, head de Inovação do Santander, e José Eduardo Espinel, especialista em Experiência dos Clientes, discorreram sobre a importância de se pensar a IA a partir de diferentes perspectivas, em especial a do olhar do usuário. “Para criar um negócio inovador, é fundamental desafiar as pessoas e considerar perspectivas diferentes. A descoberta e a entrega corretas são essenciais, evitando o lançamento de produtos que não agregam valor para as pessoas. É crucial testar soluções e ouvir os usuários, aprimorando continuamente a experiência do usuário”, explicou Mariotto. “A IA, embora possa ser útil, requer comandos claros e especialistas para refiná-los, já que os clientes nem sempre sabem expressar suas necessidades de forma precisa. O objetivo é gerar valor para o cliente e estar presente onde ele está, adotando um modelo aberto para a experiência do usuário”, pontuou.

Já Espinel disse que a pandemia impulsionou a necessidade de focar na experiência do aluno e em sua jornada, indo além do atendimento ao aluno. “Essa abordagem deve fazer parte da cultura da instituição de ensino superior, com centralidade no cliente e na transformação digital como parte da estratégia”, defendeu. “No caso das IES, a experiência do aluno é vista como uma questão transversal que afeta toda a jornada estudantil, e o objetivo é entregar soluções para ambos, estudante e colaborador”.