Ana Valéria Reis – Diretora Geral da Unidade de Ensino Serra Dourada, de Lorena;

Fábio Reis – Diretor de Inovação e Redes do Semesp, Presidente do Consórcio STHEM Brasil e Professor do Unisal                                        

A ideia desse artigo surgiu a partir de conversas sobre a percepção do que vivenciamos e percebemos dentro do atual modelo das instituições de Ensino Superior (IES), bem como, das evidentes transformações que surgem e que ainda estão por vir. Assim, o texto que segue é um exercício de projeção de mudanças no padrão das IES, em seus diversos aspectos, áreas de funcionamento e no que acreditamos ser viável, nesse cenário contemporâneo. Com essa reflexão, também convidamos o leitor a realizar esse exercício de projeção de realidade sobre o que será uma boa referência de IES para os próximos anos.

Hoje, o modelo convencional conta com áreas acadêmicas, administrativas, organogramas e gestores responsáveis por uma dinâmica institucional, que oferece cursos de graduação e de pós-graduação, adquire e utiliza recursos tecnológicos, conta com salas de aula, bibliotecas, laboratórios e corpo docente, responsável por ministrar aulas de disciplinas estabelecidas por um currículo oferecido a alunos, que assistem às aulas. É provável que esse formato não seja mais compatível com um futuro próximo. Mas, por quê? Quais são as inovações atuais, que já demandam adaptações nas instituições de ensino superior? O que temos pela frente, dentro de pouco tempo?

1 – As áreas acadêmicas e administrativas serão integradas. Haverá sinergia e a IES ganhará em eficiência, especialmente, se souber utilizar os recursos tecnológicos disponíveis que geram informações, facilitam e agilizam os processos. Será preciso contratar pessoas que estejam disponíveis a aprender. As decisões serão tomadas a partir de evidências e de análises do big data. Um gestor, um professor e um colaborador precisarão saber tomar diferentes decisões a partir das informações e das tecnologias disponíveis.  A inteligência artificial (AI) e os algoritmos irão possibilitar a melhoria da eficiência institucional. As aulas, como conhecemos hoje, terão uso contínuo da AI. A Realidade virtual aumentada, hologramas, games e outras tecnologias serão comuns no cotidiano das IES. A oferta de recursos tecnológicos para a educação será ampliada e, da mesma forma, irá demandar mais capacidade de análise do gestor da IES. Ele precisará saber decidir e investir em tecnologias adequadas para sua instituição.

2 – O organograma será horizontal ou mesmo inusual. As IES vão valorizar unidades de negócios e o desempenho das equipes, que saibam realizar projetos, com habilidade para compartilhá-los e para cumprir metas e objetivos. Em recente visita à Arizona State University (ASU), perguntamos sobre o organograma da instituição. Os gestores da universidade apresentaram suas equipes, funções e objetivos. Em nenhum momento exibiram um organograma. Demonstraram sim priorizar a integração dos times e a avaliação de desempenho das capacidades individuais. Nesse sentido, o chefe ou gestor que comanda dará lugar ao gestor, que exerce uma liderança positiva, capaz de inspirar. Quem manda é obedecido, por exercer uma função de poder, mas não dialoga, não inspira. Quem não entender que é preciso compartilhar, não formará equipes de pessoas integradas. As IES que pretendem ter bom desempenho, no sentido amplo, terão menos hierarquia e mais liderança, com estilo renovado.

