Os modelos de constituição jurídica das instituições de ensino superior se desenvolveram especialmente nas duas últimas décadas. Mas existe um tipo ideal para a sua instituição?

por Luciene Leszczynski

Basta uma rápida análise na progressão do número de instituições de ensino superior nos últimos 20 anos para perceber um marco de crescimento exponencial na quantidade existente de estabelecimentos privados de educação universitária. A partir de 1996, ano em que foi editada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), quando o país contava com 711 instituições particulares de ensino superior, o número aumentou gradativamente até chegar a 2.099 instituições, em 2010, de acordo com dados do último Censo da Educação Superior.

Com o primeiro passo dado para o crescimento das instituições por meio da nova edição da LDB, que reafirmou a liberdade de organização dos sistemas de ensino, em 1999, a Lei 9.870 consolidou a ampliação do sistema ao tratar, entre outras coisas, sobre a regulação da atuação da livre iniciativa na educação superior, assegurando o surgimento de instituições privadas com fins lucrativos, de novas instituições sem fins lucrativos, além de filantrópicas. Mas quais os benefícios e possibilidades de cada modelo? E o que esses diferentes perfis de constituição jurídica dizem a respeito do próprio sistema brasileiro de ensino superior?

Para os que defendem um modelo de educação pública, gratuita e de qualidade assegurada pelo Estado, a ideia de permitir às instituições educacionais proverem lucro aos seus mantenedores é completamente o oposto. “Parece que a questão que perpassa o preconceito contra a livre iniciativa na educação está no lucro”, rebate Celso Frauches, consultor educacional da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) e do Instituto Latino-Americano de Planejamento Educacional (Ilape). Ele lembra que é a própria Constituição de 1988 que, no artigo 209, já assegura a livre iniciativa na educação superior, estando sujeita às normas gerais da educação, à autorização e à avaliação de qualidade pelo Poder Público. “E a livre iniciativa, como dispõe o Código Civil, pode constituir-se em diversos tipos de pessoa jurídica e civil, com ou sem fins econômicos”, acrescenta o consultor. Na opinião dele, a atuação da livre iniciativa na educação superior não deve ser encarada como uma “permissão” do governo, mas uma imposição constitucional.

Incremento legal

As condições para a existência das duas modalidades de instituições privadas no ensino superior – com fins e sem fins lucrativos – e os requisitos necessários para isso foram estabelecidos mais tarde, pela Lei nº 9.870, de 1999. Essa legislação foi responsável por regular a atuação da livre iniciativa na educação superior, dispondo que as pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de instituições de ensino superior “poderão assumir qualquer das formas admitidas em direito, de natureza civil ou comercial e, quando constituídas como fundações, serão regidas pelo disposto no art. 24 do Código Civil Brasileiro”. A mesma lei diz que as entidades mantenedoras de instituições de ensino “comunitárias, confessionais e filantrópicas ou constituídas como fundações não poderão ter finalidade lucrativa”.

Especialistas concordam que a entrada da iniciativa privada no ensino superior foi um grande avanço para a ampliação das vagas e que sem isso dificilmente seria possível termos hoje 6,3 milhões de estudantes numa graduação. Desse número, 4,7 milhões de matrículas estão nas instituições privadas.

Essa ampliação, contudo, não deve ser tomada a qualquer custo, mas, ainda conforme a própria constituição exige, no já referido art. 209, considerar a qualidade da educação oferecida. A determinação vem mais uma vez reforçar a opinião de Celso Frauches a respeito da livre iniciativa no sistema de ensino. “De que adianta um ensino gratuito de má qualidade, ou em que os professores passam grande parte do período letivo em greve e os alunos sem aprendizagem? Neste cenário, os prejuízos para os educandos e para a sociedade são infinitamente maiores”, exemplifica Celso Frauches. Ele acredita que o ensino pago deve ser entendido como um investimento de alto lucro, que rende conhecimento e dignidade, além de qualificação para uma atividade profissional ou econômica.

Espírito renovado

Foi justamente a necessidade de investir cada vez mais nas instituições de ensino superior para o seu desenvolvimento, o que demanda o aporte constante de recursos, que originou mais uma vez uma mudança na legislação. O esforço para a ampliação das vagas ganhou um novo momento em 2004 com a criação do Programa Universidade para Todos (ProUni), que além de legislar sobre a distribuição de bolsas de ensino pelo governo em troca de renúncia fiscal incluiu na legislação a possibilidade de migração das instituições de ensino superior entre os sistemas de sem fins lucrativos para o modelo de sociedade com fins lucrativos.

Baseado nesse marco legal a transformação jurídica das filantrópicas em instituições com fins lucrativos foi incentivada pelo governo ao permitir o pagamento da cota patronal do INSS de forma gradativa em dez anos. Desse modo, as instituições que antes não pagavam impostos e contribuições sociais (veja quadro abaixo) passariam a arrecadar aos cofres públicos.

Na opinião de José Roberto Covac, advogado especialista em direito educacional, os dois motivos que levaram o Estado a permitir essa mudança se complementam. O governo acabou fazendo isso primeiro porque tinha um grupo de educadores que eram empreendedores, que investiram recursos e esforços, mas que eram limitados já que não podiam ser remunerados. Por outro lado essas instituições que não pagavam impostos, à medida que se transformam passam a recolher tributos e, no caso das filantrópicas, começam ainda a pagar a cota patronal. “Então o estado não recebia nada e hoje recebe parte das contribuições”, considera.

