Mário Sérgio Cortella no encerramento do 25º FNESP (Foto: Jonathan Nóbrega/Semesp)​

O filósofo e educador Mario Sérgio Cortella trouxe um brilho especial para o encerramento do 25º FNESP ao abordar a forma como é possível acelerar o processo de ressignificação e reconstrução do ensino superior.

Cortella iniciou sua apresentação lembrando a importância de se preparar para aquilo que virá. “Nesse processo, pode ser altamente danoso usar o passado como direção, em vez de usar como referência”, afirmou o filósofo, ao destacar “a capacidade de não envelhecermos a cabeça, a ação e a relevância”.

Nesse sentido, ele citou a frase do jornalista, humorista, desenhista, escritor, poeta, dramaturgo e tradutor carioca Millôr Fernandes, que alguns anos antes de morrer, aos 89 anos, escreveu: “Quando eu disser ‘no meu tempo’, eu quero dizer daqui a 10 anos”. Segundo o filósofo, “nosso tempo é o futuro, e Millôr entendia isso perfeitamente, tanto que quando escreveu essa frase já tinha mais de 80 anos”.

O palestrante usou como exemplo a banda de rock britânica Rolling Stones, formada em Londres em 1962, cujos principais integrantes, Mick Jagger e Keith Richards, têm 80 anos, mesma idade do baterista Charlie Watts quando morreu, dois anos atrás. “A banda tem 61 anos e os Rolling Stones continuam a fazer turnês, e acabam de produzir um novo álbum”, disse Cortella, ressaltando o conceito da expressão que deu origem ao nome em inglês do grupo: “Pedras que rolam não criam musgo”. Para o filósofo e educador, “a longevidade da banda de rock mais importante do mundo revela que eles incorporaram o conceito de ‘insatisfação positiva’ existente nos seres humanos, que impede que nos acomodemos e fiquemos ancorados no passado”, afirmou.

Cortella citou, também, um dos mais importantes teólogos e filósofos dos primeiros séculos do cristianismo, Agostinho de Hipona, segundo o qual “nós só vivemos o presente”. “Para Santo Agostinho o presente está em nós em três tempos: o presente do passado, que é a memória do que foi; o presente do presente, que é a compreensão do imediato; e o presente do futuro, que é a intenção do que queremos que aconteça no passo seguinte. Segundo Agostinho, vivemos um constante deixar de ser, pelos movimentos que nos impulsionam sempre para o futuro. E nessa condição está a capacidade que todos nós temos de recriar e reinventar, utilizando a faculdade de raciocínio e mudança do ser humano”, afirmou.

O filósofo referiu-se a importância da atualização das nossas capacidades. “Na medida em que precisamos viver com esses três presentes, devemos ficar o tempo todo em estado de atenção para nos lembrar das nossas capacidades de ser permeáveis à mudança. Dizemos que os alunos não são os mesmos, então não podemos fazer as coisas do mesmo modo”, disse Cortella, ao registrar sua experiência de 50 anos de magistério.

“Não há nenhum problema em apresentar uma aula expositiva, porque não é a tecnologia que mobiliza a cabeça do aluno. Mas uma cabeça pedagógica não recusa a tecnologia quando ela é necessária”, lembrou o palestrante. “Podemos ser apoiados por tecnologias, que embora não ofereçam conhecimento, oferecem informação, que é a base do conhecimento. Infelizmente, a escola em larga escala estruturou-se com base na informação e não no conhecimento”, afirmou, destacando que “quem acumula informação não acumula necessariamente conhecimento”.

Para Mário Sérgio Cortella, “não é verdade que os alunos não gostam da escola: eles não gostam é da nossa atuação, que muitas vezes não tem conexão com eles, que não os emociona. E o que conecta alguém é a capacidade daquilo que ela se apropria”. Para o educador, a cautela que devemos ter com o mundo digital é que ele é “distrativo”. “Mas a tecnologia pode ser atraente quando ela nos conecta com aquilo que é apresentado. O que tem faltado no ensino é a compreensão daquilo que são as preocupações dos alunos, nós nem sempre os aproximamos do conhecimento que queremos transmitir, e para isso temos que buscar o que os preocupa, não importa se usamos para isso a tecnologia, o EAD, ou a aproximação direta da aula expositiva”, disse.

Afirmando que “o mais sábio para nós que formamos outras pessoas é nos formar bem”, Cortella destacou a importância de “aprender aquilo que ainda não sabemos”. Ele citou o poeta Manoel de Barros ao referir-se à “humildade pedagógica” de lembrarmos que “não sabemos quase tudo”, como escreveu o autor. “Humildade não é subserviência O melhor de mim é o que me reinventa, me recria. A Ciência avança na dúvida, e a capacidade humana mais forte é se perguntar: será que não há uma outa forma de fazer? Eu quero mais e melhor, movido por uma intenção de humildade objetiva: sabemos que gente arrogante não inova, não cresce, só repete, e em um mundo em contínua mudança o desafio não é ficar mudando o tempo todo, mas estar preparado para mudar, buscar de modo cotidiano as soluções que nos preocupam, buscar a proximidade, romper as barreiras do tempo”, afirmou.

Retomando o conceito de Santo Agostinho, o palestrante ressaltou que “todo ser humano, em qualquer época da História, viveu na época contemporânea, mas nem todos viveram a contemporaneidade do mesmo modo”. Segundo ele, “em um mundo de turbulências, precisamos lembrar que raízes não são âncoras e é importante não confundir o novo com novidade. Paulo Freire e Maria Montessori, por exemplo, são o novo, não a novidade: nossa tarefa é buscar o que é novo e deixar de lado a novidade”, concluiu.