A autonomia universitária é uma causa digna. Mas a greve dos alunos da USP virou birra de jovens mimados.

Um dos conceitos mais importantes para as universidades é sua autonomia. Ela existe praticamente desde o nascimento das universidades, no século XIII. A partir do século XIX, com a Revolução Industrial, os governos passaram a percebê-las como um celeiro de inovações, necessárias ao bem-estar e à economia do país. Foi então que ganharam força as grandes universidades públicas. E aí surgiu uma fonte de tensão. Assim como um pai não quer que seus filhos gastem o dinheiro da mesada com “bobagens”, o governo tem uma tendência natural a exigir que suas verbas sejam gastas no que considera importante – pesquisas, ensino de alto nível e conhecimento aplicável às necessidades do mercado.

As universidades são, é claro, ciosas de sua autonomia. E devem ser. Isso tem preservado a instituição há oito séculos. A fórmula de combinar autonomia e descentralização é muito mais eficaz para lidar com mudanças que a burocracia governamental ou mesmo a hierarquia das empresas. “É difícil políticos e burocratas tomarem boas decisões sobre como educar e como gastar o dinheiro”, diz John Hammang, diretor de Projetos Especiais da Associação Americana de Universidades Estaduais.

A autonomia orçamentária, conquistada em 1989, ajudou a desenvolver as universidades estaduais paulistas – Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Campinas (Unicamp) e Universidade Estadual Paulista (Unesp). Na Unicamp, desde 1989 o número de alunos formados aumentou 193%, e o orçamento 10%. As universidades paulistas têm, juntas, quase metade da produção científica do país. Elas recebem 9,57% do ICMS do Estado e têm liberdade para gastar a verba como acharem melhor. Foi essa autonomia que elas acreditaram estar ameaçada por alguns decretos baixados pelo governador José Serra, em janeiro.

Serra diz que suas medidas visam melhorar as universidades. Também quer que a instituição tenha mais vagas e seja mais aberta a jovens das classes sociais mais baixas. “As universidades públicas paulistas têm 19 mil vagas, e todo ano 400 mil jovens saem do ensino médio”, diz José Aristodemo Pinotti, secretário do Ensino Superior, um cargo recém-criado por Serra. Para cumprir esses objetivos, o governo quer mais transparência no modo como as reitorias dispõem do dinheiro público. Exigiu, por exemplo, que elas publicassem diariamente seus gastos no Siafem-SP, um sistema de computador que analisa todas as contas do Estado.

“Tivemos receio de que o governo passasse a controlar as despesas”, diz o reitor da Unicamp, José Jorge Tadeu. Esse temor foi agravado pelo congelamento de todas as contratações. A determinação foi desprezada pelos reitores. “O artigo 207 da Constituição garante a autonomia das universidades.”

Desde o início da crise, o governo voltou atrás em alguns pontos, como entregar a presidência do Conselho dos Reitores a Pinotti. A tendência era que o debate sobre autonomia se arrastasse até morrer. Aí entrou um grupo de bem-dispostos estudantes. Na sexta-feira, eles completaram 22 dias de ocupação da reitoria da USP.

São cerca de 200 alunos. Afastaram móveis, colocaram colchonetes no chão, ergueram barricadas com pneus e… passaram os dias em rodinhas de violão e panfletagem. Seu principal alvo era José Serra, ele próprio um ex-líder estudantil. A greve foi declarada ilegal. Mas quem se importou? Serra relutava na semana passada em arcar com o custo político de ordenar a desocupação à força. Alguns professores se uniram aos estudantes, aproveitando para pedir aumento de salário. Os funcionários também apoiaram o movimento. Trata-se, agora, de um típico protesto contra “tudo isso que está aí”. Os estudantes acreditam estar lutando em defesa da autonomia universitária. Mas seu comportamento ajuda a criar a tentação intervencionista.