Educação: Os bons resultados de faculdades que testam alternativas ao vestibular

 

A sociedade brasileira é pródiga em gerar mecanismos que acentuam e perpetuam as desigualdades sociais. Aos jovens, é reservado um instrumento de tortura psicológica que tem sido aprimorado nas últimas três décadas e é muito eficiente para separar ricos e pobres. O vestibular poderia ser apenas mais um ritual de passagem para a fase adulta, mas tornou-se uma cerimônia de imolação, angústia e fracasso na vida de 25 milhões de brasileiros na faixa dos 18 aos 24 anos, dos quais apenas 10% têm sobrevivido. Míseros 2% ocupam assento nas cadeiras das universidades públicas.

Considerado por muitos um fato consumado e incorporado ao cotidiano do ensino superior, o vestibular começa a encontrar resistência. Com resultados surpreendentes, universidades buscam alternativas para selecionar os alunos. Entre as experiências que aos poucos surgem destaca-se o chamado Processo de Seleção Estendido, cujos resultados já demonstram que, para permitir a entrada de um número maior de alunos na universidade, não é necessário aumentar custos ou baixar o nível acadêmico.

Ao contrário, ao permitir que 150 candidatos fizessem as disciplinas básicas do primeiro semestre dos cursos de Matemática e Estatística da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e, ao fim desse período, selecionar 50 deles, número correspondente às vagas oficiais de cada especialidade, Ademir Sartim, coordenador do curso, viu despencar o índice de evasão, que chegava a 60% a partir do segundo ano, assim como as altas taxas de repetência.

Os cursos, que antes formavam em média oito alunos por ano, passaram a formar cerca de 40 estudantes.

Garantir o ingresso de maior número de alunos permitiu o acesso dos que realmente se interessavam pelo tema e tinham capacidade de continuar os estudos. “A procura pêlos cursos aumentou porque o aluno deixou de achar que não tinha chance de entrar em uma universidade pública. E isso não nos custou mais caro. Foi um lucro porque o nível dos alunos subiu”, conta Sartim. O bom desempenho proveniente da mudança do processo de seleção chamou a atenção de outros institutos da Ufes, que querem reproduzi-lo em cursos como os de Engenharia e Música.

Na universidade capixaba não há mais restrições para implantar o modelo de seleção, criado em 1998 concerta.

CARANI. O acadêmico propõe nova legislação persistência do idealizador. A mesma experiência inspirou a comissão de vestibular da Universidade Federal do Paraná (UFPR) a adotar, em 2005, o processo nos cursos de Matemática, Matemática Industrial e Estatística.

O professor do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas, José Erasmo Gruginski, que participou da implantação do processo, ressalta que o método só faz sentido se houver uma maior procura dos candidatos, principalmente da rede pública, e afirma que há intenção da UFPR em repetir a experiência em outros cursos. As mudanças, explica Gruginski, vêm do desejo de tornar o vestibular mais justo: “Quanto maior o universo selecionado, mais talentos você consegue captar. A universidade brasileira tem de passar por essa ampla reforma para que de fato esteja a serviço da sociedade”.

Entusiasta e estudioso há mais de 18 anos da idéia de ampliar a seleção e fazê-la durante o curso de graduação, o professor aposentado do Departamento de Matemática da Universidade Estadual de Londrina (UEE), José Carani, comemora o fato de haver gente “pensando em novas formas de se acabar com o dogma de um vestibular atrasado e brutal”, mas ainda não pôde verificar os resultados da experiência.

As propostas de Carani de mudança do vestibular estão representadas no projeto do deputado federal Alex Canziani (PTB-PR), ainda em trâmite no Congresso. E são similares às adotadas nas duas universidades federais, do Espírito Santo e do Paraná: triplica-se o número de vagas do primeiro ano, mantendo as disciplinas básicas. Ao fim do ano letivo, os classificados continuam no curso e os que atingiram níveis satisfatórios de classificação recebem um certificado que lhes permite fazer a matrícula em uma outra instituição de ensino.

A prova seletiva para o que Carani denomina de curso de “pré-graduação” seria uma média do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e uma avaliação específica da área relacionada. Por exemplo, num curso de Engenharia, o foco seriam as ciências exatas. Ainda que se inicie em cursos de baixa procura, como os de Matemática, o professor acredita que o modelo é aplicável a qualquer curso. O projeto está sendo analisado pela Coordenadoria de Processos Seletivos da UEL, que, de acordo com o coordenador, Silvano César da Costa, “o considera interessante, principalmente, em cursos de grande evasão”, mas ainda estuda o impacto financeiro. Na opinião de Costa, não se trata de uma opção “útil a cursos concorridos, como Medicina e Direito”. Medidas como essas atenuam duas questões cruciais e preocupantes na estrutura das instituições públicas. Diminuem os altos índices de evasão no ensino superior, que alcançam 40%, e permitem melhorar a relação do número de alunos por professor, que hoje, segundo o MEC, é de 11,5 nas instituições públi­cas, quantidade inferior à das universidades brasileiras particulares (16,5) e à das universidades europeias (22).

A consolidação de um Processo Seletivo Estendido afronta, porém, uma série de interesses do chamado “negócio do vestibular”, que oferece cursos preparatórios cujas mensalidades podem ultrapassar 1,7 mil reais em São Paulo. Os prejuízos são sentidos por todos: “A classe média alta está se enforcando na própria indústria que alimenta, porque agora não basta um, são dois, três anos de cursinho. Isso inibe o movimento social vertical, ou seja, impede o filho competente do pedreiro de chegar a uma boa universidade, mas proporciona que o filho do médico, que muitas vezes nem quer estudar, entre”, avalia Carani.

O reitor reeleito da Universidade Federal do Rio do Janeiro (UFRJ), Aloísio Teixeira, é também um crítico do atual modelo de vestibular, tanto de sua avaliação pedagógica, que prioriza a memorização, quanto do “massacre social que promove”. Em uma parceria com a Secretaria Estadual de Educação, Teixeira busca aumentar o número de vagas aos alunos da rede pública, que seriam avaliados pela própria escola de ensino médio.

Segundo o reitor, cerca de 70% dos inscritos na UFRJ estudaram em escolas particulares. No entanto, mais de 60% dos jovens fluminenses se formam em instituições públicas. “É uma grande falsidade das universidades acreditarem que o vestibular é justo. Mesmo com as cotas, sabemos que a grande maioria dos pobres não se sente estimulada ou em condições de participar dos vestibulares públicos”.Iniciativas como a do Processo de Seleção Estendida é, para Teixeira, bem-vindas para mudar um “mecanismo medieval”.

As críticas do atual processo de seleção dos universitários também são apoiadas _pelo MEC. “É indiscutível que os alunos que estudaram em melhores escolas e cursinhos têm mais chances de ser aprovados e progredir nos estudos”, analisa o secretário de Ensino Superior, Ronaldo Mota.

Segundo Mota, houve um avanço, mesmo que pequeno, na estrutura da prova que prioriza elementos como a memorização e avalia pouco a capacidade de raciocínio dos estudantes. Cabe ao MEC, diz o secretário, zelar pela qualidade dos mais de 2 milhões de vagas oferecidas pela iniciativa privada e aumentar o número de cadeiras nas universidades públicas, que chegam a 314 mil. Mota promete ampliar em 50% as vagas até 2010. “O MEC jamais vai obrigar as universidades a eliminar o vestibular tradicional, decisão que faz parte da autonomia a elas conferida”, esclarece.”