O GLOBO: O esquema de fraude desvendado pela PF põe em dúvida a credibilidade do vestibular?

DULCE PENNA SOARES: Acredito que seja um caso isolado, isso não vai afetar o vestibular como um todo. Mostra, mais uma vez, como as pessoas sempre tentam dar um jeito de burlar regras neste país. O vestibular não é o sistema mais justo de seleção, mas ele é adequado ao momento em que vivemos, já que existe um grande número de candidatos para um escasso número de vagas.

O vestibular deveria, então, ser modificado de alguma forma?

DULCE: Tenho um grupo de orientação aos vestibulandos aqui na UFSC. Trabalhamos com quem espera pela prova, enfocando ansiedade, medo etc. Tentei montar um grupo de avaliação da experiência do vestibular, mas não consegui. As pessoas que não tinham passado estavam tão frustradas que sequer queriam voltar a tocar no assunto “vestibular” e participar do projeto. O dano psicológico que este fracasso causa é incalculável.

O vestibular como é hoje tende a desaparecer?

DULCE: A tendência é a substituição ou, pelo menos, a modificação do atual sistema. Mas isto representa um esforço muito grande, em um prazo considerável. Uma seleção de vestibular tem custos, exige sigilo e seriedade. Não há condições financeiras, por exemplo, por parte das universidades federais, para promover provas para alunos de todas as séries do ensino médio, para a realização de uma avaliação seriada, e não única.

O vestibular seriado seria uma boa alternativa ao sistema atual?

DULCE: Este tipo de avaliação é mais adequado. O aluno faz provas durante todo o ensino médio, nos três anos. Assim, ele já procura se informar, desde cedo, sobre carreiras. Além disso, não tem a pressão de fazer apenas uma avaliação. Mas da maneira que ela é feita hoje, no Sistema de Avaliação do Ensino Médio (Saem), só com universidades particulares e em algumas cidades do país, não atende aos alunos que passam, mas não têm como pagar a mensalidade.

O ensino superior está revendo seu papel

O GLOBO: A fraude põe em dúvida a credibilidade do vestibular?

MARIA DO CARMO DE LACERDA PEIXOTO: Acredito que colocaria em dúvida se significasse um comprometi­mento das instituições, mas não foi o ca­so. Qualquer concurso, não só o vestibular, está sujeito a este tipo de situação.

O vestibular como é hoje pode ser considerado eficaz?

MARIA DO CARMO: A eficácia envolve uma série de parâmetros. Sabemos que o vestibular tem problemas. Na UFMG, por exemplo, buscamos identificar o que poderia proporcionar maiores oportunidades de inclusão social na universidade, analisando até as provas de seleção. É claro que as instituições que mantêm o vestibular ainda não encontraram um instrumento mais adequado.

Que alternativas ao vestibular atual poderiam ser apontadas?

MARIA DO CARMO: Algumas propostas falam do ingresso generalizado e uma seleção, após um período, dentro da universidade. Mas isto não mudaria a situação: aqueles que se preparam para medicina estarão sempre mais aptos a passar para o curso desejado. A Argentina e o Uruguai, por exemplo, definiram o acesso universal. Ingressa no ensino superior quem quer e a seleção acontece de forma natural. Dos que entram, apenas 20% se formam, pois há muita desistência. Mas isto requer um investimento brutal e, de certa forma, é um desperdício do ponto de vista da falta de conclusão do curso.

Você acha que o vestibular como é hoje tende a desaparecer?

MARIA DO CARMO: As instituições de ensino superior estão revendo seu papel e isto atinge, o modo de acesso a elas. Eu não posso afirmar que em médio prazo não teremos mais vestibulares. A Lei de Diretrizes e Bases de 96 abriu uma possibilidade porque não fala mais em “vestibular”, mas sim em “processo seletivo”. Se na época não houve um boom de universidades, pe­lo menos as consagradas, optando por outros processos seletivos, acho que a gente ainda vai esperar.

Recrutando “pilotos”

Até o fim da semana passada, a Polícia Federal já havia prendido nove pessoas, no Rio de Janeiro e no Ceará, acusadas de envolvimento em um esquema de venda de vagas em universidades públicas e privadas. A operação foi balizada de Vaga Certa.

O esquema adotado pela quadrilha funcionava da seguinte maneira: universitários com históricos escolares brilhante, chamados de “pilotos”, substituíam os verdadeiros candidatos nas provas de vestibular, usando documentos falsos. O bando também vendia transferências entre universidades. Como no caso do vestibular, alunos de cursos em universidades privadas pagavam para que um dos “pilotos” fizesse a prova de admissão para uma universidade pública.

Os preços das vagas variavam de R$ 15 mil a R$ 70 mil e a negociação dependia do curso pretendido pêlos interessados e do seu poder aquisitivo. Há provas de venda de pelo menos 20 vagas. A suspeita é de que o sistema de recrutamento de “pilotos”, que recebiam R$ 6 mil por aprovação, acontecia no Rio, Ceará, São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Bahia.

Um dos principais sus­peitos de ser o cabeça da quadrilha é o estudante Olavo Vieira de Macedo, de 29 anos, preso na quarta-feira passada. Formado em direito e aluno de medicina da Universidade de Fortaleza (Unifor), ele admitiu participação no esquema, mas negou envolvimento nos casos ocorridos na Bahia. Ele ainda entregou à polícia fotos de 15 pessoas que contrataram os serviços do bando.

De acordo com a PF, já foram identificados cerca de 30 estudantes que entraram de forma fraudulenta nas universidades. Através de processos administrativos nas instituições de ensino, eles deverão perder as vagas e serão processados criminal-mente, por estelionato e falsidade ideológica.