Especialistas de diversos países apontaram durante o 18º Fnesp a necessidade de reformular o meio acadêmico com o objetivo de assegurar a permanência dos alunos e manter as instituições relevantes
por José Eduardo Coutelle

 

Já não se trata apenas de conquistar espaço e manter-se ativo no mercado da educação superior. As instituições de ensino que não se reformularem vão perder relevância e podem até fechar as portas. O alerta foi dado pelos palestrantes da 18ª edição do Fórum Nacional do Ensino Superior Particular Brasileiro, o Fnesp, que reuniu em São Paulo cerca de 600 pessoas de quase 200 IES e 21 estados brasileiros. Com o título Destruição criativa no ensino superior brasileiro, o evento esmiuçou o tema e apontou alguns caminhos para a fuga desse cenário apocalíptico.

Destaque dessa edição, a pesquisadora porto-riquenha Lueny Morell, diretora de inovação em Educação Superior da Innovahied, defendeu a necessidade de as instituições de ensino se adaptarem ao que chama de mundo VICA, que tem por características principais ser volátil, instável, complexo e ambíguo. Porém, de maneira geral, isso não está acontecendo, segundo ela. “As universidades ficaram no passado, na tradição. Os alunos não conseguem aliar a teoria com a vida real. E meu medo é que os professores também não consigam”, falou Lueny.

Resolver problemas atuais e apontar soluções para questões futuras. Estes deveriam ser os atributos essenciais na formação dos egressos de ensino superior, conforme a diretora da Innovahied. Entretanto, nem os países mais desenvolvidos conseguiram escapar deste dilema. Lueny destaca uma pesquisa norte-americana, divulgada pelo jornal Washington Post, que mostra uma
enorme discrepância entre a visão dos estudantes e a dos gestores. Nela, apenas 14% dos alunos recém-formados disseram estar preparados para atuar no mercado de trabalho. Em contrapartida, 96% dos reitores acreditavam que seus estabelecimentos estavam sendo bem-sucedidos. Para Lueny, essa divergência denota uma falta de interação e, principalmente, um modelo de aula bastante ultrapassado. “Precisamos de um aprendizado ativo. Da forma atual, cortamos a possibilidade de novos talentos. Nossas faculdades tolhem os alunos. E todos já sabem que cada um aprende melhor de uma forma diferente”, contou.

O mundo segue caminhando para essa mudança educacional e alguns países já deram seus passos iniciais. Enquanto a Coreia do Sul apostou forte no uso de novas tecnologias e na colaboração entre instituições, a China tomou como prioridade a intensificação das políticas de internacionalização e maior vínculo com o setor industrial. Na Finlândia a aposta foi a reforma dos currículos
com base nas demandas de mercado e de empregabilidade. Já a América Latina, afirma Lueny, está estagnada. “É muito triste. Tudo parado. Os alunos não têm competência para o mundo externo da faculdade. Precisamos de uma nova geração de profissionais criativos, competitivos, que saibam resolver problemas locais e que compitam com os estrangeiros.” Para isso, segundo ela, o caminho passa por tornar a metodologia do ensino mais prática, focar os resultados e competências dos alunos e conhecer melhor o mercado e suas necessidades.

Comparativo entre Coreia do Sul, México e Brasil

Esses três países vivem momentos diferentes no seu processo de desenvolvimento, mas encontram um dilema em comum: atrair jovens para o ensino superior e formar profissionais para o futuro. O representante asiático já deu o primeiro salto na educação, que o tornou uma das potências mundiais da atualidade. A diretora do Centro de Educação Coreano em São Paulo, Soyeon Kim, conta que o país é o único do mundo que deixou de ser benefi ciário para se tornar doador de recursos após ingressar no Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2010.