A motivação para a transformação das instituições de ensino, no entanto, está em parte muito mais atrelada ao objetivo de cada entidade do que à possibilidade do não recolhimento de tributos e contribuições. Na opinião do advogado Covac, a questão não está na vantagem ou desvantagem de cada modelo, mas na missão da instituição. No caso das entidades confessionais, por exemplo, o desejo é reinvestir todo o resultado financeiro na atividade educacional e assistencial. Já aos mantenedores de perfil mais empreendedor, e que desejam ter sócios com dinheiro para investir, só resta uma forma de fazer isso, que é optar pela modalidade lucrativa.

Foi essa uma das motivações de Antonio Carbonari Neto, ao constituir o grupo Anhanguera Educacional. Tendo origem numa família de empreendedores, o gestor conta que sempre teve propensão para o mundo dos negócios, o que levou o então professor de cursinho vestibular a conceber, junto a outros colegas da faculdade em que trabalhava, a criação da sua própria instituição de ensino superior. A Anhanguera, formada no princípio por entidades sem fins lucrativos, passou à modalidade com fins lucrativos em 2003, com a constituição da Anhanguera Educacional S.A. e mediante a incorporação das três  entidades mantenedoras que formavam o grupo.

De acordo com Carbonari, o principal objetivo da transformação foi profissionalizar a gestão da Anhanguera para dar continuidade ao crescimento da instituição. “Junto com a profissionalização vieram os investimentos para o incremento da qualidade acadêmica. Hoje, são 444 mil alunos, distribuídos em 70 campi e mais de 500 polos de apoio presencial de educação a distância, incluindo a Rede LFG”, conta.

Questão de equilíbrio

Conforme Covac, indiscutivelmente, não importa a natureza jurídica que compõe cada entidade, mas sim a prestação de um serviço de natureza educacional que, do ponto de vista constitucional, seja oferecido com qualidade. Além disso, do ponto de vista do Ministério da Educação, todas as instituições são avaliadas sob a mesma perspectiva e em observância à capacidade de autofinanciamento, prerrogativa já prevista na LDB. “Aí vem todo o sistema de avaliação, que não diferencia a instituição por conta da sua constituição jurídica, mas considera a sua sustentabilidade financeira”, ressalta. “O que as filantrópicas têm de diferente é que precisam prestar contas, encaminhar os relatórios relativos à concessão de bolsas e à assistência social praticada”, explica o advogado.

A categorização das instituições de ensino superior é contestada por Fábio do Prado, reitor do Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana (FEI). De acordo com ele, o ensino superior deve ser pensado como um todo para o benefício e desenvolvimento da própria educação. “As instituições de ensino católicas têm um papel muito importante desde a origem da educação, desenvolvendo-se não apenas como entidades voltadas à evangelização da sociedade, mas em função de gerar um ambiente em que se possa discutir o sentido da vida”, destaca do Prado. Ele considera, porém, que a idEia empreendedora não é incompatível com a missão dessas instituições, que devem buscar garantir o superávit para o reinvestimento na instituição como forma de estar sempre aperfeiçoando a qualidade do ensino.

Atenção à gestão

Apostar na boa gestão das instituições de ensino é justamente o ponto chave para a manutenção do oferecimento do serviço com qualidade. “Não tem de ter vergonha de superávit, que seria revertido na melhoria do ensino e na ampliação do oferecimento da assistência social, no caso das filantrópicas”, assegura Covac. “O foco na gestão acadêmica e na gestão administrativo-financeira passou a ser a chave de todas as instituições”, diz.

A opinião de Antonio Carbonari Neto corrobora a de Covac apontando para a busca pela profissionalização da gestão. “Independentemente do modelo, as instituições privadas de ensino superior, que em geral têm como foco principal a preparação do aluno para o mercado de trabalho, são entidades particulares cuja gestão deve se assemelhar mais à de empresas, com planejamento, plano de metas e resultados e com alto grau de eficiência”, entende Carbonari.

De todo modo, a possibilidade de oferecer bolsas de estudo em troca de impostos fez com que as instituições de modalidade lucrativa obtivessem maior equilíbrio financeiro, favorecendo a criação de mais entidades educacionais com essa personalidade. Por outro lado, quando uma instituição inicia sua atividade a opção de ser sem fins lucrativos é mais benféfica devido à isenção de impostos que assegura uma certa competitividade entre os modelos. “No início você praticamente não tem resultado financeiro positivo, porque o investimento é muito grande”, lembra Covac.

Já para o consultor Celso Frauches, a constituição de sociedades lucrativas se torna mais viável para as instituições de grande porte. “As instituições de pequeno porte, que têm menos de mil alunos, têm maiores dificuldades na geração de lucros, mesmo sendo com fins econômicos. Geram, no máximo, uma remuneração digna para os seus mantenedores, como dirigentes ou professores”, sugere. De qualquer forma, seja qual for o tipo de organização societária, Frauches ressalta que o fator mais determinante para isso é a competência gerencial.