O filósofo José Arthur Giannotti, professor aposentado da USP, avalia que a crise nas universidades está sendo provocada por “grupos pequeno-burgueses”, que querem uma espécie de privatização em benefício próprio. Giannotti diz que os decretos foram mal redigidos. Segundo ele, o governador José Serra (PSDB) já teve prejuízo político e agora terá que “ganhar tempo”. Giannotti considera que as universidades têm, sim, que estar em contato com a iniciativa privada.

O GLOBO: Qual é o motivo dessa crise nas universidades?

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI: As crises são localizadas, embora pareça uma crise geral. São grupos pequeno-burgueses, cujas propostas não têm nada a ver com as condições de elas serem aceitas.

Quem são esses pequeno-burgueses? Alunos, professores?

GIANNOTTI: Falo em geral. Porque, como não têm muita vinculação, fazem demandas que não podem ser implementadas. É mais ou menos como Calígula, quando pediu que lhe dessem a lua. Dizem: “Quero mais dinheiro para a educação, mais dinheiro para a educação”. Mas não dizem de onde vem.

O que vem sendo reivindicado então são privilégios?

GIANNOTTI: Os estudantes pedem que não haja jubilação. Jubilação é: depois de determinado tempo, o estudante perde o lugar, porque, afinal de contas, há gastado, e não há motivo para que ele bloqueie uma vaga. Se ele não tem vocação para ser um físico, que seja um excelente agricultor, mas que não atrapalhe o acesso de outro. A universidade está sendo privatizada, pois está sendo apropriada por grupos que não mantêm a universalidade do espaço público.

Qual ê a sua avaliação dos decretos do governador Serra? Realmente ameaçam a autonomia das universidades? Ou elas estão mal administradas?

GIANNOTTI: As universidades paulistas sempre foram ligadas a uma secretaria. Antes eram ligadas à Secretaria de Ciência e Tecnologia. O que houve foi que o decreto foi mal redigido. E dava realmente a idéia de que as universidades poderiam perder a autonomia, pois o comando do Conselho de Reitores seria ocupado pelo secretário Pinotti. Aos poucos, o governo compreendeu que o negócio teria conseqüências desastrosas e começou a esclarecer. Uma elite universitária e, quem sabe, reitores competentes já teriam pedido reavaliação dos decretos.

Alguns críticos dizem que, na verdade, o governo Serra preparou uma intervenção nas universidades.

GIANNOTTI: O que importa é o estatuto legal. É claro, cada governador tem a sua visão sobre as universidades. Se o Serra procurou ou não a intervenção, não sei. Agora, que a universidade tem focos reacionários, de muita irracionalidade, é verdade.

Existe uma “caixa preta” nas contas das universidades que justifique, por exemplo, uma intervenção?

GIANNOTTI: Ah, não, não creio.

Nem nas fundações?

GIANNOTTI: As fundações não têm nada a ver com caixa preta. Fundação é um grupo que cria um serviço, que presta serviços. Isso, ao meu ver, é absolutamente normal. Desde que tenha uma transparência dos seus contratos. E mais: como serão distribuídos os benefícios que a universidade ganha com esses contratos. Acontece que os sindicalistas mais empedernidos dizem que a universidade não pode colaborar com o capital. Só que o capital de 1930 não é mais o capital que existe depois de 1990. Hoje já sabemos que a crise fiscal do Estado é muito profunda. Imaginar que a universidade possa trabalhar sem colaborar com as empresas é uma idéia totalmente monárquica.

 

E a nova secretaria veio pra isso?

GIANNOTTI: É besteira. A secretaria veio para dar maior racionalidade ao sistema. É preciso regular todo o processo de produção científica para que a sociedade ganhe. Agora, imaginar que não pode ter contato com o capital é voltar a uma concepção medieval.

O senhor acha que por trás dessa crise há um jogo contra o governador, que pode se candidatar a presidente em 2010?

GIANNOTTI: Existe, mas não só contra o governador. Existe um processo de deterioração da política universitária. Porque ela foi abocanhada por um grupo de sindicalistas extremamente, digamos, revolucionários pequeno-burgueses, que pensam que o dinheiro para a universidade cairá do céu como um maná, que a vida das universidades está nas assembléias.

O senhor acha que o governador estaria sendo inábil na condução desse processo?

GIANNOTTI: Ele demorou para mandar o secretário de Segurança negociar com os estudantes. Obviamente, a reitora da USP não teve essa capacidade.

Há corporativismo na crise?

GIANNOTTI: Mediocridade.

Entrevista
Dalmo de A. Dallari.

Professor aposentado da USP, o jurista Dalmo de Abreu Dallari diz acreditar que o governador José Serra (PSDB) preparou uma intervenção nas universi­dades, antes mesmo de tomar posse. O objetivo dos decretos seria favorecer a iniciativa privada, direcionando pesquisas e estudos para atender ao mercado, afirma. Para Dallari, só uma manifestação clara e direta de Serra sobre seus objetivos seria capaz de acabar com a crise.

O GLOBO: Na sua avaliação, o que está acontecendo nas universidades públicas paulistas?

DALMO DE ABREU DALLARI: Um descontentamento em relação às decisões tomadas pelo governador. Realmente, essas decisões podem afetar a autonomia das universidades e prejudicar o seu trabalho. Serra preparou uma intervenção, antes mesmo de sua posse.

Como assim?

DALLARI: Em novembro de 2006 (governo Cláudio Lembo), a Assembleia Legislativa aprovou uma emenda tirando do Legislativo sua competência para a criação de secretarias. Como a bancada era tucana, isso foi aprovado para subsidiar o projeto de Serra.

Depois veio a criação da Secretaria do Ensino Superior?

DALLARI: E o decreto que cria a secretaria deixa claro que poderá haver uma estruturação no ensino. Fica evidente que o objetivo é adaptar o ensino às conveniências empresariais, uma espécie de privatização, pois as universidades passam a priorizar os interesses das empresas em sua produção, e não mais os interesses públicos. Na prática, é mais ou menos uma repetição do que Fernando Henrique Cardoso fez, ao retirar os recursos das universidades públicas.

Como acabar com a crise?

DALLARI: Basta um pronunciamento claro do governador. Só isso pode acabar com a crise.

O senhor não considera que as universidades funcionam como “caixas pretas” do ponto de vista financeiro?

DALLARI: O que eventualmente possa existir não é fundamental a ponto de se alterar a autonomia conquistada.

Mas, considerando que elas são sustentadas pelo ICMS, imposto que inclusive a população pobre banca, não deveria haver transparência maior?

DALLARI: Mas as verbas repassadas são todas controladas, inclusive pelo Tribunal de Contas do Estado. Creio que o que precisa ser melhor discutido, inclusive internamente, é como aplicar o dinheiro. Por exemplo: priorizaremos as pesquisas que atendam mais ao mercado ou aquelas que atendam ao conjunto da sociedade, que têm mais sentido público? (S. A).