Uma das maiores referências mundiais na área de tecnologia, a Coreia do Sul já começa a ser assombrada pela reestruturação dos postos de trabalho e, com isso, a necessidade de reformular o modelo de ensino. A expectativa do governo coreano é que cerca de 7 milhões de vagas sejam fechadas ao longo dos próximos cinco anos devido à utilização de robôs e das inteligências artifi ciais
no processo industrial. E para acompanhar essa mudança, a educação superior do país vem apostando em políticas de ampliação à pesquisa, aumento do número de vagas para as áreas mais carentes de mão de obra, como as engenharias, investimento pesado em intercâmbio e o reforço em projetos de cooperação entre indústria e universidade. A estimativa mais perturbadora dos sul-coreanos é que 65% dos estudantes que hoje estão no ensino fundamental I trabalharão em empregos que atualmente não existem.

“Investir na mudança é a única forma de sobreviver. Há uma previsão de que um terço das instituições de ensino vai fechar. Se falharmos, as universidades terão apenas o papel de formar pessoas para a indústria. Queremos formar alunos que atendam às demandas do mercado. O mundo muda muito rapidamente e o conhecimento de ontem não tem tanto valor”, diz Soyeon. Já o México vive um momento diferente. O país teve seu boom das matrículas a partir da década de 60 e atualmente conta com 34% dos jovens entre 18 e 22 anos nos bancos acadêmicos. Porém, Salvador Malo, secretário da Educação Superior do país, ressalta também o crescimento do desinteresse dos estudantes mexicanos e a necessidade de converter o formato das graduações para conteúdos mais práticos e voltados para a realidade. “Hoje as enciclopédias não funcionam mais. Estamos indo para sociedades multiculturais. Até a medicina e o direito estão mudando. Ao invés de formar eruditos, devemos formar pessoas capazes de resolver problemas. Nossa educação está muito focada no passado. Precisamos mudar os cursos para permitir ao aluno trabalhar em
qualquer profissão”, ressalta Malo.

E o secretário mexicano apresentou um dado bastante preocupante, que afeta diretamente o Brasil. Nenhum país latino-americano consegue atrair ao menos 1% dos estudantes estrangeiros que buscam fazer intercâmbio. “Não somos destino. Nossa educação não é atraente para o mundo. Nova Zelândia [o 10º maior destino] está no topo e fica a três horas do país mais próximo,
que é a Austrália”, completa.

Enquanto isso, a realidade brasileira passa por momentos dramáticos. Apesar de contar com 23 instituições de ensino entre as 50 melhores da América Latina, conforme a mais recente publicação do ranking Times Higher Education, o país tem a necessidade de fomentar práticas inovadoras ao mesmo tempo que vive uma crise econômica que levou à redução intensa dos programas de financiamento. Para o secretário da pasta de Educação Superior (Sesu), Paulo Barone, é importante que as instituições de ensino façam uma reforma pedagógica radical, libertando-se dos currículos homogêneos e permitindo certificações parciais. “Quando há ajuste entre demanda e oferta, os resultados tendem a ser melhores”, ressalta.

Mas a matemática não está muito a nosso favor. Uma pesquisa do Instituto Data Popular encomendada pelo Semesp mostrou que o Brasil ficará bem longe da proposta do Plano Nacional de Educação de ofertar ensino superior para 33% dos jovens entre 18 e 24 anos até 2024. Na atual conjuntura, apenas 20% estarão nos bancos escolares no ano previsto. Com foco na imensa classe C brasileira que deseja cursar uma graduação, o relatório mostrou que opções como ensino a distância e financiamento privado atualmente não são bem vistas. Além disso, dois terços dos entrevistados revelaram não ter nenhum planejamento de como iriam bancar as mensalidades.

Apesar do cenário nebuloso, o diretor executivo do Semesp, Rodrigo Capelato, apresentou algumas medidas que podem ser tomadas pelas instituições de ensino para driblar esses percalços. Entre elas estão a oferta de crédito educativo próprio, seguro educacional em caso de o estudante ficar desempregado e oferta de cursos técnicos gratuitos financiados com parte dos recursos de marketing da própria instituição.