Por André Gardini

 

No início do mês de junho, foi enviada ao Congresso Nacional a última versão da Reforma da Educação Superior no Brasil. Apesar dos três anos de discussões entre os envolvidos com o projeto, ainda há, nessa versão, alguns pontos polêmicos. Um deles diz respeito à participação do capital estrangeiro nas Instituições de Ensino Superior (IES). O artigo que trata desse ponto na nova lei diz o seguinte: “Em qualquer caso, pelo menos 70% (setenta por cento) do capital votante das entidades mantenedoras de instituição de ensino superior, quando constituídas sob a forma de sociedade com finalidades lucrativas, deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados”. O capital votante refere-se ao controle da organização. Com os 30% restantes abertos ao capital estrangeiro, isso significa que este não poderá ter poder majoritário nas decisões, ou seja, não terá o controle da gestão da IES.

 

O Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos do Ensino Superior do Estado de São Paulo (Semesp), defende que é preciso verificar se haveria inconveniências nesse controle estrangeiro, já que a iniciativa privada tem que dispor de liberdade e livre iniciativa para operar, vender o serviço e se associar a quem quiser. “Essa ação do poder público não contribui em nada para a inserção do Brasil no mercado internacional”, explica Hermes Figueiredo, presidente do Semesp. Para, ele, é preciso levar em consideração os resultados finais do processo, ou seja, a formação de profissionais críticos. “Nós entendemos que a educação não é uma mercadoria, mas é uma atividade econômica”, destaca.

 

O governo brasileiro tem uma visão diferente. O Ministério da Educação (MEC) entende que existe uma necessidade de qualificar educação como bem público e não como mercadoria. Ronaldo Mota, Secretário de Educação a Distância do MEC, destaca que em um país com tamanhas disparidades sociais, é fundamental que o ensino superior enfoque a construção de políticas públicas que levem em conta algumas necessidades básicas. “O Estado, ao regulamentar e supervisionar a educação, seja pública ou privada, deve visar ao fortalecimento da identidade cultural do povo brasileiro, seu compromisso ético e cívico para com o progresso do país e a elevação dos níveis de bem-estar social. Para tanto, é necessário que a educação seja vislumbrada como um direito, não como um serviço”, explica Mota.

 

Segundo o Semesp, existem no Brasil 2.500 instituições de ensino superior particular que ajudam a aumentar a competitividade entre elas, favorecendo a inserção do Brasil no mercado internacional. Para Figueiredo, a educação no Brasil deve estar voltada para o movimento da globalização. Ele destaca que hoje o profissional disputa o mercado de trabalho de maneira global, por isso é preciso que esses profissionais sejam formados por universidades com parâmetros globais.

 

O MEC informa que o governo brasileiro se recusa a disponibilizar a educação entre os serviços a serem comercializados pelo país no mercado internacional, através da Organização Mundial do Comércio (OMC). No último dia 15 de maio, em Genebra, a delegação brasileira se retirou da reunião que deveria discutir a oferta da educação ao mercado internacional. Mota diz que o interesse em transformar a educação em serviço é de natureza comercial, tendo quase nada a ver com análises de natureza acadêmica ou de preocupação com a soberania das nações. Ele destaca que se essa transformação ocorrer, a educação estaria submetida às leis de mercado e às características de acirrada competição predatória inerente ao comércio internacional.

 

A lei da Reforma da Educação Superior segue aguardando votação no Congresso. Ela não foi colocada em regime de urgência porque o governo entende que esse assunto merece ser amplamente debatido. O que está em jogo – além da disputa dos interesses entre o público e o privado – é o papel estratégico e a relevância da educação, especialmente a superior, no país. Conforme lembra Mota, o fato essencial é a discussão acerca da educação enquanto mercadoria ou enquanto bem público. “Certamente, o Congresso Nacional será o espaço adequado, a partir daqui, para que legítimas visões, ainda que antagônicas, possam se expressar e continuar a defender seus diferentes pontos de vista”, conclui.