* José Aristodemo Pinotti

É surpreendente verificar que um segmento dos estudantes universitários está unido em torno de algo que vai contra o interesse da sociedade de um modo geral – e, no fim, deles mesmos.  Um dos motivos fundamentais exibidos até a saciedade para justificar a ocupação da reitoria feita pelos estudantes da Faculdade de Filosofia da USP é o que eles chamam de “fim da autonomia” das universidades estaduais de São Paulo. 

Mas a universidade continua tendo tanta autonomia quanto antes. Os três reitores testemunharam esse fato. Não há nenhum, mas nenhum mesmo, corte de recursos. Pelo contrário, as transferências de recursos do governo às universidades têm aumentado neste ano em relação ao ano passado, seguindo o crescimento da receita do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) e à escrupulosa observância da vinculação de 9,57% desse imposto.  Do mesmo modo, não houve, não há, nem haverá diminuição da liberdade de execução orçamentária nem ingerência nas políticas de recursos humanos, pesquisa e contratações das universidades. A Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) sempre estiveram ligadas a alguma secretaria.

A Secretaria de Ensino Superior não tem nem mais nem menos poder do que a Secretaria de Desenvolvimento, à qual, anteriormente, eram vinculadas as três universidades. Pelo contrário, a nova secretaria visa fortalecer o espaço dessas universidades junto ao governo.  Os supostos decretos que cerceariam a autonomia universitária não existem – pena que quase ninguém se dê ao trabalho de procurá-los e analisá-los. Nem mesmo alguns professores da USP que, contra ou a favor da invasão da reitoria, falam de perda de autonomia, se dão ao trabalho de informar-se cuidadosamente sobre números, a legislação e os decretos pertinentes.  Já li nos jornais até estultices rematadas, como a que considera gravíssimo o fato de que as Faculdades de Tecnologia (Fatecs) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) tenham ficado na Secretaria de Desenvolvimento. Perguntem à Fapesp se alguma célula do seu organismo de pesquisa básica foi afetado por algum decreto ou alguma ação do atual governo. 

Há um ponto que o governo de São Paulo tem enfatizado: a necessidade de maior transparência na utilização dos recursos públicos.  A universidade mantida por impostos deve ter seus gastos abertos ao público, como qualquer outra instituição pública. O orçamento e sua execução precisam ser visíveis, transparentes. Nesse sentido, não tivemos dificuldade com os leitores. É preciso que o governo, a Assembléia Legislativa, a imprensa, os próprios estudantes possam acompanhar o modo como a universidade emprega o dinheiro público. Como é que estudantes podem se opor a isso? O que eles chamam de “autonomia”? O segredo? A inescrutabilidade?

A universidade pública não pertence só à comunidade acadêmica. Ela é patrimônio de todos, inclusive daqueles que não estudam lá. Das donas de casa, dos garis, dos advogados e médicos, das empregadas domésticas e dos estudantes de faculdades particulares que não conseguiram ingressar na universidade pública. Os recursos do ICMS destinados às três universidades públicas, que vêm crescendo ano a ano – cerca de 20% em termos reais entre 2003 e 2006 -, elevaram-se a mais de R$ 4 bilhões no ano passado. São recursos que provêm da mais universal das fontes: o bolso de milhões de consumidores-contribuintes. A universidade pública deve servir ao público.
Quanto às outras reivindicações, como a construção de mais moradias para estudantes – também a transparência, equilíbrio e austeridade devem estar presentes nessa negociação, como tem sido feito pela reitora da USP. Não é justo que, por meio de uma ação espalhafatosa, universitários imponham seus cálculos, seus números, aquelas que acreditam ser as suas necessidades acima do conjunto da sociedade, praticamente à força.

A desocupação, ou reintegração de posse, do prédio ocupado foi solicitada pela reitoria da USP ao Poder Judiciário. A Justiça determinou à polícia que proceda imediatamente à operação. Mesmo assim, dentro de raios de manobra muito estreitos, a PM tem procurado esgotar todas as possibilidades de negociação com os ocupantes, chamando até a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Ministério Público e a Comissão de Justiça e Paz para colaborarem nesse propósito, pois receia-se que interesse a alguns deles afrontar a polícia e produzir cenas de combate que embaracem todas as instituições: a reitoria, que solicitou a desocupação; a Justiça, que ordenou a desocupação; a polícia, que meramente cumprirá ordem judicial.  Apesar de considerarmos surreal o grande motivo alegado para a invasão da reitoria e não aceitarmos negociar com uma faca no pescoço, também queremos preservar a integridade de todos – policiais e manifestantes. Ao contrário destes, temos a responsabilidade de zelar pelo interesse de toda a população, inclusive dos que se opõem a nós. 

* José Aristodemo Pinotti é secretário estadual de Ensino Superior