De um lado, estudantes que ocupam a reitoria da Universidade de São Paulo (USP) há 19 dias com 17 reivindicações. Do outro, a reitora Suely Vilela com proposta de discutir cinco delas e criar uma comissão para em 90 dias formular um relatório. Ao lado, o senador Eduardo Suplicy (PT), convidado pelas duas partes para atuar como um mediador.

A distância, a polícia pronta para cumprir uma ordem de reintegração de posse concedida pela Justiça. Mesmo assim, após quatro horas de negociações na manhã de ontem, o encontro terminou sem avanços e com a reitora dando até a meia-noite para os alunos se posicionarem.

Eles realizaram uma assembléia ontem à noite, e por volta das 23h30 decidiram manter a ocupação e rejeitar a contraproposta da reitora Suely Vilela, que havia oferecido aos alunos, na reunião da manhã, a construção de 168 moradias estudantis no campus de São Paulo, além da reforma de algumas unidades e contratação de professores.

Também se manifestou sobre a criação da Secretaria de Ensino Superior, afirmando não ver, no momento, motivo para preocupação sobre a perda da autonomia universitária. “Desde o início, a reitoria tem se pautado pelo diálogo, visando à solução pacífica desse conflito. Realizamos reuniões diárias desde o primeiro dia e apresentamos propostas”, disse Suely, em sua primeira entrevista desde a invasão da reitoria.

Alunos e líderes do sindicato dos funcionários, que na semana passada aderiram ao movimento e decretaram greve, acharam pouco. “A proposta da reitora só terá validade se for colocada no papel e então precisamos votar em assembléia”, afirmou Carlos Gimenez, um dos representantes dos estudantes. Caso a polícia apareça antes disso para cumprir a reintegração, ele diz que os alunos deverão reagir – até então, o movimento defendia uma saída pacífica em caso de encontro com policiais.

O senador Eduardo Suplicy, que ajudou a organizar o encontro na tentativa de evitar uma ação da polícia, defendeu a saída imediata e pacífica da reitoria, junto com a formação de uma comissão formada por oito professores e oito alunos e funcionários, para discutir os 17 pontos (leia ao lado).

“Na sexta-feira, fui procurado pelos alunos e pela reitoria. A reitora aceitou conversar mediante uma disposição dos alunos em deixar o prédio. Diante da boa vontade demonstrada por ela, eu recomendei a eles que defendessem, na assembléia, a desocupação”, afirmou Suplicy.

Segundo o senador, os alunos admitiram o extravio, sem querer, de um documento sigiloso, além da retirada de um computador do prédio, que foi levado de volta por eles mesmos pouco depois. A reitoria chegou a registrar boletim de ocorrência por violação de documentos. No entanto, Suely afirmou que não puniria os estudantes pelo protesto – eles serão responsabilizados apenas caso haja comprovação de danos ao patrimônio público, por exemplo.

Já os funcionários fizeram uma barricada com pneus em frente à reitoria, para o caso de a polícia aparecer. O coronel Joviano Conceição Lima, comandante da Tropa de Choque da Polícia Militar, afirmou que, no momento, não há intenção de usar a força. “Esperamos que, mais para a frente, eles saiam de forma pacífica”, disse. “A gente vai conversando, mas ordem judicial não é para ser discutida.”

Segundo Lima, a ordem de reintegração, determinada pela 13ª Vara da Fazenda Pública, foi lida em uma reunião ocorrida na manhã de ontem com representante dos estudantes.

TRECHOS DAS REIVINDICAÇÕES

1ª: Aumento de verba para a educação, aprovados pela Assembléia e vetados pelo governo

2ª: Revogação dos decretos assinados neste ano pelo governador, que representam retrocesso para a universidade pública

3ª: Conselho Universitário aberto a alunos, funcionários
e docentes. Discussão de eleição direta para reitor

4ª: Audiência para discutir decretos. Posição da reitoria
deve ser divulgada em mídias de grande alcance

5ª: Contratação imediata de professores e funcionários

6ª: Liberação automática das vagas dos professores que se
aposentam ou se desligam

7ª: Arquivamento do processo de modificação das regras de
cancelamento de matrícula

8ª: Contratação de professores para atender às demandas de
novas disciplinas de Licenciatura

9ª: Construção de novo prédio para Letras, Fofito e demais
faculdades com necessidades

10ª: Formulação de projeto a longo prazo para a moradia. Construção imediata de 600 vagas

11ª: Estudantes devem ter acesso aos Planos de Meta dos cursos

12ª: Nenhuma punição em relação à ocupação da reitoria

13ª: Autonomia dos espaços ocupados e geridos pelos estudantes

14ª: Retirada de todos os processos de sindicância
administrativos e judiciais movidos ou em andamento contra estudantes e funcionários

15ª: Lutas por ações afirmativas – mudança radical na
concepção de Inclusp para garantir o acesso real de
negros e pobres à universidade

16ª: Retirada da polícia do interior do campus

17ª: Reabertura do campus para todos, 24 horas por dia.

Blogs e vídeos no YouTube pra divulgar ocupação

O grupo de estudantes que ocupa a reitoria da USP usa a internet para difundir a ação. O popular site YouTube contém mais de 20 vídeos ligados à ocupação e um blog é mantido desde o segundo dia de ocupação.

A maioria dos vídeos fornece fragmentos de assembléias e debates. Alguns mostram os bastidores da ocupação, como no intitulado “Fejoada (sic) das mães”. Nele, um dos estudantes lê um poema com palavras de ordem enquanto a música Gente Humilde, de Chico Buarque e Vinicius de Moraes, é dedilhada no violão. “Não aceitaremos mais a forma imposta, a reflexão não mais se molda”, diz. Nas imagens, estudantes limpam a reitoria e cozinham para convidados. Entre as palavras-chave de busca (tags), estão “mãe” e “socialismo”.

