Postergação de crédito também é outra saída encontrada pelas instituições de ensino 

 

O custo da educação superior no Brasil, traduzido nas mensalidades das faculdades e universidades privadas, subiu 147,99% nos últimos nove anos. Esse índice supera os dados relativos à inflação oficial do período medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e revela um cenário extremamente receptivo para a inadimplência – que bate o recorde de 30,3% na Grande São Paulo, de acordo com informações do Sindicato Estadual das Mantenedoras do Ensino Superior Privado de São Paulo (Semesp-SP).

 

Isso significa, na prática, que o dispêndio com educação superior, que já era considerado alto em relação ao poder aquisitivo médio da população, tornou-se ainda mais pesado no orçamento familiar. Apesar disso, a quantidade de pessoas que presta o vestibular e se matricula em universidades tem aumentado significativamente. Todos esses indícios apontam para a confirmação do que o Semesp chama de “estrangulamento do ensino superior”, nas palavras do próprio presidente do sindicato, professor Hermes Ferreira Figueiredo, que também é diretor do Centro Educacional Cruzeiro do Sul. “A cada ano, cada vez mais vagas são preenchidas e, quando menos se espera, esse aluno já passou da impontualidade no pagamento da mensalidade para a inadimplência”, disse.

 

Uma saída encontrada pelas faculdades particulares para driblar o fantasma do não-pagamento das mensalidades, invariavelmente, é um corte na “própria carne”: a concessão de descontos, bolsas de estudos e, até mesmo, condições de pagamento personalizadas. “Além de se vincular a estratégias de financiamento estudantil, as faculdades acabam bancando uma parte da dívida do aluno, ao conceder bolsas de estudo para os mais necessitados.” Essa é a opinião do diretor-executivo do Semesp, Rodrigo Capelato.

 

A estratégia está ficando cada vez mais comum entre as faculdades privadas. Outra estratégia que tem sido bastante utilizada é a postergação de crédito – quando uma instituição mantém um convênio com a escola, a fim de financiar metade do valor da mensalidade do aluno, que só vai se preocupar em pagar o restante do valor após sua formatura. “É mais ou menos como o crédito educativo, só que não tem juros”, aponta.

 

Atualmente, a cada ano são criadas 729 mil vagas nas faculdades e universidade particulares do Estado. Deste montante, o Semesp acredita que apenas metade é de fato preenchida. Na opinião do vice-presidente do Conselho de Reitores de Universidades Brasileiras (Crub), professor Valmor Bolan, que é reitor da Universidade Guarulhos (UnG), metade desse contingente só ingressa no ensino superior porque negociou algum desconto com a faculdade. “É verdade que há excelentes instituições particulares em São Paulo, mas também é realidade o fato de sobrar vagas e existir uma concorrência cada vez mais forte no segmento. Combinando isso à inadimplência, a única saída que está nas mãos da universidade é a concessão de bolsas”, diz.

 

A concessão por parte das instituições de ensino não é a única saída para quem não tem dinheiro garantir a qualificação. Um programa do governo federal também cumpre um importante papel: é o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) – destinado a financiar a graduação no ensino superior de estudantes que não têm condições de arcar com os custos de sua formação e estejam regularmente matriculados em instituições não-gratuitas, que aderiram ao programa e é bem avaliada nos processos conduzidos pelo MEC.

 

Sem bolsas, estudantes não fariam curso universitário

 

Há faculdades que concedem descontos e bolsas integrais em troca do trabalho do aluno

 

As contas de casa estavam ficando cada vez mais difíceis de se quitar quando a estudante Monique Marques, de 19 anos, passou a trabalhar no laboratório de TV da Universidade Guarulhos (UnG), na Grande São Paulo. Eram várias mensalidades em atraso e a estudante de jornalismo já pensava em desistir do curso, porque não tinha condições de bancá-lo. “Fazia vários bicos, cheguei a trabalhar como diarista para ver se conseguia dinheiro para pagar a faculdade. Se não tivesse passado no concurso de bolsa-estágio, não estaria estudando há muito tempo”, apontou a estudante que, além de ganhar uma bolsa integral da mensalidade, ainda recebe R$ 500,00 de salário.

 

Com o orçamento familiar cada vez mais apertado, os estudantes encontram nas bolsas e descontos concedidos pelas faculdades uma oportunidade para se manter em dia com o pagamento da mensalidade – uma tarefa que tem se tornado impossível para 30,3% dos estudantes que ingressam em instituições de ensino superior da região metropolitana paulista, de acordo com o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Semesp).

