Problemas financeiros provocam fechamento de turmas, atraso nos salários e demissão de professores

 

A crise das faculdades particulares, antes presente apenas em estudos e análises, já afeta os alunos. Só na cidade de São Paulo, ao menos sete instituições fecharam cursos, atrasaram salários de professores ou tiveram aulas prejudicadas devido a greves do ano passado até agora. Uma delas fechou as portas sem avisar os alunos.O resultado para os universitários é a interrupção dos estudos, incerteza em relação ao tempo e ao dinheiro gastos e problemas para obter documentos. As dificuldades financeiras atingem tanto instituições novas, como a Práxis (cinco anos), quanto tradicionais, como a PUC-SP (60 anos).A razão para a crise é o aumento da concorrência, deflagrada no fim dos anos 90 no governo Fernando Henrique Cardoso -e os resultados estão sendo sentidos agora.A faculdade Piratininga, por exemplo, autorizada em 1999, foi fechada e descredenciada pelo MEC (Ministério da Educação) há um mês. A escola possuía cursos de administração, publicidade e propaganda, pedagogia e turismo em dois campi, na avenida Angélica e na rua da Consolação.Hoje, nesses prédios não há um funcionário sequer para atendimento aos ex-estudantes. Nem o MEC informou quantos alunos foram afetados pelo fechamento.Marcelo Seraphim, 39, que iria para o segundo ano de publicidade, diz que até agora nem pôde retirar o histórico escolar. “Perdi um ano porque não consigo comprovar que estudei”, diz. Ele pagava R$ 260 por mês pelo curso.O prédio da faculdade recebeu a visita de um oficial de Justiça no começo deste mês para o confisco de 2.000 cadeiras como garantia para salários atrasados.A Anglo Latino, na Aclimação, fechou turmas de jornalismo, relações públicas e rádio e TV. Os alunos foram transferidos para publicidade. “É absurdo, não é o que escolhi. No ano que vem terei de brigar de novo por uma transferência para o que quero cursar”, diz Maíra Tatiana Ribeiro França, 24, que se matriculou no início do ano em relações públicas.A Práxis é outra faculdade com fragilidade financeira. Desde 2003, de acordo com o Sinpro (sindicato dos professores de escolas particulares), a entidade não efetuou regularmente o pagamento do 13º salário a professores. Em fevereiro deste ano, a situação se agravou e boa parte do corpo docente iniciou greve que paralisa quase toda a instituição.”Em março, só tive aula de uma disciplina por semana. Das outras matérias, nada”, conta Niclécia Alves da Silva, 36, estudante do terceiro ano de enfermagem. “Tranquei a matrícula. De que adianta terminar uma matéria só e perder o semestre?” Ela pagava mensalidade de R$ 740.Já a PUC, uma das mais tradicionais do país, cortou 30% do corpo docente entre novembro passado e fevereiro deste ano. A instituição possui cerca de 20 mil estudantes, que pagam mensalidades de até R$ 2.500, em medicina. As aulas começaram sem professor em 70 disciplinas (5% do total). Devido à crise, a universidade informou ontem que denunciou (acabou) o contrato de trabalho dos professores.Também têm dificuldades Unicastelo, que cortou cerca de 200 dos 600 professores, Unisa (também demitiu docentes) e São Marcos, que atrasou o 13º salário.A PUC afirma que mantém a qualidade. A São Marcos diz que o problema salarial está resolvido. Procuradas, as outras instituições não responderam.

 

 

PUC-SP acaba com pacto de trabalho com professores

A PUC-SP informou ontem que acabou com o pacto de trabalho com os professores, vigente desde a década de 90. O acordo agora terá de ser refeito. “As condições de trabalho irão ficar piores. Vamos perder conquistas”, afirma Erson de Oliveira, da Apropuc (associação dos docentes).Segundo Oliveira, a reitoria quer acabar com os qüinqüênios, ou seja, o reajuste de 5% a cada cinco anos; com a estabilidade de um ano no emprego; e com as bolsas de estudo para os próprios professores e seus familiares. A assessoria da PUC afirmou que, enquanto não tiver um novo acordo, vale a convenção coletiva -acordo do sindicato com todas as instituições.A PUC vive sua pior crise financeira, deve R$ 82 milhões aos bancos e demitiu 30% dos professores.

