Diminuição de contratos do Fies está entre as explicações para o aumento da inadimplência nas IES

por Mariana Queen Nwabasili

A inadimplência no ensino superior privado brasileiro aumentou 12,9% entre os anos de 2014 e 2015, e hoje chega a 8,8% com relação às mensalidades atrasadas há mais de 90 dias. Esse é o pior valor registrado desde 2010, quando o índice atingiu 9,6%. Além disso, o patamar atual está 2,6 pontos percentuais acima do índice geral de inadimplência de pessoas físicas medido pelo Banco Central, que considera todos os setores e se manteve praticamente estável no mesmo período (6,2%). A perspectiva é de que o valor referente às IES estabilize em 9,0% neste ano.

Os dados fazem parte dos resultados da 10ª Pesquisa de Inadimplência realizada pela Assessoria Econômica do Semesp, em parceria com o Instituto PHD, por meio do Sistema de Informações do Ensino Superior Particular (Sindata). Segundo o estudo, o percentual de inadimplência referente a mais de 90 dias de atraso nas mensalidades nas IES privadas do Estado de São Paulo registrou crescimento de 12,6% entre 2014 e 2015, atingindo o mesmo índice do Brasil – mais precisamente 8,78%.

“A alta pode ser explicada em função da crise macroeconômica e política que o país enfrenta, e pelo corte do Financiamento Estudantil [Fies], que, a partir de 2015, teve queda acentuada no número de contratos novos, reduzindo ingressantes e aumentando a evasão”, diz trecho do levantamento.

Para Kellen Morelli, estatística responsável pela Assessoria Econômica do Semesp, a diminuição de contratos de financiamento em 2015 tende a fazer com que o índice geral de evasão suba. Segundo levantamento do Sindicato, em 2014, a taxa de evasão entre os alunos ingressantes não beneficiados pelo Fies ficou em torno de 26%, enquanto a taxa de desistência entre os estudantes com o benefício atingiu 7,4%. “Isso mostra que há evasão menor entre os alunos que são beneficiados pelo Financiamento Estudantil, se comparado aos que não são beneficiados pelo programa”, diz Kellen. “Sem a garantia de conseguir o financiamento estudantil, os alunos que ingressaram no ensino superior acabam desistindo do curso”, completa.

O aumento da taxa de desemprego em 2015 também é apontado como um dos fatores que levam ao atual cenário de dívidas. “Com o crescimento do desemprego, os alunos têm maiores dificuldades para pagar a mensalidade, o que pode ocasionar o aumento das taxas de inadimplência e, consequentemente, a evasão”, afirma a estatística do Semesp.

Alternativas

O número de contratos disponibilizados anualmente pelo Fies foi limitado como forma de o governo federal reduzir os custos do programa. Entre as mudanças estabelecidas em 2015 esteve a definição de nota mínima de 450 pontos no Enem a ser alcançada pelos beneficiados. Como resultado, entre 2014 e 2015, o número de contratos de financiamento estudantil diminuiu 61% (veja a variação em números no gráfico da página 42), segundo dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), instituição gestora do programa desde 2010.
Frente à queda, muitas instituições realizaram parcerias para disponibilizar bolsas aos alunos – que consistem, na prática, no oferecimento de descontos em mensalidades – e formas alternativas de financiamento. Além dessas, outras ações têm ganhado destaque entre as IES: o seguro educacional, que cobre as mensalidades quando o estudante fica desempregado, e as renegociações de dívidas com os inadimplentes.

“Com o Fies, o aluno assumia uma dívida que ele começaria a pagar, de fato, só depois de formado. A partir do momento em que o governo federal restringiu os contratos devido à crise econômica, o aluno ficou muito mais sensível aos preços com os quais ele terá de lidar desde o começo do curso”, diz André Narciso, diretor do Quero Bolsa, site que compila e divulga bolsas de estudo oferecidas por IES privadas de todo o Brasil. No portal, os estudantes informam onde moram, qual curso querem fazer e quanto podem pagar por ele. “Daí levamos para as instituições uma fotografia do que está acontecendo no mercado. Informamos o valor da mensalidade que cabe no bolso do estudante e qual o nível de desconto que faz sentido para a faculdade”, explica o diretor.
Há dois anos, o site tinha 250 IES parceiras, e hoje tem 550. Segundo Narciso, a maior atenção das instituições à ampliação e à divulgação de bolsas se dá com o intuito de captar novos alunos e preencher vagas ociosas. “Percebemos que as faculdades vinham sendo mal-acostumadas. Era fácil encher turnos e turmas pelo Fies. Agora, muitas universidades que não tinham interesse por bolsas passaram a ficar mais abertas a isso para chamar alunos. Isso é rentável para a faculdade”, completa.

 

Dentre as formas alternativas de financiamento, destaca-se o crédito estudantil, que consiste no aumento do prazo para pagamento das mensalidades. “No nosso caso, funciona assim: ao invés de o aluno pagar, por exemplo, seis mensalidades de R$ 1.000, ele passa a pagar à financiadora doze parcelas de R$ 500. Ele paga, basicamente, a metade da mensalidade no dobro do tempo. Nós pagamos o valor cheio do semestre do aluno para a IES e o estudante passa a dever para nós. Assumimos o risco da inadimplência que seria da IES”, diz Rafael Baddini, diretor de marketing e vendas da Ideal Invest, gestora do programa de financiamento estudantil Pra Valer.

Segundo Baddini, entre 2014 e 2015, o número de financiamentos junto ao programa cresceu cinco vezes. De 2015 até o primeiro semestre deste ano, o aumento foi de 75%. Isso porque nem todos os solicitantes são comtemplados: apenas 1/3 dos interessados têm o crédito aprovado. Para tanto, devem estar matriculados em uma das quase 300 instituições parceiras do Pra Valer – em 2014, eram apenas 50 –, comprovar renda equivalente a, no mínimo, duas vezes e meia o valor da mensalidade do curso, e ter um fiador.

“Nos tornamos a maior alternativa para aqueles que pleiteavam o Fies. Esse crescimento se deu porque fechamos muitas parcerias com faculdades como a Estácio e a Cruzeiro do Sul, que subsidiam totalmente os juros do financiamento. Ou seja, o aluno paga o financiamento sem nada de juros. Isso faz com que as parcelas cobradas depois da formatura fiquem baixas; o estudante se atrai e consegue pagar”, afirma Baddini.