3 – A oferta de graduação e pós-graduação, como conhecemos, já está em crise. De modo geral, esses cursos estão distantes da realidade da sociedade porque possuem pouco vínculo com o setor produtivo e não priorizam a formação por competências. Além disso, são de longa duração e oferecem poucas experiências prática. Ou seja, a conexão entre o conhecimento teórico e sua aplicabilidade é frágil. A nova IES precisará priorizar uma formação “mão na massa”, realmente ligada às demandas da sociedade, com cursos de menor duração e foco na formação ao longo da vida. Haverá aumento da oferta de microcertificações, que cada vez mais serão um contraponto aos cursos convencionais. Será preciso abandonar a ideia de tempo de integralização, e adotar a oferta de cursos interinstitucionais e o modelo de transdisciplinaridade. Serão raros os currículos divididos em disciplinas fragmentadas. Em muitos casos, haverá distribuição por plataformas de streaming. Necessariamente, serão oferecidas opções flexíveis para o estudante construir sua própria trajetória, em formatos híbridos, com a possibilidade de aproveitamento de 40% da modalidade EAD, modelo aprovado pelo MEC. Será importante também definir um novo design de infraestrutura na instituição. A biblioteca deixará de ser um local quase que exclusivo de consulta de livros, para se transformar, por exemplo, em um local de trabalho coletivo ou em uma grande sala de aula.  Haverá um aumento de laboratórios virtuais.  Entendemos, assim, que o novo de modelo de organização dos cursos seja voltado a valorizar o sucesso do estudante e gere formas eficientes de engajamento e de retenção dos alunos. Dessa forma, o currículo por disciplinas tende a dar lugar aos projetos integrados. Os cursos serão abertos, flexíveis e irão permitir diferentes trilhas. O desafio será desenhar esse modelo de forma financeiramente sustentável e coerente com o projeto acadêmico de cada instituição. O conhecimento teórico e prático de uma determinada área será adquirido no desenvolvimento do projeto. Haverá lugar para as microcertificações. Além disso, os espaços maker serão notórios e significativos nas IES e estarão integrados aos currículos.

4 – Os estudantes deverão ir à IES não para assistir a uma disciplina, mas para desenvolver um projeto de forma coletiva, orientados por um professor mentor. Alunos de todas áreas irão aprender a utilizar recursos tecnológicos, especialmente, a programar, para que possam desenvolver seus projetos. Os discentes poderão acessar diversas plataformas, para ter acesso a esse conteúdo, seguindo a tendência de outras formas de instigar o aprendizado, na atualidade. O perfil dos jovens mudou, e, em muitos casos, o perfil do gestor da IES, não. É provável que novas gerações de jovens deixem de valorizar o diploma como conhecemos hoje ou questionem se as IES lhes agregam valor, ou mesmo, se a instituição “é careta”, ultrapassada, e demasiadamente custosa. Que deixemos claro: não basta simplesmente baixar os custos da mensalidade para atrair os jovens.

5 – As salas de aula serão substituídas por diferentes espaços de aprendizagem. O estudante poderá assistir a uma aula e aprender, em qualquer lugar e a qualquer momento. Provavelmente, quem investir em construções com muitas salas de aula, com espaços fechados, ocupados por carteiras escolares, estará investindo de forma errada. Recomenda-se que se construam espaços amplos, flexíveis, integrados. Uma IES poderá ter um único espaço (talvez, um enorme galpão), com divisórias flexíveis, versáteis, práticas, abertas e com layout clean. A aula poderá acontecer em uma plataforma virtual, na biblioteca, no laboratório ou na residência do estudante. Substituir a sala de aula convencional por bibliotecas e laboratórios, que permitem a interação, é uma forma de tornar a IES contemporânea. Do computador, tablet ou celular, o estudante poderá acessar a biblioteca e o laboratório virtual, nesse caso, poderá fazer experimentos, em qualquer lugar e horário.

6  – Já é evidente a mudança do perfil do professor e tal transformação será acentuada. O docente também precisará conhecer e saber utilizar as diferentes tecnologias e aplicativos. Definitivamente, deixará de ser o detentor absoluto de conhecimento sobre todos os assuntos. Não irá mais atuar em sua disciplina, de forma isolada. Com outros colegas professores, será coorientador no desenvolvimento de projetos e atividades dos estudantes. Precisará dialogar com seus colegas para a construção de projetos, de forma coletiva. Passará a mentor, coach e irá utilizar plataformas e diferentes tecnologias que oferecem “conteúdo” e bases para o conhecimento dos estudantes. Os cursos de licenciatura precisarão se adaptar com transformações rápidas, em seu modelo acadêmico. O foco do professor será, de fato, a aprendizagem do estudante, o entendimento da melhor forma para a que o aluno consiga absorver o conhecimento e as melhores estratégias para engajá-lo.

