Para o vice-reitor do Instituto de Tecnologia da Califórnia a missão das universidades não é atender ao mercado, mas sim preparar pessoas com consciência crítica e habilidades para superar os limites do conhecimento

por Felipe Falleti, de São Francisco (EUA)

Mory GharibVice-reitor de um dos mais prestigiados institutos de tecnologia de todo o mundo, o Instituto de Tecnologia da Califórnia, também conhecido como Caltech, o iraniano Mory Gharib, professor da Universidade da Califórnia e cientista premiado pela Agência Aeroespacial Americana (NASA), afirma que as universidades são elementos fundamentais para transformar o mundo e permitir a criação de novas tecnologias. Apesar disso, Gharib diz que o papel central na criação de serviços inovadores está no ambiente econômico de um país, que deve ser capaz de fornecer mão de obra qualificada, capital a baixo custo e regras legais favoráveis à inovação.

Na entrevista a seguir, Gharib defende que o papel principal de uma universidade é formar cidadãos (e não empresas) e propõe que o Brasil amplie o número de polos de excelência no ensino superior para aumentar a participação do país no mercado global de pesquisa, desenvolvimento e inovação. De acordo com Gharib, investir em excelência é parte do segredo para o desenvolvimento de um país. “Avalio que parte do sucesso da economia da Califórnia e dos Estados Unidos está no fato de nós termos inúmeros centros de pesquisa avançada”, considera.

Ensino Superior: O senhor é vice-reitor do Caltech, um instituto localizado no Vale do Silício, região considerada a mais inovadora de todo o mundo. O elevado índice de inovação registrado na Califórnia é consequência da excelência de suas universidades?
Mory Gharib: Na verdade, não. Isso é um mito. A Califórnia é uma região com ótimas universidades, como Stanford, mas a criação de companhias inovadoras não se deve apenas ao que é ensinado nas salas de aula. É claro que a educação de qualidade, o acesso a professores qualificados e bons laboratórios ajudam os alunos a pensar de uma forma diferente e procurar soluções novas, criativas e tecnologicamente engenhosas para superar desafios do mercado. Mas, de um modo geral, a criação de serviços inovadores no Vale do Silício está mais ligada ao ambiente econômico da região e à grande reunião de talentos do mundo todo, que se concentra aqui.

Mas o Google, por exemplo, foi uma criação disruptiva, que mudou a forma como usamos a internet e nasceu dentro de um quarto da Universidade Stanford…
Não nego a importância que as aulas de Stanford tiveram para Larry Page e Serguey Brin, os criadores do Google, mas não acho que o papel central de uma universidade seja atender às necessidades do mercado. O sucesso do Google tem mais a ver com o ambiente do Vale do Silício, onde há uma grande reunião de pessoas brilhantes, como Page, que é americano, mas também Brin, que veio da Rússia. Além dessa concentração de talentos, há grande oferta de recursos para a criação de empresas aqui, uma abundância de fundos de investimento e um cenário legal que contribui para o florescimento de boas ideias.

Qual seria então o papel central das universidades?
Formar pessoas com consciência crítica e habilidades suficientes para superar os limites do conhecimento que já temos. A função primeira da universidade, portanto, é transmitir conhecimento e preparar seus alunos para construir o conhecimento do futuro, desenvolver as soluções que vão resolver problemas sociais, ambientais e melhorar a vida das pessoas em todo o mundo. O que acho importante pontuar é que as universidades não fazem isso sozinhas. As boas ideias discutidas numa faculdade precisam ecoar em outros agentes da sociedade, ter o apoio de governos, institutos de pesquisa, grandes e pequenas empresas privadas. É essa mistura de fatores que permite ao Vale do Silício ser uma região inovadora, um lugar onde surgiram o Google, a Apple e tantas outras empresas que estão mudando a forma como vivemos.

