GESTÃO | Edição 204

Com o acirramento da competitividade no setor e a deterioração do cenário econômico, atribuições do coordenador pedagógico ganham complexidade e se expandem para múltiplas frentes

por Marina Kuzuyabu

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Há menos de um ano, a especialista em arquitetura hospitalar Mônica do Amaral Melhado foi promovida a coordenadora pedagógica na instituição em que trabalha, o Centro Universitário Módulo, localizado no litoral norte de São Paulo. O convite chegou menos de um ano depois de sua contratação como professora do curso de arquitetura e urbanismo. Apesar da falta de experiência na área administrativa, Mônica teve apenas um mês para se inteirar dos processos com a antiga coordenadora. Encerrado esse período, precisou do apoio de colegas e superiores para desempenhar as tarefas que encontrou sob sua responsabilidade, muitas delas sem qualquer relação com a gestão acadêmica do curso.

Trajetórias como essa são frequentes no ensino superior, onde há uma carência de cursos voltados exclusivamente para os gestores que atuam no setor. Sem profissionais com formação específica, as instituições geralmente promovem funcionários da casa para ocupar os cargos administrativos.

“No caso do coordenador pedagógico, a tendência é que a instituição selecione um professor que se destaque, que tenha um bom desempenho e um bom relacionamento com alunos e colegas para exercer a função”, conta Marcio Sanches, coordenador do programa de formação e capacitação de coordenadores de cursos, oferecido pela universidade corporativa do Semesp. De acordo com o professor, que também é coordenador de cursos na pós-graduação da Fundação Getulio Vargas (FGV), o programa do Semesp é exclusivo e tem atraído um alto número de interessados, como a arquiteta Mônica. O conteúdo é dividido em três módulos (128 horas) e cobre todos os seis grandes campos de atuação do especialista.

A gestão educacional é o primeiro deles e constitui o centro do trabalho do profissional, que deve coordenar equipes de professores e otimizar o processo de ensino-aprendizagem para que os resultados sejam os melhores possíveis. Nem sempre as condições são as melhores, especialmente quando os alunos admitidos apresentam lacunas na formação básica e restrições de horário. Problemas como esses precisam ser contornados pelos coordenadores para que a qualidade do ensino não seja afetada.

O segundo papel é lidar com aspectos regulatórios. Entre outras atividades, cabe ao gestor elaborar o projeto pedagógico institucional (PPI) e o projeto pedagógico do curso (PPC), receber as comissões do Ministério da Educação responsáveis pelos atos de verificação, credenciamento e recredenciamento e checar, em parceria com o procurador institucional (PI), toda a documentação enviada ao governo relacionada aos cursos sob sua responsabilidade. “O coordenador tem de lidar com todas as questões relativas à regulação. O PI faz a interface da instituição com o MEC, mas dentro da instituição e em cada curso, quem administra essas questões é o coordenador pedagógico”, explica Sanches. Por isso, é desejável que o profissional conheça a fundo as leis que regem o ensino superior privado e tenha grande capacidade de organização e comunicação para sintetizar de forma clara e precisa as informações relativas ao curso.

A gestão de pessoas constitui a terceira frente de atuação do profissional. Está sob sua responsabilidade coordenar o corpo docente, gerenciar o processo de contratação de novos professores, fazer a atribuição das aulas, providenciar eventuais substituições e atender às demandas dos alunos relativas à gestão do curso. Esse talvez seja um dos pontos mais delicados e desafiadores da carreira do coordenador, afinal manter professores e alunos satisfeitos requer, além de habilidade para solucionar conflitos, flexibilidade, autoridade, liderança e uma boa dose de empatia. “Apesar disso, grande parte das pessoas que coordenam cursos nunca tiveram capacitação para gerir pessoas”, ressalta Sanches.

