Acadêmicos e representantes da área de psicopedagogia debatem as perspectivas dos cursos, que esbarram na falta de regulamentação para crescer e conquistar o mercado de trabalho pela qualidade

por Leandro Quintanilha

 

Responsável por estudar e tratar dos problemas de dificuldade de aprendizagem há 32 anos no Brasil, a psicopedagogia continua sendo uma profissão desregulamentada no país. A área de formação, normalmente associada à especialização, hoje conta com três cursos de bacharelado, que devem formar profissionais com vistas ao estudo do processo de ensino-aprendizagem com atuação nos campos clínico, institucional (escolas, hospitais ou empresas) e em pesquisa.

Os desafios e perspectivas da psicopedagogia em nível de graduação foram um dos temas discutidos no 9º Congresso Brasileiro da área, realizado em julho, em São Paulo, com a participação das três instituições que oferecem o bacharelado: o Centro Universitário Lassalle (Unilassalle), o Centro Universitário Fieo (Unifieo) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB). O evento, promovido pela Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), tambem constitui um esforço pela regulamentação da psicopedagogia e pela normatização da formação e do exercício profissional. O momento é oportuno, já que corre no Senado um projeto de regulamentação da atividade no Brasil.

De acordo com Quézia Bombonatto, presidente da ABPp, estima-se que haja entre 70 mil e 80 mil psicopedagogos hoje no Brasil, oriundos de especializações e graduações específicas. As três graduações em psicopedagogia existentes colocam cerca de 200 novos profissionais no mercado a cada ano. A associação tem 254 cursos cadastrados sendo a ampla maioria de especialização, mas estima que haja mais de 400 cursos no país. Grande parte, porém, não oferece as 600 horas recomendadas pela ABPp. A regulamentação que está no Senado pretende estabelecer um mínimo de 600 horas para a especialização.

A palestrante Adriana Gaião e Barbosa, coordenadora do curso da UFPB, destacou que existe uma demanda grande de mercado para os psicopedagogos, inclusive para trabalho em consultórios. É justamente essa tendência que tem chamado a atenção dos conselhos federais de psicologia e fonoaudiologia, preocupados em perder espaço nas suas áreas de atuação. Adriana lamentou que a área também enfrente o preconceito de pedagogos. “Com o foco específico nas questões da aprendizagem, a psicopedagogia existe para somar e multiplicar”, reforçou.

De fato, são amplas as possibilidades de trabalho de um psicopedagogo. No curso da UFPB, há quatro etapas de estágio, duas na área institucional e duas na área clínica. Já o curso de bacharelado do Unilassalle, em Canoas (RS), mantém as áreas de atuação no título: Psicopedagogia Clínica e Institucional. Segundo a coordenadora Glica Kartmann, que participou da mesa-redonda por meio de um vídeo, o perfil dos discentes é o de profissionais que já atuam em educação.

Estudo comparativo
O ponto alto da mesa-redonda foi a apresentação de um estudo comparativo das ementas de graduações da área em três países: Brasil, Argentina e Espanha. O material foi trazido por Márcia Siqueira de Andrade, coordenadora do curso de psicopedagogia do Unifieo. “A ideia não foi avaliar os cursos, mas entender comparativamente como eles funcionam”, disse.

A primeira graduação em psicopedagogia no país foi criada em 2005, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), mas o curso foi extinto por razões institucionais, isto é, sem a interferência do Ministério da Educação. Nos outros países pesquisados, a psicopedagogia é uma graduação mais antiga. Na Espanha, a primeira iniciativa, da Universidad de Vigo, na Galícia, tem 20 anos – data de 1992. Na Argentina a pioneira foi a Universidad del Salvador, em Buenos Aires, que criou o curso de graduação em psicopedagogia há 56 anos, no ano de 1956.

Márcia explicou que no Brasil, assim como na Argentina, o conceito de aprendizagem é mais abrangente – focado na vida, não apenas na escola, como é o caso da Espanha. Os cursos espanhóis preparam profissionais para trabalhar principalmente como orientadores escolares. Nos três países analisados, os cursos de graduação têm a mesma carga horária: cerca de três mil horas. Mas aqui as aulas podem estar concentradas em menos de quatro anos, o que não acontece na Argentina e na Espanha. Ainda de acordo com a pesquisadora, no Brasil, a aproximação da psicopedagogia com a saúde é cada vez mais forte.

É o caso do curso do Unifieo, em que a ênfase em saúde está bem clara na grade curricular – 27% da carga horária é dedicada a disciplinas da área. Os campos de psicologia e psicopedagogia detêm 27% e 18% do curso, respectivamente. Por sua vez, as áreas de educação e social ficam com 15% e 13% do total. “Esse movimento em direção à saúde é mais forte ainda na Argentina, embora lá a prioridade sejam as disciplinas de psicologia”, comentou Márcia. Por outro lado, na Espanha, 43% do conteúdo é dedicado a matérias de educação.

Reconhecimento
Para Márcia, o reconhecimento formal é importante, mas “o reconhecimento social é mais”. Ela avalia que esse fenômeno já está ocorrendo, por meio da atuação de profissionais qualificados no mercado de trabalho.

Participando do debate da plateia, a conselheira da ABPp Marisa Irene Siqueira Castanho, psicóloga por formação, também defendeu os psicopedagogos. “É preciso fincar o pé e marcar o território da psicopedagogia”, disse. Ela lembrou que a área vem sendo reconhecida na prática, por constar em editais de concursos públicos com uma opção válida para candidatura.

Fonoaudióloga por formação, Quézia Bombonatto, da ABPp, lembrou que a regulamentação da profissão já é uma realidade em diversos países. De acordo com ela, ter regras é um grande avanço inclusive para a qualidade dos profissionais. “Com a regulamentação, teremos profissionais mais bem qualificados”, disse.

Alunos para sempre
Na plateia da mesa-redonda sobre os desafios da psicopedagogia, Maristela Ito, pesquisadora sobre o tema no Unifieo, acompanhava atenta as explanações das colegas. Ela finaliza sua dissertação de mestrado sobre a graduação na área. Em conversa com a reportagem da revista Ensino Superior, Maristela contou os principais pontos da pesquisa da qual participaram profissionais da área por meio de entrevistas qualitativas que embasaram o trabalho.
Ensino Superior:
Quais as principais conclusões do estudo?
Maristela Ito:Primeiro, que esta é uma carreira muito nova no Brasil, ainda em processo de descoberta. Em segundo lugar, ficou claro que as entrevistadas estavam em busca de sentido, de significado, para a profissão.
Como se deu o seu interesse pelo assunto?

Estudei ciências sociais e pedagogia. Em seguida, eu me especializei em filosofia para crianças. Ao longo dos meus 20 anos de carreira em escola, percebi que, apesar de todo o treinamento, ainda faltava alguma coisa. Eu me interesso especificamente pela produção de sentido durante o processo de aprendizagem.
Na sua opinião, qual é a importância do psicopedagogo hoje?
Essa formação é uma estratégia importante para a modernização da sociedade. Mais do que o foco em empregabilidade, o profissional da psicopedagogia parece mais disposto a uma formação continuada. Enxerga o conhecimento como um processo em construção.