Com só 241 presentes em assembléia, docentes da USP decidem pela greve, seguidos dos da Unicamp e Unesp.

Enquanto se esgota mais um prazo dado pela reitora Suely Vilela ao grupo de estudantes que ocupa a reitoria da Universidade de São Paulo (USP) há 21 dias, e uma ação policial de reintegração de posse se torna mais próxima, o sindicato dos professores decidiu iniciar greve por tempo indeterminado. Eles foram seguidos pelos docentes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Maio é o mês em que se discute o dissídio nas universidades. Neste ano, a ocupação dos estudantes deu força à opção pela greve. “Sentimos que o apoio ao movimento cresceu, principalmente nos últimos dez dias”, afirmou o presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp), César Minto.

Além de apoiarem os alunos,repudiarem os decretos do governador José Serra e pedirem mais verbas para a educação pública, os professores defendem reajuste salarial de 3,15% mais uma parcela fixa de R$ 200 nos salários dos docentes contratados em tempo integral. A decisão foi votada na manhã de ontem, numa assembléia que reuniu 241 professores, segundo a lista de presença. Há cerca de 5 mil docentes na USP. Hoje, haverá uma reunião entre os sindicatos e os reitores.

Hoje também, o coronel Joviano Conceição de Lima, chefe do Comando de Policiamento de Choque, deverá ir até a ocupação discutir a reintegração. Anteontem, em reunião com a reitora Suely Vilela, ele afirmou que, caso não chegassem a uma saída voluntária, poderia entrar com o policiamento no local e prender os alunos por desacato à decisão judicial. A reitora disse que tinha chegado a um limite nas negociações.

Já os estudantes, que participaram de protesto do funcionalismo público estadual na Avenida Paulista, convocaram, do carro de som, os movimentos sociais para ajudarem a resistir a uma possível ação policial. Mesmo assim, eles disseram descartar a chegada da tropa de choque. “Não negociamos e não vamos negociar com a polícia e repudiamos qualquer ação no campus”, afirmou Diogo Campanha, da comissão de comunicação do movimento. Ontem, eles preparavam flores de papel para usar em um protesto.

“Eles insistem em um movimento sem causa, todas as questões já foram esclarecidas. O que esses alunos querem é suscitar um conflito e nós não queremos isso”, reafirmou ontem José Aristodemo Pinotti, secretário estadual de Ensino Superior.

DIVISÕES

O movimento dos estudantes, minoritário dentro da universidade, foi votado numa assembléia com cerca de 2 mil alunos, dos cerca de 80 mil da USP. Os funcionários, também em greve, afirmam que 80% deles estão parados. Mas, até ontem, a maioria das unidades estava funcionando normalmente, com exceção da prefeitura do campus, do Instituto de Física, da Escola de Comunicações e Artes e da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, onde os grevistas impediam a entrada de alunos.

O jurista Dalmo Dallari esteve reunido ontem com estudantes que temem interferência na autonomia universitária, mas questionam a ocupação da reitoria. “Só que eles não têm força para tomar uma atitude diferente dentro do movimento”, diz o jurista. Eles devem, segundo ele, entrar com uma ação no Ministério Público contra a criação da Secretaria de Ensino Superior.

“Eu estou convencido de que a criação da secretaria é inconstitucional. Mas acho que a ocupação não tem sentido, o importante é discutir se os atos do governador são constitucionais ou não. Deixar a universidade funcionando enquanto se discutem os aspectos”, disse Dallari.

Para ele, o órgão criado em janeiro infringe tanto a legislação federal, por ferir a autonomia universitária, quanto a constituição estadual, já que a criação de cargos e de encargos financeiros não pode ser feita por meio de decreto, e sim pelo Poder Legislativo.

Na noite de ontem, o Cruesp, órgão que reúne os reitores das três universidades, divulgou uma carta na qual o secretário da Gestão Pública, Sidney Beraldo, reiterou que os decretos que limitam contratações no Estado e que criam a Comissão de Política Salarial não são aplicados às universidades, e sim ao restante do funcionalismo.

Na semana passada, o secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Machado Costa, havia escrito aos reitores dizendo que a autonomia das instituições segue inalterada. Esses decretos, junto com a criação da secretaria, representam o conjunto de ações usadas para justificar o temor de perda da autonomia.

Em caso de ação da PM, não vá ao HU, diz comando.

“Se você for ferido, não se dirija ao Hospital Universitário. Lá o aluno poderá ser facilmente identificado como um dos invasores da reitoria”.A recomendação foi feita anteontem pela comissão de segurança, uma das tantas em que se divide a organização do movimento de alunos que há 21 dias invadiu o prédio da USP. O temor é que, no caso de uma ação policial para a reintegração de posse, haja conflito e que isso exponha ainda mais os participantes.

