Projeto obriga instituições privadas a conceder bolsas e gera polêmica

A Comissão de Educação do Senado aprovou um projeto que promete trazer grande polêmica para o Ensino Superior. Apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), o documento obriga as instituições particulares de ensino superior a reservarem 15% das vagas para concessão de bolsas para alunos com renda familiar per capita máxima de um e meio salário mínimo. Pelo projeto, 5% dessas vagas terão desconto de 80% da anuidade e as restantes 10% das vagas, redução de 50 %.

 

É difícil imaginar, no entanto, que o projeto terá vida fácil daqui por diante. “É um projeto inconstitucional. Na minha opinião, está se intrometendo e ferindo a livre iniciativa”, critica o vice-presidente da Abmes (Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior), Antonio Carbonari Neto. “É um projeto que penaliza as faculdades pressupondo, como está na justificativa do projeto, que todas são altamente lucrativas. O que não é verdade.” As polêmicas em torno do projeto são inúmeras. Parte disso se justifica pela falta de clareza dos detalhes da proposta – cuja aprovação repentina pegou o próprio setor de surpresa. Além da já citada intervenção, pesa a questão do ônus às universidades, que assumiriam o custo sozinhas. Mais que isso, a justificativa do projeto, que acompanha o texto final, cita a possibilidade de reajuste nas mensalidades dos demais alunos para equilibrar as finanças – isto é, os alunos que não tiverem bolsas acabarão financiando o benefício. Veja abaixo trecho extraído da justificativa do projeto:

 

“Se não existem recursos financeiros federais e estaduais para oferta de mais vagas gratuitas, as instituições privadas precisam regular o preço de suas mensalidades de forma a não impedir que uma parcela de alunos […] aprovada para seus cursos fique excluída por não ter dinheiro”. De acordo com o texto, “um pequeno aumento no preço da mensalidade da maioria, somado a uma limitação indolor nos lucros dos empresários, poderá beneficiar cerca de 400.000 estudantes”. Clique aqui para fazer download da íntegra do projeto original (em .PDF).

 

Tempo e alcance – Há que se acrescentar que, mesmo aprovado, o projeto recebeu duas emendas, também já aprovadas. Por essas emendas, apenas instituições que recebem incentivos fiscais do governo serão inclusas neste sistema. Além disso, elas poderão descontar de sua “cota” de 15% as bolsas concedidas em outros programas de inclusão, como o ProUni (Programa Universidade para Todos). “As duas emendas vão na linha de permitir que, se algum outro sistema de bolsas já é adotado, haja uma compensação para não ultrapassar os 15%, para não haver sobreposição”, diz Paim.

 

Teoricamente, isso faz com que o alardeado desempenho dificilmente chegue aos 400 mil estudantes anunciados. Segundo o diretor da Hoper Consultoria, Ryon Braga, especialista no setor, o número de beneficiados não deve ultrapassar 75 mil alunos, graças às restrições impostas pelas duas emendas. “É uma proposta totalmente ineficaz. Este número não representa praticamente nada em um cenário de 1,4 milhão de ingressantes por ano. Para atender as metas do PNE (Plano Nacional de Educação), seria preciso um número dez vezes maior, pelo menos”, afirma.

 

Mais do que isso, coloca em pauta uma questão fundamental: quem vai pagar a conta? Levando em conta a possibilidade de reajuste de mensalidades, o ônus ficaria para as instituições e para os alunos que já pagam por seus estudos. “O setor está diminuindo mensalidade para poder ter alunos. Estão faltando alunos. E isso acontece porque o brasileiro tem um baixo poder aquisitivo. Por que, então, não se propõe um aumento de 15% no número de vagas nas federais? Me parece muito um regime feudal”, diz Carbonari. “Compreendo o mérito do projeto. Mas, hoje, é uma proposta irresponsável.”

E, afinal, quem paga a conta?

 

A atuação proposta provocou uma reação em cadeia do Ensino Superior. Além de classificarem como intervenção, dirigentes e analistas do setor avaliam que é impossível pensar, neste momento, em um reajuste de mensalidade nas privadas, ainda que o projeto pareça atender à população mais carente. “O setor não suporta, em hipótese alguma, um aumento de mensalidade. O que está acontecendo é que já estamos em níveis incompatíveis, no sentido de que algumas instituições estão reduzindo drasticamente o preço, enquanto outras resistem a esta diminuição”, aponta Braga.

Na visão das instituições, no entanto, o que está em debate é a própria sobrevivência do setor. Não se questiona o mérito da necessidade de concessão de bolsas. O ponto é: como fazê-lo? O governo tem obtido resultados bastante significativos com programas como o ProUni e o Fies (Financiamento Estudantil), por exemplo. Para os dirigentes, a solução mais natural seria ampliar estes projetos, já consolidados, e não provocar mais ônus – tanto para o já combalido sistema privado, como para os alunos, que vivem com uma renda achatada. “O segmento passa por uma crise de sobrevivência. Muitas estão passando por dificuldades de manter o equilíbrio financeiro, porque a inadimplência está muito alta”, afirma o presidente do SEMESP (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos do Ensino Superior do Estado de São Paulo), Hermes Ferreira Figueiredo. “Mesmo os alunos que estão freqüentando a universidade estão no limite da sua capacidade de pagamento. Nesse momento, falar em aumento de mensalidades soa quase como uma heresia.”

Tramitação – Embora os detalhes ainda estejam em debate e permaneçam, de certa maneira, obscuros, as reações do setor privado devem se intensificar nos próximos meses. Reações já esperadas pelo senador Paim. “Todas as vezes que se precisa discutir cota em ensino vira polêmica”, afirma. “Quando se toca nas particulares é que a coisa pega. Mas esse debate ainda vai se dar aqui no plenário antes de ir para a Câmara”, diz, antecipando uma tramitação longa. E a “guerra” que será travada daqui por diante – já mais do que anunciada – está apenas começando.”

“Nos causou bastante estranheza um projeto dessa envergadura ser aprovado quase que sem nenhuma discussão com o setor. Não tomamos nem conhecimento disso. Acho que é um projeto totalmente sem consistência e é uma demonstração clara de intervenção na iniciativa privada”, critica Figueiredo, que anuncia: “Acho que o projeto não terá êxito na Câmara. Vamos nos movimentar nesse sentido, pois entendemos que isso é quase que um confisco de vagas. Agora já estamos alertados”.