Outro vídeo faz uma paródia de um telejornal. O “apresentador” chama o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), de “José Serrando” e diz que ele “foi preso em flagrante assinando decretos que interferem na autonomia das universidades públicas”.

No blog oficial – decorado com a silhueta de ninjas -, os estudantes divulgam comunicados sobre o movimento e a programação dos próximos atos. Ele leva a outros, como o Da Autonomia, eu não abro mão! e o Revoga, Serra!, que reproduzem notícias veiculadas em mídias nacionais e publicam comentários de professores que apóiam a ação.

Na agenda divulgada no blog da ocupação, é prevista uma série de debates e reuniões, além de período para “massagem, meditação e outros”.

Quem quer transperência na USP

José Aristodemo Pinotti

É surpreendente verificar que um segmento dos estudantes universitários está unido em torno de algo que vai contra o interesse da sociedade de um modo geral – e, no fim, deles mesmos.

Um dos motivos fundamentais exibidos até a saciedade para justificar a ocupação da reitoria feita pelos estudantes da Faculdade de Filosofia da USP é o que eles chamam de “fim da autonomia” das universidades estaduais de São Paulo.

Mas a universidade continua tendo tanta autonomia quanto antes. Os três reitores testemunharam esse fato. Não há nenhum, mas nenhum mesmo, corte de recursos. Pelo contrário, as transferências de recursos do governo às universidades têm aumentado neste ano em relação ao ano passado, seguindo o crescimento da receita do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) e à escrupulosa observância da vinculação de 9,57% desse imposto.

Do mesmo modo, não houve, não há, nem haverá diminuição da liberdade de execução orçamentária nem ingerência nas políticas de recursos humanos, pesquisa e contratações das universidades. A Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) sempre estiveram ligadas a alguma secretaria. A Secretaria de Ensino Superior não tem nem mais nem menos poder do que a Secretaria de Desenvolvimento, à qual, anteriormente, eram vinculadas as três universidades. Pelo contrário, a nova secretaria visa fortalecer o espaço dessas universidades junto ao governo.

Os supostos decretos que cerceariam a autonomia universitária não existem – pena que quase ninguém se dê ao trabalho de procurá-los e analisá-los. Nem mesmo alguns professores da USP que, contra ou a favor da invasão da reitoria, falam de perda de autonomia, se dão ao trabalho de informar-se cuidadosamente sobre números, a legislação e os decretos pertinentes.

Já li nos jornais até estultices rematadas, como a que considera gravíssimo o fato de que as Faculdades de Tecnologia (Fatecs) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) tenham ficado na Secretaria de Desenvolvimento. Perguntem à Fapesp se alguma célula do seu organismo de pesquisa básica foi afetado por algum decreto ou alguma ação do atual governo.

Há um ponto que o governo de São Paulo tem enfatizado: a necessidade de maior transparência na utilização dos recursos públicos.

A universidade mantida por impostos deve ter seus gastos abertos ao público, como qualquer outra instituição pública. O orçamento e sua execução precisam ser visíveis, transparentes. Nesse sentido, não tivemos dificuldade com os leitores. É preciso que o governo, a Assembléia Legislativa, a imprensa, os próprios estudantes possam acompanhar o modo como a universidade emprega o dinheiro público. Como é que estudantes podem se opor a isso? O que eles chamam de “autonomia”? O segredo? A inescrutabilidade?

A universidade pública não pertence só à comunidade acadêmica. Ela é patrimônio de todos, inclusive daqueles que não estudam lá. Das donas de casa, dos garis, dos advogados e médicos, das empregadas domésticas e dos estudantes de faculdades particulares que não conseguiram ingressar na universidade pública. Os recursos do ICMS destinados às três universidades públicas, que vêm crescendo ano a ano – cerca de 20% em termos reais entre 2003 e 2006 -, elevaram-se a mais de R$ 4 bilhões no ano passado. São recursos que provêm da mais universal das fontes: o bolso de milhões de consumidores-contribuintes. A universidade pública deve servir ao público.

Quanto às outras reivindicações, como a construção de mais moradias para estudantes – também a transparência, equilíbrio e austeridade devem estar presentes nessa negociação, como tem sido feito pela reitora da USP. Não é justo que, por meio de uma ação espalhafatosa, universitários imponham seus cálculos, seus números, aquelas que acreditam ser as suas necessidades acima do conjunto da sociedade, praticamente à força.

A desocupação, ou reintegração de posse, do prédio ocupado foi solicitada pela reitoria da USP ao Poder Judiciário. A Justiça determinou à polícia que proceda imediatamente à operação. Mesmo assim, dentro de raios de manobra muito estreitos, a PM tem procurado esgotar todas as possibilidades de negociação com os ocupantes, chamando até a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Ministério Público e a Comissão de Justiça e Paz para colaborarem nesse propósito, pois receia-se que interesse a alguns deles afrontar a polícia e produzir cenas de combate que embaracem todas as instituições: a reitoria, que solicitou a desocupação; a Justiça, que ordenou a desocupação; a polícia, que meramente cumprirá ordem judicial.

Apesar de considerarmos surreal o grande motivo alegado para a invasão da reitoria e não aceitarmos negociar com uma faca no pescoço, também queremos preservar a integridade de todos – policiais e manifestantes. Ao contrário destes, temos a responsabilidade de zelar pelo interesse de toda a população, inclusive dos que se opõem a nós.