É possível que nossas instituições estejam passando por um conflito de gerações, pois os estudantes possuem comportamentos e expectativas diferentes do que é proposto pelo gestor. Assim, da mesma forma que um professor não continuará a dar aula da maneira como sempre deu (na verdade, espera-se que o professor “faça” a aula e não “dê” aula), o gestor não poderá gerir e tomar as mesmas decisões que sempre tomou.

O que indicamos tem o propósito de funcionar como provocações ao leitor para estimular mudanças de comportamento, de estratégias e de visão sobre o nosso sistema de ensino superior.

Obviamente, para que se concretizem, é necessário uma serie de transformações no ambiente externo das IES, como por exemplo, a retomada do crescimento econômico do Brasil, maior estabilidade do sistema de ensino superior, desburocratização, mais autonomia de organização das IES, entre outras.

Além disso, é preciso coragem dos gestores de IES. Provavelmente, há aqueles que não possuam projeto ou poder de decisão para transformar esse rumo. A cooperação, por meio das redes, irá se consolidar e irá instigar os gestores a aprender a trabalhar de forma colaborativa. O gestor que mantiver a IES isolada das redes será o responsável pela não “oxigenação” dos conceitos e dos projetos institucionais. A instituição tenderá a fazer “mais do mesmo” porque as redes possibilitam o aprendizado estratégico, a troca de experiências e a redução de custos. Sugerimos que busquem informações sobre projetos como as Redes de Cooperação do Semesp, a MetaRed e o Consórcio STHEM Brasil.

Os grupos educacionais provavelmente terão dificuldades em realizar todas transformações apresentadas. O tamanho do grupo tende a ser um empecilho para manter equipes de colaboradores e docentes sintonizados com as inovações. É preciso investir em capacitação, de larga escala. Por outro lado, o cenário econômico é prejudicial às IES de pequeno e médio porte, o que pode afetar a competitividade. Mas, se todas priorizarem as redes de cooperação e superarem as dificuldades da atualidade, essas instituições tendem a ser competitivas.

Em um momento de transformações rápidas, de incertezas e de novas opções tecnológicas, os gestores de IES que apostarem nas mudanças apontadas precisarão tomar cuidado ainda com os “postos Ipirangas da educação”. Há empresas que oferecem diversas soluções e possuem respostas para os problemas. Com certeza, há situações em que os produtos dessas empresas são necessários para as IES. Todavia, os gestores correm o risco de não saberem escolher e invistam em produtos desnecessários. É preciso conhecer as startups de educação, mas fica aqui o alerta: nem tudo representa uma solução da qual que precisamos e a grande oferta de produtos pode gerar um efeito deslumbramento.

Importante também trazer outras reflexões: é correto pensar que estamos em um momento de terceirização das atividades correlacionadas à educação, em nossas IES? O motivo da terceirização generalizada pode ser o custo ou a falta de pessoas preparadas para elaborar um projeto e dedicar-se à reflexão sobre o diferencial, a missão e o projeto acadêmico e administrativo da IES? Será que, de uma forma consciente ou inconsciente, estamos deixando de lado a missão de sermos os responsáveis pelos projetos da IES? Recomendamos que o gestor assuma o papel de protagonista do processo de mudança em sua IES, que se dedique à reflexão e ao desenho das transformações institucionais. Uma IES não pode ser levada “pelo rumo do vento”, da mesma forma que não pode ficar paralisada.

O Reitor Ángel Marco, da Universidade Regiomantana, de Monterrey, disse que, para obter bons resultados administrativos e acadêmicos e dedicar parte do seu tempo à construção do futuro da IES, um Reitor precisa cuidar das pessoas, do funcionamento da IES, conforme a organização e a dinâmica do sistema de ensino superior. Uma fala simples, mas profunda. Leitor-gestor, você está cuidando das pessoas, dos resultados e do futuro da sua IES?

Nosso sonho é participar do redesenho e/ou do processo de construção de um novo modelo de IES. Esperamos que exista um número expressivo de pessoas com esses mesmos interesses.