 

Muitas instituições investem em projetos de extensão específicos e iniciativas de apoio à comunidade. “Nada mais justo que as faculdades concedam bolsas para os alunos e depois invistam nessa mão-de-obra, que está sendo preparada dentro dos melhores padrões profissionais”, afirmou o vice-presidente do Conselho de Reitores de Universidades Brasileiras (Crub), professor Valmor Bolan, que é reitor da UnG.

 

De quebra, a instituição ainda adota estratégias de marketing que ajudam a divulgar positivamente a universidade. “A responsabilidade social deve ser entendida como resultado de ações que envolvam todos os colaboradores e integrantes da instituição, resultando em melhorias para eles próprios, para as pessoas envolvidas direta ou indiretamente com a instituição e para a sociedade como um todo, em seus mais diversos níveis. Ajudar o estudante a se formar é participar dessa fila”, acrescenta o presidente do Semesp-SP, professor Hermes Ferreira Figueiredo, que também é diretor do Centro Educacional Cruzeiro do Sul.

 

A vida de Camila Garcia, estudante de jornalismo, de 21 anos, da UnG, também era um mar de incerteza logo quando chegou na faculdade. “Meus pais não tinham condição de pagar na íntegra o valor da mensalidade. Arrumar o estágio remunerado foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido naquele momento”, disse a garota, que atualmente faz trabalhos de edição no laboratório de TV da faculdade e recebe, todos os meses, R$ 736,00.

 

ProUni não altera linha de financiamento

 

Neste ano foram destinados mais de R$ 900 milhões para manter os alunos contratados e fazer os novos financiamentos

 

O Programa Universidade para Todos (ProUni), do Ministério da Educação, não interfere no Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). Apesar de serem programas destinados aos estudantes, eles atendem a públicos diferentes. O ProUni é destinado aos alunos carentes e, por isso, são distribuídas bolsas de estudos, enquanto o Fies é um programa de financiamento estudantil, e para isso o aluno deve ter um perfil de financiamento. A verba para 2007 ultrapassa R$ 900 milhões.

 

“Antigamente, alunos carentes se candidatavam ao Fies porque era a única alternativa para continuar os estudos, mesmo sem ter um perfil de financiamento, o que gerava a inadimplência. Agora os dois programas atenderão aos seus respectivos públicos”, explicou o secretário da Educação Superior do Ministério de Educação (MEC), Manuel Palácios.

 

O Fies foi instituído pela Medida Provisória no 1.827/99, em 27 de maio de 1999, e regulamentado pela Portaria no 860 do MEC, em substituição ao Programa de Crédito Educativo (Creduc). A taxa de inadimplência do Creduc era muito alta, o que estimulou o seu fim. Mas, o fantasma da inadimplência ainda assusta. Cerca de 12 mil estudantes deixaram de pagar o que foi acordado com a Caixa Econômica Federal. Para o secretário, “como todo financiamento, o aluno que deixa de pagar o Fies estará sujeito às sanções que a CEF aplica a qualquer cliente inadimplente”.

 

Para participar do Fies, o aluno deve ser regularmente matriculado em instituição de ensino superior não-gratuita, credenciada pelo MEC e participante do Fies, ter sido admitido mediante processo seletivo, ter bom desempenho acadêmico, possuir idoneidade cadastral, apresentar um ou mais fiadores e não ter participado do Creduc.

 

Dentro dessas condições, para efetuar o cadastro, o estudante deverá se dirigir à instituição de ensino superior em que está matriculado e obter informações detalhadas sobre prazos, condições e local onde poderá ser efetivada a inscrição. Nos prazos estabelecidos, deverá entregar a ficha de inscrição e apresentar os documentos que serão solicitados pela Comissão de Seleção e Acompanhamento do Fies de sua área.

 

Pagamento – O programa de financiamento estudantil do governo federal é dividido em três partes. Enquanto o estudante está na universidade, ele paga ao Fies somente uma taxa trimestral de juros – que não pode ultrapassar o valor de R$ 50,00. Depois de formado, nos primeiros 12 meses após a conclusão do curso, o profissional pagará ao Fies a mesma quantia que era paga à faculdade. Isso quer dizer que no primeiro ano, depois de formado, ele vai pagar aqueles 30% que pagava durante o curso. Passado esse primeiro ano, ele terá de pagar todo o valor restante do financiamento. Esse montante poderá ser pago em até uma vez e meia o período pelo qual o aluno foi financiado. (GM)