José Aristodemo Pinotti, secretário de Ensino Superior, afirma que houve “mal-entendidos” entre as instituições e o governo no início do ano, mas que tudo foi resolvido.

Ex-reitor da Unicamp, o secretário de Ensino Superior, José Aristodemo Pinotti, 72, diz que o governo Serra nunca pretendeu diminuir a autonomia das universidades. “Uma das coisas que me deixou mais constrangido na vida foi que tive de me defender de estar atacando uma coisa que eu ajudei a criar”, disse.

Segundo ele, houve “mal-entendidos”, mas que tudo foi resolvido.

FOLHA – Como o Senhor avalia a ocupação da reitoria da USP?

JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI – Não aprovo atitudes desse tipo. Existem formas e formas de reivindicar. Essa prejudica o funcionamento da instituição.
As razões que os estudantes colocam no relacionamento com o governo inexistem e são baseadas em inverdades. Ou abordam coisas que aconteceram e foram resolvidas.
No começo da gestão, houve algum mal-estar, em razão de alguns mal-entendidos. Primeiro, o veto que o governador Lembo foi obrigado a fazer no item que colocava os 10,4% [refere-se à medida aprovada pela Assembléia Legislativa, que ampliava os recursos para as universidades, atualmente em 9,57% do ICMS]. Por uma questão ética, ele não podia autorizar uma despesa enorme para o governo seguinte.

FOLHA – Mas o veto foi no dia 28 de dezembro, já no governo de transição. Serra participou da decisão?

PINOTTI – Não sei. O fato é que depois solucionamos o problema, incluindo os 9,57% na Lei Orçamentária [como o percentual foi vetado por Lembo, as universidades corriam o risco de não ter recursos garantidos].
Outro fato ocorreu devido ao atraso da Assembléia em aprovar o Orçamento [que ocorreu somente em fevereiro].
Dessa forma, não houve o repasse do excedente da arrecadação do ano passado [que tradicionalmente as universidades recebem]. Outro fato foi o contingenciamento de recursos. Foi muito pequeno,15% de 1/12 do Orçamento. Mas reconheço que causou um problema muito grande, simbólico. Mas os recursos retidos foram inteirinhos devolvidos após a aprovação do Orçamento. E o contingenciamento não vai ocorrer mais.
Uma terceira questão foi o fato de me terem colocado como presidente do Cruesp, conselho de reitores [com a medida, se houvesse empate numa decisão entre os três reitores e os três representantes do governo, caberia a Pinotti desempatar].

FOLHA – O Senhor não sabia disso?

PINOTTI – Não. Nem o governador [Serra].

FOLHA – Mas então quem fez?

PINOTTI – Foi à área burocrática, que achou que seria natural que, se haveria uma Secretaria de Ensino Superior, que o conselho de reitores fosse presidido pelo secretário. Quando percebi o mal-estar, pedi para o governador que me retirasse da presidência. Há outros pontos, como o Siafem (sistema eletrônico de execução orçamentária), que também criaram alguma dificuldade. O Siafem é uma forma moderna de dar uma transparência ao uso dos recursos públicos. Nunca os reitores reclamaram disso. O que reclamavam era da conta única, que significa que o recurso que sobra ficaria com o governo. No fim, chegamos a um acordo em que as universidades vão participar desse processo de transparência, prestando conta dia a dia. E os recursos que sobrarem continuarão com elas.

FOLHA – Mas havia um outro temor, de problemas no remanejamento de verbas…

PINOTTI – Isso foi resolvido. Certos remanejamentos, que mudem dinheiro de um item econômico para outro, de pessoal para investimento, por exemplo, precisam da autorização do governador. Isso, se ocorrer, será apenas em setembro ou outubro, porque o Orçamento da universidade tem os itens que eles próprios calcularam. Não saiu disso, não precisa de decreto do governador.
O remanejamento ocorrerá apenas se houver imprevistos, porque as universidades conseguem calcular, com facilidade, quanto vão gastar no ano.

FOLHA – Mas antes as universidades não precisavam do decreto.

PINOTTI – Não. Mas isso não é ruim. O governador é responsável pelo uso do dinheiro dos contribuintes. O governador foi eleito para que os recursos públicos sejam utilizados adequadamente. Não vejo dificuldades nisso e nem os reitores.

FOLHA – O governador José Serra autorizará todos os pedidos das universidades?

PINOTTI – Suponha que haja um remanejamento maluco. Cabe ao governador dizer não. Se o remanejamento for lógico e necessário, e seguramente será…

FOLHA – Insisto na questão porque o secretário Luna [Planejamento] disse que aprovaria automaticamente os remanejamentos.

PINOTTI – Ele te disse isso? Melhor ainda, então vou ligar para ele, mas acho que não [pede para a secretária ligar para Luna, que estava em reunião; no dia seguinte, a assessoria de Pinotti informa que, de fato, será necessário o decreto].

FOLHA – O governo Serra pretende acompanhar mais de perto a gestão das universidades?

PINOTTI – A criação da secretaria foi um gesto de valorização da universidade, de estar mais perto para ajudar, para melhorar. Claro que não é fácil. Uma secretaria nova, com problemas que estão aí há décadas e não são enfrentados.

FOLHA – Mas o PSDB e o PFL estão no poder estadual desde 95. Os governadores Mário Covas, geraldo Alckmin e Cláudio Lembo falharam?

PINOTTI – Não dá para fazer tudo. Mas viemos com uma idéia nova. As universidades estavam meio soltas no processo, misturadas em uma secretaria que tinha várias outras atribuições. Agora, elas estão em uma única secretaria. Você foca mais os problemas.

FOLHA – Por dois anos, a Assembléia aprovou aumento de recursos para as universidades, e os governadores vetaram. A gestão Serra pretende aumentar esses recursos?

PINOTTI – O governador garantiu que vai manter os 9,57% do ICMS. Neste ano, não há possibilidade de aumentar.

O que eu penso é que a universidade soube usar seus recursos com responsabilidade e está bastante privilegiada. Quem ganha um percentual do ICMS recebe os recursos antes de descontos com pagamento da dívida e Previdência. E, desde 1989, quando começou a vinculação orçamentária, a arrecadação só cresceu.

Uma das coisas que me deixou mais constrangido na minha vida foi que tive de me defender de estar atacando uma coisa que eu ajudei a criar.
Em 1989, quando as universidades conquistaram a vinculação de recursos, era governo Quércia (PMDB) e eu era secretário de Saúde. Ajudei bastante nisso, e não me arrependo. Me constrangeu o fato de que diziam que eu estava atacando a autonomia. Pelo contrário. E o Serra, a mesma coisa.