O Programa Universidade para Todos, uma das bandeiras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na campanha à reeleição, oferece bolsas de estudo a alunos carentes em 237 cursos de ensino superior que tiveram os piores conceitos em avaliação nos últimos dois anos.

Eles representam 48% dos 492 cursos de instituições privadas com as notas mais baixas -1 e 2- no Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) de 2004 e 2005. Também foram os que menos agregaram conhecimento aos alunos nos anos da graduação -índice chamado de IDD.

A partir dos resultados do Enade divulgados neste mês, a Folha fez um cruzamento com as instituições que aderiram ao Prouni, como é chamado o programa de bolsas.

Pela lei do Prouni, os cursos com baixo rendimento só poderão ser fechados se tiverem três desempenhos insatisfatórios no Sinaes, sistema de avaliação do ensino superior do qual o Enade faz parte e que conta também com visita de comissões às universidades. A primeira “rodada” do Sinaes se completa só no ano que vem, quando as avaliações de cursos e instituições ficam prontas.

Enquanto isso, as instituições vão usufruir de isenção de tributos fiscais, que é a contrapartida pela concessão de bolsas. Em 2005, o primeiro ano do programa, o governo deixou de arrecadar R$ 105,6 milhões e beneficiou 112.275 alunos com renda mensal per capita de até três salários mínimos (total da renda familiar dividida pelo número de integrantes) em 1.142 instituições.

O número de vagas do Prouni é quase o mesmo que o oferecido pelos vestibulares de todas as universidades federais do país -cerca de 120 mil ao ano.ControlePara especialistas e representantes dos estudantes, o governo federal deveria analisar a qualidade do curso antes de permitir a adesão ao Prouni. “Faltou o governo debater mais a qualidade das instituições”, diz Romualdo Portela, professor de políticas públicas da Faculdade de Educação da USP.

Para Portela, dar benefício a um curso com baixa qualidade é desperdício de dinheiro. “Esse recurso poderia ser destinado às instituições públicas.”

Avaliação parecida tem João Cardoso Palma Filho, professor livre-docente pela Unesp em políticas educacionais. “O projeto tem seu mérito, que é atender os alunos de baixa renda. Mas o governo não se preocupou muito com a qualidade.”

“O governo tem de ser rígido, há alunos sendo vítimas de propaganda enganosa”, critica o presidente da UNE, Gustavo Petta. “O estudante cria uma expectativa para entrar na universidade e depois vê que o curso não tem qualidade.”

Já o coordenador do Movimento dos Sem Universidade, Sérgio Custódio, cobra a atuação do Conselho Nacional de Acompanhamento e Controle Social do Prouni, criado em janeiro e que até agora só teve três reuniões. “Sem o acompanhamento da sociedade civil, problemas como a falta de qualidade nos cursos seguirão.”BonsO ministro da Educação, Fernando Haddad, diz que o governo adotou uma série de medidas para melhorar a qualidade não só dos cursos do Prouni como de todo o ensino superior.

Se de um lado há 237 cursos com notas baixas, o cruzamento feito pela Folha detectou que na outra ponta estão 196 cursos do Prouni que tiveram os conceitos mais altos -4 e 5- no Enade e no IDD. São 55% dos 358 particulares que atingiram essas notas nas avaliações de 2004 e 2005.

Nesses dois anos, já prestaram o Enade alunos de 7.695 cursos particulares e públicos.

Em cinco áreas -física, medicina, medicina veterinária, odontologia e terapia ocupacional- não houve cursos particulares ruins.

NA INTERNET – Veja a lista com o nome dos cursos na Folha Onlinewww.folha.com.br/062371

 

Para ministro, nota baixa é “sinal amarelo”

 

DA SUCURSAL DE BRASÍLIADA REPORTAGEM LOCAL

O ministro da Educação, Fernando Haddad, reconhece que cursos com notas 1 e 2 no Enade e no IDD acendem “sinal amarelo”, mas acha que só o Sinaes permitirá ao governo tomar providências quanto aos cursos ruins. Ele aguarda o resultado das avaliações das comissões -o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) ainda analisa se houve boicote dos alunos ao Enade.

Para o ministro, foi importante a mudança no critério de seleção dos avaliadores. Eles serão escolhidos pela Comissão Técnica de Avaliação da Educação Superior, constituída na semana passada.

Os avaliadores serão sorteados de um banco de candidatos formado, principalmente, por especialistas com título de doutor e experiência em gestão educacional.

Os relatórios com os conceitos serão públicos. Se o grupo de avaliação der conceito maior que 3 para cursos com notas 1 e 2 no Enade, o MEC pedirá revisão à comissão técnica.Duas avaliaçõesO diretor Celso Carneiro Ribeiro, do Departamento de Modernização e Programas da Educação Superior, lembra que a proposta inicial do MEC era excluir do Prouni cursos que tivessem duas avaliações negativas. A mudança para três avaliações negativas foi feita pelos parlamentares.

No Congresso, um novo projeto quer retomar a exclusão após duas avaliações. Ao ser questionado sobre se não deveria haver seleção de qualidade antes da adesão ao Prouni, Ribeiro diz que o ministério considera o Sinaes uma avaliação completa.

O presidente do Semesp (sindicato das instituições privadas de São Paulo), Hermes Figueiredo, concorda com a exclusão dos cursos que fujam às regras do Sinaes, mas acha que o Enade “é só um aspecto da avaliação”. “É cedo para dizer que algum curso tenha de sair do Prouni.”

 

Após fechamento de curso, aluna tenta transferência desde o início do ano

 

DA REPORTAGEM LOCALDA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Beneficiados pelo Prouni desistiram e até trocaram de área porque cursos fecharam por dificuldades financeiras e eles não encontram instituições que aceitem mais bolsistas. “Vou prestar vestibular de novo e tentar pagar. Pelo Prouni, não dá”, reclama Fernanda Coutinho de Abreu, 19, ex-aluna do curso de pedagogia da Faculdade Anglo Latino (São Paulo), que busca outra instituição desde o início do ano.

Sua colega Alexandra Ferreira Solito, 19, teve melhor sorte. Após quase seis meses, a Uninove aceitou sua bolsa. “Ficamos desamparados, o MEC dizia que não podia ajudar.” Andreza de Ávila, 19, teve de trocar jornalismo por direito, carreira oferecida pela Unibero. “As universidades dizem que já atendem ao número de bolsas.”

O diretor do Departamento de Modernização e Programas da Educação Superior, Celso Carneiro Ribeiro, nega essas dificuldades e diz que, desde que o programa foi criado, cerca de 16 mil já se transferiram. Ele diz que o ministério não pode atuar quando alunos estão matriculados em instituições que não fecharam oficialmente.