O senhor já visitou o Brasil algumas vezes. Acredita que as universidades brasileiras podem competir em excelência com centros como o Caltech?
Eu visitei poucas universidades no Brasil, mas conheci alguns lugares realmente fantásticos, como a Escola Politécnica, da Universidade de São Paulo, e o Instituto de Tecnologia Aeronáutica, em São José dos Campos. Nesses dois centros, eu vi professores extremamente qualificados e encontrei alunos envolvidos em projetos complexos, capazes de criar soluções inovadoras e contribuir para o avanço da ciência. Mas tive a impressão de que não são muitos os centros avançados no Brasil como essas duas escolas que citei. Avalio que parte do sucesso da economia da Califórnia e dos Estados Unidos está no fato de nós termos inúmeros centros de pesquisa avançada. Você citou o caso do Google, por exemplo, mas eu posso citar o Facebook, que nasceu em Harvard, na Costa Leste, do outro lado do país. Ter uma diversidade de ótimas escolas aumenta as chances de surgirem boas ideias dentro de um país.

Na sua avaliação, quais as principais diferenças entre as universidades americanas e as brasileiras?
Acho que há gente criativa, estudiosa e preparada no mundo todo. A diferença central está no fato de as universidades americanas possuírem mais apoio e recursos em comparação, por exemplo, com as instituições de ensino superior do Brasil. Nos Estados Unidos, há primeiro um número de bilionários bem maior que no Brasil, em função da diferença entre as duas economias. Mas há também uma diferença cultural: os ricos americanos doam dinheiro para pesquisa. Eles ajudam as universidades públicas ou privadas. Há também maior investimento do Estado nas universidades dos Estados Unidos. Esta é uma diferença óbvia: com mais dinheiro, as universidades americanas têm mais condições de produzir estudos notáveis e desenvolver soluções disruptivas. Há também algumas diferenças culturais, em particular quando falamos das universidades da Califórnia ou da região de Boston. No Vale do Silício, são muitos os alunos que sonham em ser o próximo Mark Zuckerberg. Eles entram na escola com projetos empresariais, querem abrir sua própria companhia. Em parte, isto é um pouco ingênuo da parte deles, mas por outro lado, da grande quantidade de projetos apresentados e testados, acabam surgindo grandes ideias, como o Facebook. E há, por fim, a presença de fundos de capital de risco, dispostos a apoiar ideias que nascem nas faculdades. Veja, nenhuma start-up criada em uma faculdade desenvolve um iPad sozinha. Você precisa negociar com fornecedores na Ásia, criar um ecossistema de aplicativos, montar uma engenharia industrial complexa. Ou seja: você precisa de gente com muito dinheiro apoiando sua ideia.

Por que o senhor afirma que há ingenuidade quando estudantes pensam em montar sua start-up ainda dentro da universidade?
Nós fizemos um estudo na Caltech que demonstra que apenas 13% das start-ups se tornam lucrativas e acabam por ser adquiridas por empresas maiores. E um número ainda menor, cerca de 5% delas, chega ao IPO, nome que damos para as empresas que lançam ações na bolsa de valores. É, portanto, uma minoria que obterá sucesso. Devemos lembrar que nem todos podem ser empreendedores e a universidade deve preparar os estudantes para criar empresas, sim, mas também para serem bons médicos, engenheiros, matemáticos e jornalistas devidamente empregados na economia.

O senhor citou a “concentração de talentos” que há na Califórnia. O senhor se inclui entre estas pessoas? Por que deixou o Irã natal?
Eu me formei engenheiro mecânico na Universidade de Teerã e me especializei em tecnologia aeronáutica nos anos 80. Naquela época, tive a oportunidade de estudar nos Estados Unidos e, com a deterioração do cenário político em meu país, acabei permanecendo nos Estados Unidos, que é um ótimo lugar para um cientista aeronáutico viver, com grande ebulição de pesquisas, desenvolvimento de novos materiais e tecnologias. Acredito que o fato de mentes brilhantes do mundo todo serem atraídas para este pedaço do mundo ajuda não só as universidades locais, mas a economia como um todo, a se manter um degrau acima de outras regiões dos Estados Unidos e do mundo.