Enquanto reafirmam a certeza de que não haverá nenhum movimento da PM – confessando, isso sim, o temor de ver o protesto minguar pelo cansaço -, os estudantes rebelados vivem clima de “festa revolucionária” dentro da reitoria. A comida é simples – no lanche eles comem pão com manteiga e café puro -, mas há música o tempo todo, seja um rock vindo de um CD ou uma MPB tocada ao vivo por um conjunto recém-formado de alunos. Diversão à parte, o assunto principal é a critica à gestão da USP, ao governo estadual, federal e até aos EUA.

Aproveitando a estrutura da reitoria, os estudantes conseguiram organizar seu próprio centro de informações. De lá publicam um blog, fazem telefonemas, monitoram o que trazem sites, assistem aos telejornais. Orgulham-se da repercussão do movimento e confessam que ficariam felizes se derrubassem a reitora, Suely Vilela. O Diretório Central dos Estudantes (DCE) se diz contra a ocupação. São chamados de “pelegos” por quem está do lado de dentro. Os filiados ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), que também defendiam a desocupação, mudaram de idéia na terça-feira. São vistos com desconfiança, chamados de “vira-casaca”. Todos são bem-vindos para as discussões e têm passe livre na reitoria. Isso, porém, não os livra das vaias nas assembléias.

O grupo que se reveza dentro do prédio deixa escapar uma ponta de ressentimento em relação aos demais estudantes, aqueles que participam das reuniões, votam, mas preferem voltar para “o conforto de suas casas”. “Estou aqui desde o primeiro dia” virou lema dos que tentam demonstrar autoridade.

Entrevista

Sergio Adorno: professor de Sociologia e coordenador do Núcleo de Estudos da Violência.

Sociólogo compara imposição de vontades ao uso de armas pelo mundo do crime e defende a reabertura de diálogo.

“No impasse da USP, não há solução que não passe pela recusa à violência, parta de onde vier. Mas, igualmente, não há solução que passe pela suspensão das leis e das decisões judiciais. Não há meia-democracia, senão seremos levados a dizer que há meia-ditadura.” A afirmação está num artigo escrito pelo sociólogo Sergio Adorno, divulgado ontem entre a comunidade acadêmica. Professor titular de Sociologia da FFLCH e coordenador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV), Adorno chama atenção, e faz uma crítica, não para as reivindicações dos alunos, que considera em parte legítimas, mas para os meios usados por eles.

Há em parte da universidade o discurso de que foi um ato autoritário da reitora pedir a reintegração de posse. O senhor concorda?

Eu faço outra leitura. Não podemos confundir o contexto da ditadura com a época atual. Estamos numa sociedade democrática, onde existem leis, agentes legítimos de representação e liberdade para o debate e a negociação. Podemos divergir, mas não podemos ignorar a legitimidade de buscar caminhos para a solução de conflitos. Senão, eu vou agir como age o mundo do crime, que tem força para impor sua vontade pelo uso das armas. A reitora, como representante de uma instituição, não teve alternativa. Se não o fizesse, inclusive, poderia ser acionada pelo Ministério Público.

Diante do impasse, a reintegração deve ser cumprida?

O juiz agiu conforme as leis. Uma decisão judicial tem de ser cumprida. No Estado democrático, se a gente não está de acordo com a liminar, procura-se entrar com recurso numa instância superior. Isso faz parte do jogo democrático e seria uma irresponsabilidade ela não ser cumprida.

Alunos contrários à ocupação e à greve reclamam que são impedidos de entrar nas salas. Anteontem houve conflito no Instituto de Física. Os alunos estão usando a força para se manifestar?

Sim. Os alunos estão se impondo de maneira violenta. Você não pode impor ao outro a sua vontade. Não pode proibir ninguém de entrar, sair, circular, se manifestar. Você pode ter idéias diferentes e elas precisam conviver, isso é a democracia. O problema aparece quando você resolve declarar que as suas idéias são melhores do que as dos outros, e tenta impô-las pela força. Assim, você passa por cima da palavra, do convencimento pelo diálogo, pela exposição de idéias e pelo debate.

Os alunos deveriam sair?

Eles já mostraram que têm força, que são uma parte do jogo político da sociedade. Não estou discutindo aqui a legitimidade das reivindicações deles, concordo com parte delas. Mas são os meios que preocupam, que são meios violentos. Chegamos a um ponto do conflito em que é preciso colocar uma trégua e retomar o debate. Senão, ninguém avança, a pauta se perde.

O senhor avalia que falta democracia ao movimento, que justamente sempre se remete aos protestos feitos na ditadura?

Sim. Só que eles precisam entender que em 1968 os protestos eram contra um regime arbitrário. Há uma certa ‘nostalgia’ de parte dos estudantes com as ações daquele período. Acredito que o movimento estudantil representa mudanças, que a universidade precisa aprender a ouvir. Mas os movimentos devem entender que estamos numa sociedade democrática. Está na hora de eles demonstrarem maturidade política. Acontece que pelo jeito é um movimento sem direção, imprevisível, o que é preocupante. Está na hora de retomar o debate e o diálogo.