Em análise sobre a pós-graduação do Brasil, especialistas apontam o crescimento do número de programas e de artigos publicados, mas consideram ainda insuficiente a formação de professores titulados

por Patrícia Pereira

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Na última década, o número de programas de pós-graduação existentes no Brasil quase dobrou: foi de 1.551, em 2001, para 3.096, em 2011. A quantidade de alunos titulados superou esse ritmo de crescimento, passando de cerca de 26 mil, em 2001, para 55 mil, em 2011. Mas alcançar a composição mínima de 75% de docentes com mestrado ou doutorado em todas as instituições de ensino superior ainda está entre as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) para elevar a qualidade da educação superior brasileira.

A preocupação com a formação acadêmica no Brasil foi um dos temas abordados no seminário “Desafios educacionais com foco na inovação”, realizado pela FGV/Ebape no final do ano passado. O ciclo de palestras ocorreu em três encontros diferentes em que os palestrantes montaram um panorama da educação brasileira, principais perspectivas e desafios.

Sandoval Carneiro Júnior, ex-diretor Geral da Capes, fez um balanço da pós-graduação no Brasil. Os números mais atuais, de 2012, mostram 3.319 programas existentes no país. Eles reúnem um total de 5.080 cursos, sendo 2.925 mestrados acadêmicos, 417 mestrados profissionais e 1.738 doutorados.

A área que mais tem crescido na pós-graduação é a de cursos multidisciplinares. Em 2004, eram apenas 153 e, em 2011, passaram a existir 485 cursos com esse perfil, um crescimento de 217% no período. Em seguida, vêm as ciências sociais aplicadas, que saíram de 311 cursos em 2004 para 521 em 2011, um aumento de 68%. Outros destaques são as ciências humanas e os cursos ligados a linguística, letras e artes, ambos ampliaram a oferta em 59%.

Em relação ao volume da produção científica brasileira, medido em número de artigos publicados, é possível constatar um aumento anual em ritmo acelerado quando comparado à média mundial: o crescimento é de cerca de 15%, enquanto o restante do mundo tem índice de 2%, informou Sandoval. Em números absolutos de artigos publicados, o país ocupa a 13“ posição no ranking de 2011, com uma fatia de 2,7% da produção mundial total. “O Brasil ultrapassou recentemente países como Holanda e Rússia”, disse Sandoval. Em algumas áreas específicas, como parasitologia e medicina tropical, o Brasil ocupa a segunda posição no ranking mundial.

A oferta de bolsas de pós-graduação no país, em 2011, foi de 72.071, sendo 42.269 de mestrado, 26.108 de doutorado, 3.580 de pós-doutorado e 114 de Professor Visitante Nacional Sênior (PVNS). Sandoval também falou sobre o programa Ciência Sem Fronteiras (CSF), criado pelo governo federal com um dos objetivos de aumentar a presença de pesquisadores brasileiros em instituições de excelência no exterior. Para isso, já ofertou 17.910 bolsas, sendo que as áreas prioritárias foram engenharias e demais áreas tecnológicas, com 6.490 bolsas; biologia, ciências biomédicas e da saúde, com 3.498 bolsas; e ciências exatas e da terra, com 1.886. Os Estados Unidos são o país de destino mais frequente, com 3.993 das bolsas ofertadas, seguido por Portugal (2.816), França (2.528), Espanha (2.297) e Canadá (1.438).

Difícil inovação
Apesar de toda a evolução da pós-graduação no Brasil, foram apontadas dificuldades que o setor ainda tem em absorver inovações. A crítica foi feita pela professora Tânia Fischer, coordenadora do Centro Interdisciplinar em Desenvolvimento e Gestão Social (CIAGS). Segundo ela, o Brasil não está formando professores nos mestrados e doutorados e sim pesquisadores. A professora também questionou a baixa atenção dada aos mestrados profissionais, valorizados no mundo todo e pouco incentivados no Brasil. “Prevalece a lógica dos mestrados acadêmicos e faltam professores para o mestrado profissional”, comentou Tânia.

A concentração de vagas na região Sudeste foi mencionada por Carlos Fernando de Araújo Calado, vice-presidente da Associação Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais (Abruem), como prejudicial para o avanço da qualidade do ensino equitativamente. De acordo com estudo apresentado, 71% das matrículas de graduação nas instituições privadas estão no Sudeste e apenas 10% no Norte. Calado defendeu o investimento público para mudar essa situação.