Mesmo com a pouca experiência que conseguiu acumular nesse curto espaço de tempo, Mônica já instituiu reuniões quinzenais com os educadores para que eles possam trazer suas observações e análises a respeito de aspectos que podem ser melhorados no curso. Pensando em contemplar os alunos, foi criada uma agenda mensal de reuniões com representantes de cada turma para que, da mesma forma, eles tenham a oportunidade de expor seus pontos de vista. “Gerenciar pessoas implica aprender a escutá-las”, resume.

Marketing

Juntamente com a gestão do desempenho acadêmico, dos aspectos regulatórios e do clima organizacional, o coordenador ainda tem a responsabilidade de zelar pela imagem do curso de maneira tal que os alunos matriculados percebam as vantagens do programa que estão cursando e os que estão de fora tenham interesse em ingressar na instituição. Isso é especialmente importante quando se está inserido em um mercado altamente competitivo, com condições econômicas desfavoráveis para a captação e a retenção de novos alunos.

Para sobreviver nesse cenário é importante que coordenadores trabalhem em sintonia com a equipe de marketing, fornecendo dados para a criação das campanhas. Ter uma noção clara de quais pontos merecem ser destacados é fundamental no exercício dessa função, assim como a habilidade de multiplicá-los por meio do estabelecimento de parcerias e do alinhamento do currículo às necessidades do mercado, só para citar alguns exemplos. Caso aspectos como esses sejam inexistentes, caberá ao profissional torná-los viáveis.

Quelen Torres, coordenadora dos cursos de comunicação da Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação (Esamc), analisa a tarefa de conciliar a função acadêmica com a mercadológica como uma das mais desafiadoras da profissão, especialmente nesse cenário de crise, em que a retenção se tornou palavra de ordem nas IES. “Nós, coordenadores, temos de provocar encantamento nos alunos, além de fazer a ponte entre eles e o mercado”, analisa. Para trabalhar especialmente esse último aspecto, Quelen foca o estabelecimento de programas de estágio e em eventos que possibilitem o contato entre as duas pontas. “Vínhamos de um cenário muito favorável, com incentivos do governo para incorporar a classe C ao ensino superior. Mas agora, com as restrições, muitos alunos poderão abandonar os estudos e é isso o que precisamos evitar. Temos de tornar o curso atraente para retê-los. Reter se tornou mais importante do que atrair”, relata a coordenadora.

A quinta principal responsabilidade desse gestor é garantir que o curso tenha resultado financeiro, independentemente da qualidade do programa acadêmico ou de sua reputação no mercado. Mesmo em tais condições, os cursos devem ser autossustentáveis em termos financeiros, ou seja, não podem depender de aportes extras da instituição e, tampouco, gerar prejuízo. Assim, cabe ao coordenador controlar os custos, supervisionar o faturamento, orçar as despesas e fazer projeções. “Um bom coordenador precisa, no mínimo, saber fazer uma leitura básica dos resultados. Isso também é importante para que ele possa fazer investimentos em sua área, pois essas noções lhe darão argumentos para negociar com a instituição”, afirma Sanches.

Interação institucional

Finalmente, a sexta grande responsabilidade desse gestor é estabelecer uma rede forte de relacionamentos com outros departamentos da organização – como as áreas de pesquisa, extensão e pós-graduação – a fim de aumentar o intercâmbio entre os setores.

Com tantas atribuições, mesmo profissionais experientes têm buscado formação complementar. É o caso de Mônica Alonso, coordenadora do curso de pedagogia da Faculdade Dom Domenico, do Guarujá (SP). “Estou há quase cinco anos na função e vim aqui [no curso realizado pelo Semesp] em busca de um manual – que descobri que não existe. Além das múltiplas responsabilidades, o coordenador também tem de lidar com as particularidades de cada instituição”, descreve. Neste ano, especificamente, a gestora também está lidando com o desafio de evitar uma queda na captação e na retenção de alunos em função das restrições no Fies, mas espera conter esses problemas com os recursos e estratégias de que dispõe à frente da coordenação do curso.