Em 2002, o professor de Harvard Yochai Benkler publicou o livro “A riqueza das redes”. Benkler usou o conceito “shareable goods”, que são produtos que não oferecem uma funcionalidade por unidade maior do que a necessidade do consumidor e possuem um preço que justifica a sua aquisição de forma individual.

Esse é o caso da grande maioria dos computadores pessoais. Não importa muito se o consumidor vai usá-lo para navegar pelas redes sociais ou utilizá-lo num trabalho mais intenso. O fato é que muito da capacidade de processamento dessas maquinas não é utilizada e se torna ociosa. No final do século passado, a Universidade de Berkeley criou o software SETI@home, que possibilitou a conexão destes computadores individuais. O uso da capacidade ociosa de cada um gerou um supercomputador.

O software citado acima traz uma boa metáfora do que ocorre na educação, em especial, no ensino superior. Na atualidade, todos concorrem com todos, há capacidade ociosa na maioria das IES e, em um cenário de pandemia, existe retração dos investimentos públicos, diminuição da renda da população e pressão para queda dos valores das mensalidades.

Adicionalmente, há uma proposta da reforma tributária de criação da Contribuição Social sobre Operação com Bens e Serviços (CBS), o que resultará em um aumento de 12% nos tributos das IES, e um projeto de lei do governo do Estado de São Paulo que prevê a transferência do superávit dos recursos financeiros da Fapesp, USP, Unicamp e Unesp para os cofres do poder público. Emblemática ainda é a primeira versão do orçamento preparada pelo Ministério da Economia para 2021, em que o setor militar pode ter um orçamento maior do que o da Educação (108 bilhões contra 102 bilhões). Esses fatores são indícios de que o setor precisa buscar soluções para ser sustentável financeiramente.

As consequências da Covid-19 obrigaram as IES a migrarem rapidamente para o ensino remoto e apesar do sucesso inicial há ajustes a serem feitos nessa nova dinâmica das aulas. Ter um bom modelo acadêmico que enfrente os desafios da atualidade representa ter o alicerce capaz de superar a tempestade que estamos vivenciando. Mas isso não é suficiente para manter a instituição funcionando, é preciso também ter sustentabilidade financeira.

Diante deste futuro incerto, mais do que nunca as IES precisam se reinventar e oferecer produtos melhores e/ou mais baratos. Há algumas soluções para as IES transporem a tempestade – encontrar nichos de mercado, oferecer produtos presenciais com grandes diferenciais, ter capacidade de escalar a oferta educacional, investir em plataformas educacionais inovadoras, entre outras. As opções não são excludentes. Para nós, uma solução viável é a formação de redes de cooperações ou consórcios educacionais.

A questão financeira é um fator relevante para justificar as possíveis alianças em redes ou consórcios, mas não é só isso. As alianças podem melhorar a qualidade da educação. É óbvio que qualquer integração requer ampla discussão e planejamento, mas negar a possibilidade de possíveis uniões é negar o diálogo e a possibilidade de encontrar soluções para enfrentar as crises. O necessário investimento público não é a única alternativa.

Podemos enfrentar as incertezas com a melhoria dos nossos serviços educacionais. Não acreditamos que os estudantes vão pagar por “qualquer serviço educacional”. A pesquisa “Adoção de aulas remotas”, divulgada pelo Instituto Semesp, indica que é preciso proporcionar experiências educacionais, engajamento, capacidade de conciliar teoria e prática, vinculo com as demandas da sociedade, uso de tecnologias educacionais, capacitação do professor, entre outras entregas. A oferta do diploma pelo diploma não é suficiente para o sucesso de uma IES.

As IES que não participarem de alianças por meio de redes de cooperação e consórcios educacionais terão que enfrentar novos players que atuam ou que atuarão no setor da educação. Players que oferecerem produtos inovadores, tecnologias que engajam os estudantes e que possuem a capacidade de atuar com um custo do serviço educacional, em média, menor do que o vigente. É preciso ter como referência também os grupos educacionais, que possuem capacidade de economia de escala e de atuação nacional articulada. É possível observar que os grupos começam a investir mais em inovação tecnológica e na aquisição de produtos premiums.