De acordo com Calado, 34% das universidades públicas estaduais ou municipais estão no Nordeste; 30%, no Sul; 21%, no Sudeste; 9%, no Norte; e 6% no Centro-Oeste. Além dessa distribuição pelo território nacional, uma característica, em especial das universidades estaduais, segundo o representante da Abruem é ter muitos campi espalhados pelas cidades do interior dos estados.
Calado criticou o fato de o ensino superior ser visto como uma questão de responsabilidade federal. Para ele, essa visão é “um equívoco da Constituição”. Ele apontou que o erro está na tentativa de dividir tarefas em vez de somar esforços. “A educação é um desafio nacional e não apenas dos municípios, dos estados ou da União”, disse.

Mais conteúdo
Sob a ótica do exercício profissional, representantes dos conselhos de classe que estiveram presentes no evento criticaram a qualidade da formação dos egressos das faculdades. Para Wagner Huckleberry Siqueira, presidente do CRA-RJ, a diminuição da carga horária efetiva das aulas nos cursos de administração é uma das grandes vilãs na queda da qualidade de formação. Segundo ele, os cursos costumavam ter três mil horas-aula e acabaram perdendo carga horária em sala de aula para estágios e atividades complementares – além de a hora-aula ter sido reduzida de 60 para 50 minutos –, o que, na prática, relegou apenas 1.800 horas para o conteúdo em si.

“Apesar de outras atividades práticas serem importantes, na realidade o que está acontecendo é que os interesses financeiros estão sobrepujando os interesses acadêmicos. Querem baratear os cursos”, criticou Siqueira. Segundo ele, o problema é que os atuais bacharelados em administração não preparam os alunos nem para pensar e nem para fazer. “O bacharel não sai especialista e nem generalista. Qualquer curso de tecnólogo nessa área hoje em dia está qualificando de forma melhor seus alunos”, afirmou.

Vera Fonseca, vice-presidente do Cremej, corroborou as críticas feitas por Siqueira. “Achei que por algum momento o senhor estivesse falando dos cursos de medicina. Noventa por cento de sua fala se aplica a nós”, disse Vera. Além das falhas na qualidade da formação, ela criticou o viés de formar médicos especialistas. Segundo ela, há um descompasso entre o que o governo deseja – a formação de médicos generalistas – e o que as faculdades estimulam – a formação de especialistas. O Brasil tem um total de 371.788 médicos formados, sendo 55,09% especialistas e 44,91% generalistas.

Já na opinião de Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior, presidente da OAB, os exames de aptidão técnica, como a tão temida prova aplicada pela Ordem, não deveriam existir. “O ensino é que deveria ser de qualidade. Esses exames combatem o efeito e não a causa do problema”, disse Cavalcante.

Números em 2012
3.319 programas do pós-graduação 5.080 cursos 2.925 mestrados acadêmicos 417 mestrados profissionais 1.738 doutorados

 

Outro lado
Procurada pela reportagem, a Capes se manifestou a respeito da crítica feita à falta de incentivos aos mestrados profissionais no Brasil. Para Livio Amaral, diretor de Avaliação da Capes, a crítica é procedente, mas deve ser “relativizada”. Segundo ele, a modalidade de mestrado profissional tem sido valorizada e incentivada, sobremodo nos últimos anos, com uma portaria ministerial em 2009. Um dos aspectos que sinaliza a importância da modalidade é a recente criação da figura do Coordenador Adjunto para Mestrado Profissional. Em relação a novas propostas de mestrados profissionais, ele explica que a aprovação de cursos de pós-graduação, em qualquer modalidade, é feita pela comunidade, através dos pares que compõem as comissões de cada área. “No entanto, é sabido que alguns setores têm alguma relutância com mestrados profissionais”, disse Amaral. A respeito do reduzido número de mestrados profissionais frente aos acadêmicos, o diretor lembra que a modalidade profissional é ainda muito recente na história da pós-graduação. O Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular questiona a validade das críticas apontadas no seminário.Segundo Celso Frauches, consultor educacional do Fórum, a carga horária dos cursos de administração subiu ao invés de decair. A legislação em vigor determina três mil horas/aula, sendo que atividades complementares e estágio não podem exceder a 20% do curso. Com relação à medicina, Frauches explica que as instituições têm autonomia didático-pedagógica para organizarem os cursos, mas existem diretrizes curriculares nacionais que devem ser cumpridas. Já o MEC preferiu não se manifestar a respeito da desigualdade regional de vagas e não confirmou se há planos do governo para reverter esse quadro.