*Artigo de Fábio Reis, diretor de Inovação e Cooperação do Semesp

Em janeiro, tive a oportunidade de retornar ao Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20), da Universidade de Coimbra, em Portugal, local onde faço o meu pós-doutorado em políticas públicas (PP).  Durante alguns dias, conversei com pessoas que estudam PP e fiz leituras sobre governança dos sistemas de ensino superior.

Na presente reflexão, o termo governança será entendido como a capacidade de governar o sistema de ensino superior (SES), o que implica definição de planos, ações e instrumentos que conduzem o sistema e indicam o caminho a ser trilhado para atingir determinados fins. A governança do SES é realizada por instituições e agentes públicos e privados.

A elaboração e a definição das PP cabem aos agentes públicos, em cooperação com diferentes representantes da sociedade. São esses agentes os responsáveis pela sua carência e indefinições no SES. Em uma democracia, é legítimo a sociedade reivindicar PP eficientes e eficazes que solucionem as suas demandas.

No âmbito do ensino superior, países como Chile, Argentina, Portugal, Austrália, entre outros, definiram suas PP, e o sistema de ensino superior funciona de forma adequada, mesmo enfrentando problemas. Por exemplo, recentemente, ocorreu uma série manifestações populares no Chile, o que fez o país realizar mudanças na legislação educacional. E agora há um debate sobre a necessidade de uma nova constituição.

De modo geral, países com PP adequadas possuem uma governança do sistema de ensino superior definida e organizada. A boa governança do SES supõe a atuação de diferentes atores, mas ela requer um governo, o elemento basilar da governança.

Cabe ao governo ser o responsável por coordenar o sistema, ser seu marco de referência e ter a gestão do processo de elaboração das PP. No ensino superior, o governo é representado pelo Ministério da Educação. Um governo débil não será capaz de exercer o seu papel e, dificilmente, irá estabelecer PP que representam as demandas e as expectativas da sociedade.

Nesse caso, a governança estará fragmentada. Provavelmente, os poderes legislativo e executivo não serão parceiros no processo de elaboração das PP. No âmbito do Ministério da Educação, suas diretorias terão dificuldades para organizar e definir os rumos do sistema de ensino superior.

O ideal é que no sistema de ensino superior, entendido como o conjunto das instituições públicas e privadas, normas legais e pessoas que atuam no setor de forma articulada, exista uma governança que seja capaz de elaborar e implementar PP. A modelo de governança requer uma série de arranjos formais e informais.

A governança dá sentido às PP e faz com que o sistema funcione de forma adequada. Ela é o exercício da política por parte dos agentes que atuam no sistema, especialmente os agentes públicos. A governança tem o papel de implementar, administrar, aperfeiçoar e avaliar as PP. O governo, como agente coordenador da governança, tem o papel de estabelecer o seu modelo, de preferência, de forma dialogada.

Durante os estudos no CEIS20, li bons textos de José Joaquim Brunner, Burton Clark, González-Ledesma e Gilberto Capano sobre governança no ensino superior, além de outros relatórios e artigos. Esses autores propõem diferentes modelos de governança do sistema de ensino superior.

Há modelos de governança que podem ser confusos ou representam um mix de modelos. Clark explica os modelos de governança a partir de três perspectivas: o modelo em que a gestão pode ser exercida pelo Estado, pelo mercado ou pelas corporações acadêmicas. Para Capano, os modelos são: governança hierárquica, processual, a distância e autogoverno.

O modelo de governança do SES permite a compreensão de seu funcionamento. No modelo de governança hierárquico, o poder público exerce um papel preponderante, burocrático e, em alguns casos, autoritário, o que é danoso para a eficiência e eficácia do sistema. No modelo processual, o governo do sistema mantém o controle sobre a legislação educacional. O de autogoverno favorece a autorregulação e pode, como explica Capano, favorecer o mercado educacional. Provavelmente, o modelo de gestão a distância seja melhor para o Brasil.

Esse modelo favorece a autonomia institucional, no que se refere à definição de seu projeto institucional acadêmico e administrativo. Há o fortalecimento dos processos de autoavaliação institucional e verificação de uma série de indicadores de performance. O MEC, nesse caso, estabelece compromissos de desempenho e espera que a instituição tenha estratégias para realizar seu plano e verificar seus resultados. O Ministério atua como coordenador e agente responsável para manter o funcionamento do SES. Não há intervenção contínua do pode público na organização e dinâmica das IES. As instituições navegam com relativa autonomia, e o MEC as supervisiona.

O Brasil tem uma série de desafios no SES. Se os interessados em PP compararem o nosso caso com a dos outros países, acredito que vão constatar que existe uma carência de diretrizes de PP no Brasil. A experiência internacional e as evidências indicam que é preciso avançar na melhoria da governança do SES.

Por outro lado, cabe às instituições civis que atuam no SES buscar o diálogo e a cooperação com os agentes públicos, e, se for o caso, assumir o papel de protagonistas na elaboração de PP para a sociedade.  Esse é um papel que associações, como o Semesp, precisam exercer.

Espero contribuir com o debate sobre PP no Brasil. O que escrevi acima expressa as interpretações das minhas leituras e não a opinião das instituições em que estou envolvido profissionalmente.