Hermes Ferreira Figueiredo, reitor do Instituto Educacional São Miguel Paulista (Universidade Cruzeiro do Sul), se mostra um defensor da lisura. Presidente do Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior do Estado de São Paulo), tem pregado constantemente práticas como a criação de certificações para as entidades de ensino superior paulistas. Fala ficar assustado quando vê anúncios de concorrentes que exibem cursos pela metade do preço que cobra em sua escola.

Aliás, não só fala como ouve também a mesma reclamação. Por isto, recentemente o sindicato anunciou a criação de uma câmara mediadora. A entidade vai procurar resolver conflitos, principalmente financeiros, entre instituições de ensino rivais. E vai além: a câmara tem a missão de explicar a reitores e gestores que mais importante do que definir preço, a educação no Brasil precisa que se foque ensino de qualidade nas faculdades e universidades que surgem a toda hora pelo país.

@prender: Recentemente o Semesp criou uma câmara mediadora. Porque a entidade precisou agir, há uma guerra entre as IES paulistas?

Hermes Ferreira Figueiredo: O aumento da oferta, com quase uma estagnação da demanda, e com o aumento significativo do numero de IES provoca uma concorrência mais acirrada na captação de alunos, situação que não ocorria há quatro ou cinco anos, principalmente na cidade de São Paulo. Isto faz com que na ânsia de captar alunos, algumas IES esqueçam que somos um segmento voltado para a educação. Então, o sindicato foi sensível aos apelos. E mesmo não sendo papel dele regular preços ou concorrência, tínhamos de fazer alguma coisa.

Então, realizamos um seminário específico sobre práticas concorrenciais e ética. Daquele seminário nasceu a idéia de se criar uma comissão mediadora de conflitos, porque o nosso segmento foi sempre pautado pelo diálogo entre os associados, procurando mais discutir os assuntos acadêmicos ou a perseverança em buscar a excelência no ensino. A concorrência nunca foi assunto de pauta, mas que começou a despertar preocupação.

@prender: Houve uma boa aceitação entre as IES?

Hermes Ferreira Figueiredo: Fomos bem-sucedidos, cerca de cem instituições apareceram neste seminário. Ficamos o dia todo com vários palestrantes de outros segmentos que já têm experiência sobre concorrência. Falamos com pessoas especializadas no assunto, como representante do Conar [Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária], por exemplo. Debatemos cuidados éticos. Por isto, o sindicato criou normas, que foram aprovadas depois em assembléia, onde Semesp poderia funcionar como um mediador. Se um associado julga que determinada prática do seu concorrente não é ética, ele procura o sindicato, que trabalha da mesma maneira como costuma agir em causas trabalhistas, faz a mediação antes de o problema ir parar na Justiça. Procuramos conversar para se manter um ambiente saudável, de camaradagem e companheirismo. Que não desça a níveis incompatíveis com o nosso segmento que é a educação.

@prender: Como o Semesp vai agir?

Hermes Ferreira Figueiredo: O sindicato chamará um outro mantenedor para ser o mediador. E o Semesp não vai fazer juízo de valor. Nossa missão é estimular os associados a captarem alunos dando ênfase à parte acadêmica, às suas pesquisas, às suas metodologias de ensino ou projeto pedagógico, laboratórios, bibliotecas ou corpo docente.

@prender: A guerra é muito desleal?

Hermes Ferreira Figueiredo: No caso da questão de preços é preciso respeitar planilhas. Não podemos comparar uma universidade que desenvolve pesquisas, tem programas de inclusão social, de extensão e política de corpo docente titulado em percentuais elevados, com uma instituição que não está obrigada a fazer pesquisas ou extensão. É evidente que ela tenha uma planilha de custo mais baixa e pode praticar preço menor. Mas há um limite. Um professor na faculdade isolada não ganha muito menos que o de uma grande universidade. Às vezes encontramos práticas de escolas que a chegamos a duvidar que consigam fazer um ensino de qualidade aceitável com o preço que cobram.

@prender: Existe um piso para mensalidades?

Hermes Ferreira Figueiredo: Na prática não, mas entendemos que este piso não possa ser R$ 250 ou R$ 300. Temos faculdade anunciando mensalidades de R$ 258 e este é um preço menor que o de uma escola infantil. No meu colégio, no ensino fundamental paga-se R$ 466. O ensino médio custa R$ 594. Quando vemos uma faculdade por R$ 258 ficamos preocupados e somos questionados por nossos alunos sobre o motivo de seu curso de educação física custar R$ 600 e o do concorrente bem menos. Digo que não sei e que não posso dizer que a escola não presta, mas peço para ele ir lá ver, conversar com quem estuda lá.

