O capitalismo sem risco do Brasil não tem limites. No meio do affair Renan Calheiros e da Operação Navalha, muita coisa vai ficando para trás. Por exemplo o valor total das dívidas das universidades privadas com o governo, conhecido pela primeira vez numa audiência pública nesta semana na Câmara. O valor é de aproximadamente R$ 11 bilhões e poderá ser quitado em 120 parcelas mensais com o juro Selic, atualmente em 12,5% ao ano -condições difíceis para qualquer mortal encontrar no mundo real.

A notícia sobre o valor das dívidas das universidades privadas está no portal da Câmara: Dívidas das faculdades privadas chegam a R$ 11 bi.

Receita: Dívidas das faculdades privadas chegam a R$ 11 bi

As dívidas das instituições privadas de ensino superior junto à Receita Federal somam cerca de R$ 11 bilhões, dos quais 70% (R$ 8,3 bilhões) referem-se a contribuições previdenciárias em atraso. Foi o que o secretário-adjunto da Receita Federal, Paulo Ricardo Cardoso, informou hoje à Comissão de Educação e Cultura, durante audiência sobre o Projeto de Lei 92007. O projeto, de autoria do Executivo, amplia as possibilidades de regularização fiscal das instituições participantes do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies).

O projeto permite a quitação de débitos fiscais já inscritos na dívida ativa, usando os certificados de valor (títulos públicos) recebidos em contrapartida às bolsas de estudo concedidas. Atualmente, esses certificados só podem ser usados para pagar débitos fiscais e previdenciários correntes, isto é, ainda não inscritos na dívida ativa. O objetivo do governo é fortalecer o Fies e elevar as possibilidades de acesso ao ensino superior.

Pagamento da dívida

Segundo Paulo Ricardo Cardoso, do total da dívida de R$ 11 bilhões, apenas R$ 1,4 bilhão foi parcelado para ser pago, e não há previsão de pagamento do restante. Dos R$ 8,3 bilhões referentes às contribuições previdenciárias, apenas R$ 278 milhões foram parcelados.

O procurador-geral da Fazenda Nacional, Luis Inácio Lucena Adams, revelou que os débitos inscritos na dívida ativa alcançam R$ 494 milhões. São 1.107 inscrições, relativas a 372 diferentes instituições de ensino superior privado.

Por sua vez, o vice-presidente de Operações de Crédito da Caixa Econômica Federal (CEF), José Humberto Maurício de Lira, informou que o estoque de recursos financeiros destinados a bancar o Fies é de R$ 980 milhões, dos quais R$ 82 milhões oriundos do Orçamento da União; R$ 343 milhões da própria CEF, retirados da receita das loterias; e R$ 555 milhões da retro-alimentação do Fies, ou seja, os recursos referentes ao ressarcimento dos créditos antes concedidos.

Sugestões do relator

Durante a audiência, o relator do PL 92007, deputado Rogério Marinho (PSB-RN), sugeriu que os R$ 494 milhões inscritos na dívida ativa sejam aportados diretamente ao Fies. Também recomendou que os alunos com contrato do Fies possam começar a amortizar o principal da dívida somente a partir do 25º mês após a conclusão do curso. Atualmente, é a partir do 13º mês. As autoridades presentes comprometeram-se a estudar a proposta, mas advertiram que ela apresenta dificuldades para ser implementada.

O vice-presidente da CEF, José Humberto Maurício de Lira, por exemplo, explicou que a ampliação da carência provocaria atraso no retorno financeiro do programa, obrigando a redução da concessão de novos financiamentos nos semestres subseqüentes.

Ao encerrar a reunião, o presidente da comissão, deputado Gastão Vieira (PMDB-MA), afirmou que o projeto representa um “ato de coragem do governo”, e comparou-o ao Programa de Recuperação Fiscal (Refis). Também participaram da audiência pública representantes da Fazenda Nacional, Maria Carmosita Maia, e do Tesouro Nacional, Gustavo Lobo.

Nova audiência

Amanhã será realizada a terceira audiência sobre o projeto, com o presidente da Associação Brasileira de Direito Educacional, José Roberto Covac; o diretor-executivo da Associação Brasileira de Mantenedores do Ensino Superior (Abmes), José Augusto Padilha – esses já confirmados -, e o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Gustavo Petta, que ainda não confirmou a presença.

Essas condições camaradas para saldar os débitos estão no projeto de lei 92007, enviado pelo Planalto para o Congresso em regime de urgência. Os deputados estão meio desconfiados e já pediram ao governo para retirar o regime de urgência do projeto. Em troca, o relatório a respeito ficaria pronto até 15 de junho. Mas o viés por ali é aprovar tudo –sob o argumento singelo de que muitas empresas já tiveram esse benefício fiscal e as escolas privadas também têm esse direito.

O que está por trás disso tudo? Simples. As centenas de universidade privadas em dívida com o governo (por não pagar impostos, Previdência etc.) têm poucas vantagens ao entrar nos programas de crédito educativo e bolsa escola -um dos principais itens da política educacional lulista.

Se essas centenas de universidades não entram no bolsa escola ou programa de crédito educativo, Lula chega a 2010 com números modestos para apresentar. A idéia, voce sabe, é dizer “nunca na história deste país” tantos estudantes tiveram acesso ao ensino universitário.

Mas qual tipo de ensino? Aí é outra história. Essas escolas privadas, com as exceções de praxe, têm nível sofrível de ensino. A escola finge que ensina. O aluno pensa que está aprendendo, mas está comprando um diploma a prestação. E os empresários engordam suas contas bancárias.

Agora, com o projeto de Lula, os donos das escolas ainda terão um alívio em suas contas.

Pode-se argumentar que o problema é antigo, não foi Lula quem inventou essas máquinas de ensino. OK, mas também é verdade que o ensino público vai ficando, cada vez mais, relegado a segundo plano.

A greve dos estudantes na USP é só a ponta do iceberg.