Nova lei que formaliza o trabalho a distância impacta relação entre instituições de ensino e seus colaboradores.  Saiba o que muda

Por Filipe Jahn


O desenvolvimento tecnológico é, inegavelmente, fundamental para dinamizar o trabalho em muitas áreas profissionais, incluindo a da educação. As novas ferramentas, como as que permitem a troca de arquivos por e-mail, a comunicação instantânea e o acesso à internet em dispositivos móveis, transformaram a noção de tempo e espaço no âmbito das profissões, que agora podem ser realizadas de qualquer lugar e a qualquer hora. No ensino superior, se observarmos especialmente os avanços da educação a distância, tais possibilidades da tecnologia incidem diretamente no trabalho do professor, que precisa prestar atendimento on-line, participar de fóruns e acompanhar as redes sociais, por exemplo.

Nesse sentido, uma nova lei em vigor desde o final do ano passado, e que altera o artigo 6º da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), buscou incluir essa nova realidade nas relações trabalhistas. A Lei 12.551, de 15 de dezembro de 2011, expressa que, se houver os pressupostos de uma relação trabalhista, não há qualquer distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, em domicílio ou a distância.

No entanto a novidade tem causado interpretações distintas, sobretudo quando se discutem o ensino a distância e as atividades extraclasse de professores no geral.
O advogado e professor da Universidade de São Paulo (USP) Nelson Mannrich explica que por um lado a lei não atribui novos deveres ou direitos relacionados ao ensino a distância ou especifica quais são os casos de hora extra fora do estabelecimento de trabalho. Ela serve apenas para formalizar práticas que já existem. “É um reconhecimento do trabalho domiciliar ou remoto, algo que a maioria das instituições já faz e remunera”, comenta Mannrich.

Interpretações à parte

A questão central da lei reside exatamente no que pode ser interpretado a partir do novo texto. Em uma das análises entende-se que a lei passa a dar mais proteção ao empregado que passa muito tempo trabalhando fora do ambiente profissional, mesmo em situações corriqueiras – como responder a um e-mail de aluno – que pode ser entendido legalmente como hora extra.

Carlos Magno, advogado especializado em causas trabalhistas, esclarece que para tanto é necessário existir uma demanda assídua por parte do empregador. Responder um e-mail ocasional ou um telefonema não qualifica o trabalho remoto ou hora extra. Mas isso muda se um professor comprovar que precisa fazer isso com frequência por exigência da universidade.

Na opinião de Magno, um dos principais problemas que uma instituição pode vir a ter por causa da lei são os casos de profissionais que resolverem agir de má-fé. “Um funcionário pode começar a enviar e-mails durante a madrugada, por exemplo, para depois dizer que estava trabalhando e exigir hora extra”, argumenta.

Outro possível problema é o ressarcimento pelos custos incorridos através do trabalho remoto. Carlos Magno comenta ser possível interpretar que os gastos realizados pelo profissional em casa, como uso da energia elétrica ou serviço de internet, podem ser transferidos para o empregador. “Ainda estamos em uma zona cinzenta. Por ser uma alteração recente, questões desse tipo podem vir a ser um problema judicial para os empregadores”, avalia o advogado.

Por essas razões, para evitar litígios, a melhor saída para as instituições é elaborar contratos que regulamentem bem a jornada de trabalho dos colaboradores e professores. Neles, estabelecer os horários em sala de aula e fora dela, e mesmo controlar o acesso a e-mails e telefonemas de trabalho fora do tempo em que o profissional está disponível. Se as horas-aula forem bem estipuladas, tal como as atividades que podem ser realizadas a distância, os riscos para empregado e empregador ficam bem menores.

O advogado Nelson Mannrich afirma que a maior parte das instituições de ensino ainda não possui muito controle da jornada e das atividades desempenhadas pelo professor, mas tem observado um movimento da área. “Quem ainda não fez está correndo atrás, para que lá na frente não venha a pesar no bolso”, avisa.
Caso venha a surgir a necessidade de o docente precisar de mais tempo além do estipulado, seja para realizar monitorias, atendimentos a distância ou outras funções, será uma decisão da instituição determinar qual o procedimento. “As instituições de ensino podem proibir e prever punições para quem começar a trabalhar sem permissão além da jornada estipulada”, atesta Paulo Sérgio João, advogado e professor de direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Novas responsabilidades

Por outro lado, com o maior rigor, também despontam oportunidades. Uma é a possibilidade de poder avaliar a produção de um docente. Isso porque ele poderá mostrar à instituição resultados mais exatos sobre as suas atividades, como a eficiência para responder questionamentos virtuais de alunos por um determinado número de horas.

Na opinião de Fredric Litto, presidente da Associação Brasileira de Educação a Distancia (Abed), o momento é propício para repensar as obrigações e responsabilidades do professor. Ele reitera que nenhuma instituição de ensino deve colocar no mesmo nível, mesmo financeiro, professores produtivos, que buscam formas de inovar o trabalho, e pouco produtivos.

Mas Litto chama a atenção para que a lei não sirva somente para transformar a regulamentação em uma discussão sobre o número de horas de uma jornada. “O trabalho de um educador não deve ser pensado em horas, e sim pela contribuição que ele agrega à academia”, completa. (Filipe Jahn)