@prender: A câmara já começou a trabalhar?

Hermes Ferreira Figueiredo: Eu me ofereci para inaugurar a câmara mediadora no neste último fórum [de ensino superior privado, realizado em setembro]. Um associado disse que iria ao Conar contra minha escola porque ofereço curso gratuito e isto era uma concorrência desleal. Então, expliquei a ele que tenho apenas seis cursos gratuitos, que ofereço apenas 30 vagas em cada um, no período da manhã, apenas por mérito e não perfil econômico, pois existe uma nota de corte alta. Trinta vagas durante o dia não quebra ninguém à noite, pois são cursos com pouca demanda. E disse a ele: “seja o senhor o primeiro para inaugurar esta câmara. O senhor convoca e vou explicar melhor”. Mas por enquanto ninguém procurou ainda, apesar dos vários comentários de que vão inaugura-la.

@prender: Há uma previsão de quando pode ser inaugurada?

Hermes Ferreira Figueiredo: Em 2008 deverão surgir vários casos, porque este ano parece que a concorrência se acirrou mais ainda. O número de concorrentes aumentou e começaram a chegar, principalmente na cidade de São Paulo, algumas IES que demonstram ser muito agressivas na oferta de cursos, preços e condições facilitadas. Os “players” são em maiores números e estão à caça de alunos. Todo mundo disputa o mesmo estudante. Não estamos absorvendo novos alunos. Um busca a fatia do outro.

@prender: Neste fórum sobre ensino particular, o Dirceu Nascimento, diretor do MEC, disse que o prazo para se autorizar novos cursos deve cair de dois anos para seis meses. Isto não vai aumentar ainda mais esta concorrência?

Hermes Ferreira Figueiredo: As exigências são as mesmas, mas o processo vai ficar melhor. Atualmente para se abrir um curso uma faculdade espera dois ou três anos para conseguir autorização. Não se pode pagar aluguel neste tempo todo, por exemplo. E acredito que o ritmo de abertura de novas instituições vai cair, porque com a concorrência acirrada de hoje, quem não é do ramo não vai se aventurar a pedir uma faculdade nova. A oferta está muito aquecida, desproporcional à demanda. Vai diminuir o número de mantenedoras. Este mesmo palestrante disse que no MEC existe a tramitação com definição, até o fim de outubro, de 70 sentenças de transferência de mantença. É uma faculdade que comprou a outra. Ou são fusões. A tendência é diminuir o número de mantenedoras.

Isto é bom para o mercado?

Hermes Ferreira Figueiredo: Acho que é bom porque começa haver uma consolidação do sistema. Houve o “boom”, todo mundo queria ter uma escola e o MEC teve uma participação neste processo, porque uma instituição nova pedia cinco ou dez cursos de uma só vez e eram autorizados com 200 ou 300 vagas para cada um. Existem faculdades com 500 vagas em um curso. É uma insensatez autorizar uma instituição nova, sem experiência, com tantas vagas e tantos cursos de um a só vez. É um mercado difícil, pois antes a situação era completamente oposta, levava oito anos para se ter uma autorização e com número limitados de cursos. Também estava errado. Houve uma espécie de desorganização da oferta.

@prender: Já se pensou em fazer um código de ética entre as IES?

Hermes Ferreira Figueiredo: A câmara mediadora vai mostrar os primeiros resultados um rol de ações que o sindicato e a categoria entendem que não devam ser adotados. Outra coisa muito solicitada é a autoregulamentação com aplicação de práticas recomendáveis, como não oferecer determinado número de vagas por determinado curso, relação professor/aluno ou determinar número de docentes titulados, por exemplo. Mesmo não sendo obrigatório, vamos criar algumas práticas recomendáveis.

@prender: No final do fórum leu-se um documento onde é citada a criação de um órgão certificador. Como vai funcionar?

Hermes Ferreira Figueiredo: Será um órgão de avaliação externa, uma agência reguladora independente, não nascida dentro do sindicato, dentro do segmento. Nos Estados Unidos existem as agências de acreditação. Na Europa, muitas agências de avaliação. Vamos começar fazer consultas a agências por aqui para saber se elas gostariam de receber clientes (e isto é caro) para montarmos um sistema de certificação entre as instituições de ensino superior.

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