Gêmeos idênticos têm destinos diferentes na tentativa de entrar na Universidade de Brasília. Um foi considerado negro, o outro não

Alex e Alan Teixeira da Cunha são gêmeos univitelinos. Formaram-se a partir de um mesmo óvulo, têm o código genético idêntico e, na aparência, são praticamente iguais. Certo? Não para a banca da Universidade de Brasília (UnB) que decide quem pode ou não concorrer às vagas de cotistas negros no vestibular. Alan foi considerado negro, mas a inscrição de Alex não foi homologada. Ele entrou com recurso e espera a decisão.

Quando se inscreveram para o terceiro vestibular de suas vidas, Alex e Alan, 18 anos, tiveram de optar entre o sistema universal e o sistema de cotas. Como escolheram o segundo, foram convidados a tirar fotos para que a universidade decidisse se eram ou não negros. A resposta e a surpresa vieram no início da semana. “Meu irmão foi considerado negro e eu não. Não vejo como isso é possível se somos iguais”, reclama Alex. “Eu entrei com recurso pela internet e estou aguardando. Espero não ter outra surpresa ruim”, completou.

O fato ocorrido com os irmãos levanta dúvidas não apenas para o caso em particular, mas para toda a engenharia projetada para análise da solicitação. “Na nossa escola tem um monte de gente que foi aceito nas cotas e é muito mais clara que nós”, reclama Alan. “Até uma garota ruiva passou”, completa Alex.

Segundo eles, há candidatos que chegam a se maquiar para parecer mais escuro na hora do retrato. “Para mim, falta um pouco mais de seriedade na hora dessa escolha. Um monte de brancos passam, mas pessoas com traços negros evidentes ficam de fora”, analisa Alex.

A questão de a decisão ser feita por meio de fotos também gera divisões de opinião. Alan acredita que a decisão deveria ser na hora, com o candidato ali. “É diferente ver a pessoa por inteiro e ver uma foto que mostra apenas o rosto”, argumenta.

Nota de corte menor

Alan se inscreveu tentando uma vaga no curso de Educação Física; já seu irmão, optou por Nutrição. A polêmica em torno de participar da seleção pelas cotas se deve ao fato de tanto concorrência quanto nota de corte serem menores do que no sistema universal. Os cursos escolhidos pelos dois exemplificam bem a situação: no 2º vestibular de 2006, a nota de corte para o curso de Educação Física ficou em -2,50 no sistema universal. Já para as cotas foi de -110,60. Em Nutrição, a diferença é um pouco menor: 68,70 contra 23,10. “Nos outros vestibulares que eu fiz já passei bem perto. Agora acho que vai dar pra passar”, aposta Alan.

Os dois são moradores do Cruzeiro, estão fazendo cursinho pré-vestibular e formaram-se no final do ano passado no Colégio Dom Bosco, uma escola particular com a capacidade de preparar seus alunos para qualquer tipo de seleção. Mas não é isso que está em julgamento nos critérios de cotas da UnB e, sim, a aparência física. “O que eu acho injusto”, afirma Alan. “Eu, particularmente, sou contra as cotas para negros. Acho que cotas para pessoas pobres e sem acesso à educação de qualidade seriam mais importantes e justas”, completa. “Só que as cotas para negros dizem respeito à discriminação que a raça sofre no Brasil desde o tempo dos escravos. É uma contrapartida da sociedade”, pondera o irmão.

Tanto Alex quanto Alan se consideram negros e merecedores de participar da seleção pelo sistema de cotas. Mas Alex terá de esperar até o dia 31, quando o resultado dos recursos será divulgado junto com o resultado das provas de habilidades específicas.

Resultado pode mudar

O Jornal de Brasília entrou em contato com as assessorias de comunicação da UnB e do Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe) da universidade. O Cespe não quis entrar no mérito dos critérios para a seleção e divulgou que o período para recurso continua em andamento, portanto os resultados não são definitivos. A instituição aconselhou ainda que o candidato espere até a quinta-feira da próxima semana.

As provas do 2º vestibular de 2007 vão acontecer nos dias 16 e 17 de junho. No total, são oferecidas 2.094 vagas em 64 cursos de graduação; 80 delas para o campus de Planaltina.

“Meu irmão foi considerado negro e eu não. Não vejo como isso é possível se somos iguais. Entrei com recurso pela internet e estou aguardando”
Alex Teixeira, que foi preterido na seleção da UnB

                                                           

Críticas e elogios ao sistema

O sistema de cotas, adotado pela Universidade de Brasília (UnB) ? onde 20% das vagas são destinadas a estudantes afrodescendentes ? completa quatro anos em agosto. O projeto de ação afirmativa para negros e índios foi apresentado em julho de 2002 pelos professores do Departamento de Antropologia José Jorge de Carvalho e Rita Segato. Para Carvalho, a reserva de vagas é a única forma de se enfrentar o problema da exclusão racial em curto prazo.

Cerca de 10% dos estudantes da UnB são negros cotistas. O desempenho destes alunos tem aumentado e o índice de abstenção nas matrículas ficou menor. Atualmente, 21 instituições de ensino superior em todo o País já implementaram algum tipo de reserva de vagas. Há projetos na Câmara dos Deputados que incluem cotas para uma quantidade mínima de negros.
Até o Governo Federal já apresentou ao Congresso um projeto instituindo o sistema de cotas, em que reservava metade das vagas. A intenção é de que, ao longo dos anos, todas as universidades públicas adotem algum sistema.
O debate sobre esse tema ainda é muito conturbado e não há uma decisão unânime. De um lado há os que alegam que o sistema é inconstitucional, como o professor José Goldemberg, ex-reitor da USP e ex-ministro da Educação. Ele lembra que a Carta Magna, no artigo 206, garante “igualdade de condições para o acesso” à escola e ensino gratuito “em estabelecimentos oficiais”. “A criação de cotas, no Brasil, representa um retrocesso, pela primeira vez na República, distinguem-se, na lei, brancos e negros”, justifica.

O doutor em Geografia Humana Demétrio Magnoli afirma que a política de cotas aplicada a carentes beneficiaria principalmente a população negra, pois, dos 53 milhões de pobres do País, 63% são negros. “Os negros não têm acesso ao Ensino Superior porque, na maioria dos casos, são pobres e passaram anos estudando em escolas públicas arruinadas”, afirma.

Alternativa

Para Magnoli, em vez de cotas, o Estado deveria aumentar os investimentos no ensino público. “Em poucos anos, os negros passariam a ocupar as melhores vagas nas universidades”, acredita. Segundo ele, esta é uma discriminação às avessas, em que o branco não tem direito a uma vaga mesmo se sua pontuação for maior.

A favor do sistema, a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, considera que é uma “cegueira” as críticas às cotas. Para ela, o dilema entre cotas sociais e raciais está resolvido no projeto de reserva de vagas em universidades. O principal argumento contra as cotas raciais é de que o problema está na qualidade do ensino público. Mas o cientista social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Carlos Alberto Medeiros critica os que propõem o aumento de investimentos em educação como alternativa às cotas. Para ele, esta é uma decisão oportunista e sem engajamento.