CAPA/TECNOLOGIA/ENSINO ADAPTATIVO | Edição 199
Ainda em teste, plataformas prometem revolucionar o processo educativo, fazendo com que cada aluno possa estudar no seu ritmo
por José Eduardo Coutelle
Se duas pessoas aprendem de maneiras diferentes, por que são ensinadas da mesma forma? Essa é a questão-chave a partir da qual foi concebido um novo modelo de ensino centrado no uso das tecnologias para personalizar a aprendizagem. As plataformas adaptativas surgem com a missão de reverter um processo histórico de massificação que democratizou o acesso à educação, mas que está em xeque ao oferecer respostas padrão a todo tipo de aluno. Ao que parece, a fórmula (acrescida de outros fatores, como má formação docente) tem resultado em reprovação, alto índice de evasão e desinteresse do estudante. Os defensores do novo modelo afirmam que o formato tradicional vem perdendo a capacidade de engajar o aluno, pois aposta na uniformização numa era em que, cada vez mais, as diferenças são valorizadas.
Um professor, numa turma de 50 alunos, é capaz de identificar como cada um deles assimila de forma mais eficiente o conhecimento? Se é através de textos, aulas expositivas, vídeos, slides ou exercícios? Provavelmente não. É o que diz Claudio Sassaki, cofundador da Geekie. “As escolas e os professores ainda não conhecem o perfil de seus alunos. Não têm informação para saber como cada pessoa aprende melhor”, avalia. É nesse ponto que a tecnologia pode oferecer um salto para a educação. As plataformas adaptativas registram como cada aluno se sai em determinado conteúdo, quais suas dificuldades e qual o formato em que aprende melhor. Com esses resultados, o programa aplica o desafio adequado ao nível de cada um: nem simples, nem complexo demais. De posse dessas informações, o docente pode ajudar cada aluno a superar dificuldades.
“O aluno é desafiado e incentivado de acordo com suas habilidades atuais, de modo que sua evolução seja constante”, complementa Sassaki, que defende o uso das plataformas para todos os níveis de aprendizagem. O modelo altera também a atual função do professor. A diretora do Instituto Inspirare, Anna Penido, conta que o docente, hoje mais voltado à transmissão de conhecimento, passa a ter a missão de problematizá-lo, selecionando as melhores fontes e contextualizando a informação na vida prática do aluno. “Voltamos um pouco à ideia do mestre, um educador na essência do termo. O olhar do professor passa a ser voltado a cada aluno graças aos relatórios gerados em tempo real sobre o andamento dos estudantes”, ressalta. Mas essa mudança afeta as relações de poder na sala de aula: o professor acostumado a ter o controle terá de adaptar-se a um ambiente mais interativo em que a proposta é “construir junto”.
Para utilizar o modelo, é indispensável o acesso de qualidade à internet e o uso de algum dispositivo tecnológico, como smartphones, notebooks, computadores ou tablets. A diretora da D2L, Betina von Staa, conta que o custo da implantação das plataformas é condizente com a realidade financeira das IES brasileiras. Os gastos incluem a aquisição de um servidor, do software e da mão de obra. “Outro fator decisivo é a facilidade que os brasileiros têm em assimilar os novos recursos, ao contrário de outros países, onde, segundo Betina, há certo medo da tecnologia. “Ousaria fazer a previsão de que vamos transformar a educação de forma mais rápida que os demais países. Temos aqui a vontade das pessoas de enfrentar desafios. Quem encontrar as respostas primeiro vai seguir na liderança e os outros vão correr atrás. O Brasil está efervescente”, completa.
Entretanto, algumas barreiras terão de ser vencidas. Num país continental, a implantação de uma infraestrutura mínima em escolas espalhadas por todos os cantos ainda é um desafio. Além disso, existe um engessamento histórico na formatação dos currículos em escolas públicas, o que atravanca o processo. Para Anna Penido, este será o papel das instituições de ensino superior particulares: dar o primeiro passo. “A educação pública seguirá mais lentamente, mas as instituições privadas, com a competição entre si, vão precisar responder às demandas do aluno e aí está uma oportunidade de saírem à frente testando essas inovações e servindo de inspiração para as universidades públicas”, salienta.
Outro papel importante das IES será adequar a formação dos futuros docentes, com a utilização desses recursos tecnológicos já na graduação. “Boa parte dos professores vem de instituições privadas, e são eles que vão formar os alunos. Se não mudar o processo, essas instituições irão herdar os estudantes com deficiências”, acrescenta Anna Penido.
O modelo tradicional de avaliação, centrado na realização de provas, pode estar com os dias contados. Com o apoio da tecnologia, será possível avaliar em tempo real e saber exatamente o que o aluno aprendeu. “Não quer dizer que não haverá mais avaliações, mas chegaremos ao ponto de não precisar delas. Quando se acompanha o aluno, seus resultados e superações, o processo se torna mais preciso do que uma prova, feita num modelo e dia específicos, que não avalia de fato o que o aluno sabe”, diz Anna.
Resultados iniciais
As plataformas adaptativas já deram os primeiros resultados no Brasil. A D2L mantém parcerias com a Universidade Tiradentes, Faculdades Integradas Espírito-Santenses (Faesa) e Universidade do Grande Rio (Unigranrio) para oferecer a educação personalizada. O sistema baseia-se num modelo de “tagueamento”, ou seja, todo o conteúdo é mapeado por uma equipe técnica. Atualmente, a empresa conta com tecnologia mais moderna e automatizada, que utiliza um motor semântico, e com isso elimina a necessidade das marcações.
Já a Geekie pôs em prática um projeto-piloto com a Anima Educação em 2014. Os resultados prometem: melhora de 30% no desempenho dos universitários participantes da pesquisa. O programa utilizou o resultado de simulados on-line realizados semanalmente com os estudantes. Com os relatórios, os professores souberam quais conteúdos precisariam ser mais bem explorados, e no caso específico de alguns alunos, reforçaram a área de maior dificuldade. A parceria será expandida para 30 mil estudantes ao longo de 2015.