As pequenas e médias IES, com receitas quase todas oriundas da graduação presencial, com boa reputação regional, com bons conceitos acadêmicos nas avaliações do MEC e com engajamento em suas comunidades, terão problema se não atuarem em redes de cooperação.

Propomos algumas perguntas para a reflexão: Estas IES terão capacidade de realizar atualizações tecnológicas? Elas serão ágeis com estruturas piramidais e processos burocráticos? Os seus gestores terão coragem de deixar para trás modelos que foram exitosos no passado, mas que, talvez, não sirvam para o presente e o futuro? É bom lembrar que empresas também morrem por fazer coisas certas por tempo demais.

Já há alguns bons exemplos de redes de cooperação e consórcios educacionais. Nos EUA, o governo da Pensilvânia integrou as universidades públicas. A integração foi justificada em um cenário em que a pandemia afetou a economia e há dificuldade do estado de investir em diferentes setores.

Foram criados pares de integração entre as instituições: California University of Pennsylvania com Clarion University, Edinboro University com Slippery Rock University e Lock Haven University com Mansfield University of Pennsylvania.

Os reitores e gestores públicos enxergaram nessa integração algumas oportunidades, como a de criar uma economia de escala, fortalecer a sustentabilidade, atrair mais alunos ingressantes e reinventar a própria ideia de universidade pública e sua relação com a sociedade. A integração envolve pessoas (professores, gestores e técnico-administrativos), compras, contabilidade, bibliotecas, programas online, entre outros. O plano prevê também a oferta conjunta de cursos de graduação.

No Brasil, já também existem algumas iniciativas de redes e consórcios exitosas. O Semesp coordena atualmente 12 redes de cooperação, com 74 IES participantes. Apenas como exemplo, algumas IES conseguiram comprar chip para acesso à internet e laboratórios virtuais com preços vantajosos em função da aquisição coletiva. Há vários casos de trocas de informações estratégicas que contribuíram com a tomada de decisões dos gestores e a diminuição de custos.

O Consórcio Sthem Brasil com 58 IES é outro bom exemplo que consegue, de forma coletiva, realizar capacitações de professores das participantes, algo que, possivelmente, seria mais caro e mais difícil de ser realizado por uma IES de forma isolada.

Os exemplos, no entanto, ainda são incipientes no país. Por que as IES públicas e privadas brasileiras não fazem alianças estratégicas? Por que cada IES precisa manter atividades e setores que não estão vinculados à atividade fim de forma fragmentada e redundante? Uma possibilidade é que essas alianças estratégicas sofrem algum tipo de resistência de órgãos de regulação ou dos gestores, professores e alunos em diferentes IES porque podem representam a perda da autonomia universitária ou da identidade das IES.

Há também razões culturais, pouca informação sobre o tema, desconfiança, insegurança, entre outros fatores. Possivelmente a pandemia, por absoluta necessidade, acelere o processo de alianças e o fortalecimento das redes de cooperação. Trata-se de uma questão de sobrevivência e de garantia da diversidade e pluralidade do sistema educacional superior brasileiro.

Estas redes de cooperação poderão atuar com os mesmos resultados do software criado pela Universidade de Berkeley. A aliança das pequenas e médias IES poderá formar uma estrutura de qualidade, robusta e sustentável e constituir-se em uma sólida malha de redes de cooperação.

Atuar de forma isolada por ter sucesso e por ser referência no mercado no presente, e em um passado recente, não é a melhor decisão. Hoje é um contrassenso pensar: minha IES se basta, pois somos detentores de uma marca relevante. Gestor que pensa assim está desconectado com a realidade.

Esperamos que os agentes públicos e privados que atuam no setor da educação tenham sabedoria e coragem de propor o debate sobre a formação de alianças, através da cooperação. O Conselho Nacional de Educação deu o primeiro passo e criou uma comissão bicameral para criar políticas públicas de incentivo às redes de cooperação.

Chegou a hora de fomentar a integração do setor para melhorar a qualidade da educação, ajudar na perenidade das IES e atuar na defesa da diversidade e pluralidade da educação superior brasileira.

*Fábio Reis, diretor de Inovação e Redes de Cooperação do Semesp

*João Otávio Bastos Junqueira, diretor de Relações Institucionais do Semesp