  

Ensino superior tem metade das vagas ociosas

Uma das regras básicas de mercado explica a dificuldade do setor privado: a oferta está maior do que a demanda. O Censo da Educação Superior 2004 (último disponível) aponta que o número de ingressantes nas instituições particulares cresceu 2% em relação ao ano anterior. No mesmo período, o número de vagas oferecidas aumentou 16,8%.Assim, cresceu o número de vagas ociosas, que chegou a 49,5 % do total; em 1998, era de 20,2 %.A queda no volume de calouros, porém, não significa que o potencial de crescimento do setor tenha acabado -só 17,3% da população brasileira entre 18 e 24 anos está matriculada no terceiro grau.Para especialistas, as instituições não estão atraindo um novo perfil de alunos. Um dado exemplifica isso: 27,7% de todas as matrículas do país são feitas em curso de administração e de direito.”Quando havia um mercado em expansão, as instituições podiam criar os cursos que quisessem. Agora não é mais assim”, diz Paulo Renato Souza, ministro da Educação no governo Fernando Henrique Cardoso, atualmente consultor da área. Ele foi responsável por flexibilizar a legislação para abertura de vagas, provocando a expansão do ensino superior.”Foi uma verdadeira corrida do ouro, todo mundo achava que poderia ganhar dinheiro com faculdade”, diz o consultor Ryon Braga. “Muitas universidades que surgiram na época da fartura são incompetentes tanto na questão educacional quanto na gestão.”Braga estima que 400 das atuais 2.013 instituições desaparecerão. “Isso ocorreu em outros países. Nos EUA, cerca de 360 instituições fecharam entre 1960 e 1990 pelas mesmas razões”, diz o ex-reitor da USP Roberto Lobo, também consultor da área.

 

SegmentaçãoPara sobreviver nos próximos anos, as faculdades terão de buscar um segmento. A avaliação é analistas da área e até mesmo do ministério. Segundo o coordenador-geral de acreditação de cursos e instituições do ministério, Orlando Pilate, “muitas das instituições deverão se adequar, fundir, e uma ou outra será extinta”.Uma opção, segundo ele, é a especialização. “Quando uma instituição abre cinco, seis cursos, sem diferencial, não faz com que o aluno opte por ela”, diz Hermes Ferreira Figueiredo, presidente do Semesp (sindicato das mantenedoras de instituições de ensino superior). Outra possibilidade, segundo o consultor Carlos Monteiro, são cursos de curta duração (de dois ou três anos).

 

Problema é maior para os bolsistas do Prouni

DA REPORTAGEM LOCAL Se a perda de ano letivo e de dinheiro investido nas mensalidades é um problema para os alunos de cursos que fecham, a batalha é ainda maior para quem está no Prouni, o programa do governo federal que oferece bolsas de estudo em universidades privadas.Andreza de Ávila, 18, ingressou no ano passado no curso de jornalismo da Anglo Latino por meio do programa. Um ano depois, a turma foi encerrada. “Havia cinco alunos na sala. Três eram bolsistas.” Agora, a jovem procura transferência para outra universidade que tenha o curso de jornalismo, faça parte do Prouni e aceite sua inscrição. Segundo as regras do programa, as instituições é que decidem se aceitam ou não esses estudantes.A faculdade Anglo Latino, conta ela, não lhe deu explicações. Procurada pela reportagem durante uma semana, a instituição não ligou de volta.O prazo de rematrícula para quem tem bolsa do Prouni é de três semestres. “Agora corro o risco de perder a bolsa porque não consigo que outras faculdades me aceitem”, diz Andreza.Maíra Tatiana Ribeiro França, de 24 anos, aluna de relações públicas da Anglo Latino, reclama do Ministério da Educação. Ela é bolsista e foi transferida para o curso de publicidade pois a faculdade resolveu fechar seu curso, porque os únicos três alunos da turma eram bolsistas. “O MEC deveria fiscalizar as faculdades participantes do Prouni.”Sobre os problemas com os bolsistas, o ministério diz que vem tentando realizar os processos de transferência.De acordo com o Sinpro (sindicato dos profissionais da educação privada) e o Semesp (sindicato das instituições de ensino superior), a Anglo Latino foi má gerida. “Antes da faculdade, o colégio Anglo Latino tinha 3.000 estudantes. Agora, somando colégio e faculdade, não passa de 400”, diz Luiz Antonio Barbagli, do Sinpro. “A faculdade acabou prejudicando as finanças do colégio”, aponta Hermes Ferreira Figueiredo, do Semesp.