O posicionamento de Ratzinger, mais uma vez, foi bastante coerente e até corajoso, como lhe é peculiar em seus pronunciamentos ao lidar com questões complexas Valmor Bolan – doutor em Sociologia, reitor da Universidade Guarulhos – UNG, vice-presidente do CRUB (Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras) e Diretor do Semesp [email protected]

 

Em sua nova viagem a Alemanha, o Papa Bento XVI, durante uma aula magna na Universidade de Regensburg tratou de temas relevantes da nossa atualidade, com a precisão e firmeza que sempre marcou o pensamento lúcido e límpido de Joseph Ratzinger.

Um dos temas da abordagem do Sumo Pontífice foi o diálogo entre culturas e religiões, propondo uma nova relação entre a fé e a razão, questão esta que o papa João Paulo II deu bastante atenção, empenhado em aprofundar o desafio do ecumenismo. A Universidade conta hoje com 25.000 alunos, em que Ratzinger fora vice-reitor e titular da cátedra de dogmática e história do dogma entre 1969 e 1971.

Diante do convívio entre culturas e religiões, o papa destacou que “se a razão e a fé avançam juntas de um modo novo, se superamos a limitação imposta pela razão ao que é empiricamente verificável, e se mais uma vez geramos novos horizontes, só assim seremos capazes de conseguir este diálogo genuíno de culturas e religiões que necessitamos com urgência hoje”. E ressaltou: As culturas profundamente religiosas do mundo vêem precisamente nesta exclusão do divino da universalidade da razão um ataque às suas convicções mais íntimas. Uma razão que é surda ao divino e que relega a religião ao espectro das subculturas é incapaz de entrar em diálogo com as culturas. O diálogo entre fé e razão foi o tema central da encíclica Fides et Ratio (1998), de João Paulo II, a quem certamente Ratzinger deve ter muito ajudado, oferecendo subsídios para a reflexão desta relevante questão.

Na realidade, como ressalta o Santo Padre, não há oposição entre fé e razão, pelo contrário, há complementação, pois uma não pode existir sem a outra; em que ambas agem como as duas pernas de uma mesma pessoa. Para andar é preciso avançar com as duas. Uma só torna deficiente a caminhada.

Outro ponto que merece destaque na reflexão de Bento XVI na Aula Magna de Regensburg é sobre os equívocos do fundamentalismo religioso, especialmente quando, os que se dizem ter fé, agem com violência para impor a crença em Deus. O papa condenou o método da violência, a crítica direta ao conceito de guerra santa. O posicionamento de Ratzinger, mais uma vez, foi bastante coerente e até corajoso, como lhe é peculiar em seus pronunciamentos ao lidar com questões complexas. Afirmou ainda o papa que, em nossos dias de ceticismo e relativismo cultural, é preciso que as pessoas de fé tenham “a coragem para comprometer toda a amplitude da razão e não a negação de sua grandeza: este é o programa com o qual a teologia ancorada na fé bíblica ingressa no debate de nosso tempo”.

Outro ensinamento importante foi o de que para a filosofia e, ainda é certo que de outra forma, para a teologia, escutar as grandes experiências e perspectivas das tradições religiosas da humanidade, de maneira particular aquelas da fé cristã, é fonte de conhecimento; ignorá-la seria uma grave limitação para nossa escuta e resposta. É importante, por fim, lembrar que no transcorrer da história, em algum momento, as diversas grandes ramificações das religiões monoteístas (catolicismo, protestantismo, islamismo, judaísmo, etc.) cometeram algum equívoco na afirmação da Fé por meio da força. A justificativa da violência na defesa da Fé é incompatível com a doçura da mensagem evangélica. Por outro lado, a razão que agride a religião é estéril na construção do diálogo entre as culturas.