Para governador, decretos sobre orçamento e pessoal não se aplicam à USP, Unicamp e Unesp

Universidades “gozam de imunidade constitucional”, afirma governador tucano; professores e alunos pedem a revogação do decreto

Os decretos que provocaram invasão de reitoria, greves e convulsão política nas universidades estaduais paulistas não impedem USP, Unicamp e Unesp de contratar pessoal ou de remanejar as verbas de seu orçamento assim como o desejarem, segundo o governador de São Paulo, José Serra.

“Os decretos não mudam nada, nem neste ano, nem nos próximos. Não é preciso de autorização de secretário nem do governador para que as universidades remanejem verbas, e elas podem contratar pessoal -aliás, já estão fazendo isso”, disse Serra ontem à Folha.

Ao saber da declaração do governador, professores de direito da USP e o sindicato dos docentes da universidade perguntaram se os decretos serão revogados. Não, diz o governo.

“Não é necessário. Os próprios reitores aceitaram as explicações do governo e reconhecem que as universidades têm imunidade em relação aos decretos, garantida pela Constituição e pela Lei de Diretrizes e Bases”, diz Francisco Luna, secretário de Planejamento. Luna diz ainda que o governo, de resto, esclareceu por meio de ofícios que os decretos não se aplicam às universidades.

“Os decretos são claros e seus efeitos são vinculantes até que a norma seja revogada. Os ofícios são só um compromisso político. Se fosse consultor jurídico da USP, diria que ela praticaria um procedimento ilícito [ao não respeitar os decretos sobre contratação de pessoal e a autorização para remanejar verbas]”, diz Floriano de Azevedo Marques, professor de direito administrativo da USP.

“Há interpretações contraditórias, em especial sobre gestão orçamentária. Mas se, para o governador, não vale certa interpretação que o texto do decreto claramente permite [restrição de autonomia], basta revogar os decretos”, diz Odete Medauar, professora-titular de direito administrativo na USP.

O presidente da Adusp, o sindicato dos professores da USP, César Minto, manifesta a mesma opinião. Mas acredita também que os decretos fazem parte de uma política mais ampla, que tem como objetivo desvincular do orçamento estadual as verbas para a universidade e de submetê-la a uma reforma administrativa similar à do início do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso.

Decretos

Os decretos da discórdia foram publicados entre janeiro e março deste ano. Pelo menos quatro deles provocaram controvérsia porque, segundo seus críticos, restringem a autonomia universitária. Vinham sendo discutidos de maneira pacata e quase circunscrita à comunidade universitária até maio, quando estudantes invadiram a reitoria da USP e receberam apoio de parte dos professores e dos funcionários. Por fim, o efeito dos decretos na universidade foi interpretado de maneira contraditória pelos próprios secretários de Serra.

O decreto 51.636 fixa normas a respeito do modo pelo qual as repartições do governo, autarquias, fundações, empresas e inclusive universidades podem gastar o dinheiro de seu orçamento e como tal despesa deve ser informada ao Estado.

O mais controvertido, esse decreto determina que o remanejamento de verbas de um tipo de despesa para outro deveria ser autorizado pela Secretaria da Fazenda (artigo 10º; o artigo 2º inclui as universidades no objeto do decreto).

O decreto 51.471 proibiu toda a administração pública de contratar pessoal, inclusive as “autarquias de regime especial”, como as universidades. Os decretos que criam a Secretaria de Ensino Superior e a ela subordinam as universidades direcionariam, segundo críticos, o teor das pesquisas da universidade e dá ênfase só à formação profissional. No decreto se lê que a secretaria, como a “promoção” de estudos para “ampliação das atividades de pesquisa, principalmente as operacionais” (o que poderia prejudicar a pesquisa básica).

Em carta de 22 de maio ao reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, o secretário de Gestão Pública, Sidney Beraldo, disse que não se aplicavam os decretos 51.471 e 51.660 (sobre política salarial do Estado), mas não menciona o 51.636. Em ofício de 16 de maio endereçado a Jorge, o secretário da Fazenda, Mauro Costa, “reafirma” a “decisão do governo de definir” com os reitores “regime adequado de remanejamento de dotações orçamentárias, que atenda às peculiaridades de sua organização e funcionamento sob a égide da autonomia”, texto que é dúbio sobre aplicação do decreto às universidades.