Estados Unidos e Alemanha fazem a ponte entre ensino técnico e tecnológico com currículos mais dinâmicos e atrativos

por Filipe Jahn, de Berlim

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Se no Brasil um dos desafios para a consolidação dos cursos tecnológicos é convencer o aluno do ensino médio, em especial o do ensino técnico, sobre a legitimidade e as vantagens da modalidade em relação ao bacharelado, medidas de outros países podem servir como exemplo para transformar esse quadro. Alemanha e Estados Unidos são exemplos de países que se destacam na formação profissionalizante.

No país europeu, a maioria dos alunos de 2º grau faz parte do equivalente ao ensino técnico brasileiro: 53%, de acordo com o Centro Europeu para o Desenvolvimento do Ensino Profissionalizante (Cedefop, em inglês). Nos EUA, segundo o National Center of Education Statistics (NCES), 88% das escolas públicas oferecem programas de cursos profissionalizantes e 76% dos alunos frequentam pelo menos uma matéria no 2º grau.

O fato de os dois países já privilegiarem o ensino profissionalizante no 2º grau é um dos principais motivos para que a população veja sem preconceitos esse tipo de formação. E isso significa que a transição para os cursos tecnológicos das mesmas áreas também seja considerada um passo apropriado para quem busca o aperfeiçoamento profissional.

Transição germânica
Na Alemanha, 64% da força de trabalho vem de profissionais que se formaram no ensino técnico ou tecnológico. Apenas 18% das posições são ocupadas por pessoas com o bacharelado acadêmico. Só que além de destacar o ensino técnico, o Estado procura incentivar a transição para o terceiro grau oferecendo a possibilidade de que o trabalho seja uma parte importante do treinamento.

O contexto regional é essencial para entender o cenário: o maior desafio na Alemanha não é mudar o preconceito dos alunos com relação ao ensino tecnológico, mas sim fomentar entre eles o desejo de frequentar qualquer curso superior. Isso porque o modelo de ensino profissionalizante alemão é repartido. No Sistema Dual, como é conhecido, o aluno do ensino médio técnico passa apenas um ou dois dias na escola. No restante da semana, trabalha em centros de formação de uma empresa, como aprendiz remunerado. A remuneração é, em média, de 800 euros por mês (R$ 3.200), paga pelas empresas, e 68% dos aprendizes recebem oferta de efetivação após o fim do treinamento, conforme dados do Ministério Federal de Educação e Pesquisa do país.

Assim, com trabalho e estabilidade financeira garantidos tão cedo na carreira, levantar voos mais altos nos estudos deixa de ser prioridade para muitos jovens.

Por esse motivo, a Alemanha tem como principal forma de incentivar a entrada em cursos tecnológicos o mesmo tipo de sistema, no qual o profissional vai estudar em uma instituição, mas frequenta aulas teóricas apenas em um ou dois dias por semana. No restante do tempo, o treinamento avançado acontece no local de trabalho.

A diferença é que, no caso dessa etapa de ensino, a empresa paga pelo treinamento in loco e pelo curso inteiro. Isso porque a maioria das Vocational Academies, o equivalente aos nossos institutos tecnológicos, são particulares. E o sistema tem colhido bons resultados. O número de programas profissionalizantes de ensino superior no Sistema Dual cresceu de 512 para 1.014 entre 2004 e 2013, e hoje cerca de 40 mil empresas têm profissionais em algum programa de treinamento.

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Comparado à realidade brasileira, pode parecer improvável que esse modelo possa funcionar por aqui. Mas o segredo é simples. O Estado convenceu as empresas de que é necessário investir na formação profissional dos jovens. E as empresas convenceram o Estado de que os currículos precisam acompanhar rapidamente as mudanças constantes do mercado de trabalho.

E desse diálogo nasceu, em 1970, o Instituto Federal de Formação Profissional (Bibb, em alemão). O órgão, subordinado ao Ministério da Educação e Pesquisa, é composto por membros de associações patronais, sindicatos de trabalhadores e representantes do Estado. Juntos, eles definem e atualizam currículos, elaboram regulamentos e garantem que o aluno receberá educação necessária não apenas para entrar no mercado de trabalho, mas para ser um profissional de que o mercado precisa.

A diretora de projetos de cooperação do Bibb, Diana Cáceres-Reebs, afirma que atualizações costumam ser feitas a cada cinco anos. “Se uma empresa chega aqui e pede para mudar algo, essa petição é discutida com todos os membros da área. Quando se chega a um consenso, as mudanças são feitas sem perder tempo”, explica.

Modelo norte-americano
Já nos Estados Unidos, o Estado resolveu levar o aluno do 2º grau o mais próximo possível dos cursos tecnológicos, ao ponto em que a transição pareça ser quase natural. Ainda que existam diferentes formas de promoção, dependendo do Estado, existem três esquemas mais relevantes.

O mais comum é o “Matrícula Dupla”, no qual o aluno frequenta um curso de ensino médio que oferece créditos válidos para o mesmo curso de terceiro grau. Dessa maneira, ele se sente estimulado a simplesmente continuar seus estudos, pois o que aprendeu no ensino técnico já é parte do conteúdo oficial do tecnológico.

Esses cursos são oferecidos em escolas ou institutos tecnológicos e estimativas do governo apontam que 70% das instituições públicas oferecem cursos de “matrícula dupla”, enquanto 50% dos estudantes optam por essa modalidade.
Outro modelo é o Tech Prep. Por meio dele, os dois últimos anos do ensino técnico e os dois primeiros do ensino tecnológico têm seus programas alinhados.

O Tech Prep é voltado para cursos de engenharia e tecnologia e também apresenta bons resultados. De acordo com o Departamento de Educação dos Estados Unidos, 74% das escolas públicas oferecem pelo menos um programa no modelo e, virtualmente, todos os technical colleges, equivalentes aos nossos institutos tecnológicos, participam do modelo.

O terceiro modelo, o College High Schools, tem a característica de ser direcionado a classes sociais mais baixas, ainda que mantenha o espírito de aproximar técnico e tecnológico. Os College High Schools lembram nossos colégios de aplicação: são vinculados a instituições de terceiro grau, estão no mesmo campus e aproveitam a mesma estrutura.

A diferença é que o objetivo da escola é encaminhar o aluno direto para o ensino tecnológico. O programa é desenvolvido de forma que o conteúdo equivalha a dois anos de um curso de ensino superior na instituição.