A tecnologia tem causado mudanças profundas em todos os setores da economia. Essas transformações também já estavam afetando a educação e o ensino superior, ainda que de forma mais lenta. A pandemia da Covid-19, no entanto, serviu como um catalizador dessas mudanças, forçando que escolas, instituições de ensino, professores, alunos e governo passassem a encarar o papel da tecnologia como protagonista no universo educacional.

“2020 é o ano da tecnologia”, decretou o diretor-executivo do Semesp, Rodrigo Capelato, durante a abertura da décima segunda edição do Seminário de Tecnologia Educacional, que teve início nesta quarta-feira, 23. “A tecnologia é a protagonista nesse momento de pandemia, ganhando uma relevância fundamental na transição das aulas presenciais para as remotas e, finalmente, convergindo com a área acadêmica”, avaliou Capelato. “Em 2020, as IES receberam carta branca para realizar transformações importantes em termos de inovação”.

Realizado de forma virtual pela primeira vez, o Seminário de Tecnologia Digital abriu um espaço virtual para a discussão de temas que têm se mostrado cada vez mais importantes para o setor educacional, em especial o ensino superior. O uso da Inteligência Artificial em múltiplas vertentes, da captação, permanência, atendimento, avaliações e cognição. Os impactos que as Tecnologias de Aprendizagem podem trazer para os estudantes e a própria forma como as aulas são conduzidas. A importância da segurança e tratamento dos dados captados pelas instituições de ensino superior no momento em que a nova Lei Geral de Proteção de Dados entra em vigor.

Emprego de Tecnologias no Mercado Educacional

Antes da apresentação das palestras e debates sobre os temas, o Seminário de Tecnologia Educacional apresentou os resultados da Pesquisa sobre Emprego de Tecnologias no Mercado Educacional, realizada pelo Instituto Semesp em parceria com o Lyceum Educacional, com participação de cerca de 100 IES brasileiras. Entre os objetivos da pesquisa está a medição da maturidade tecnológica das IES em relação às novas tecnologias. “A transformação digital já vem acontecendo há anos, mas a área de educação sempre demorou para responder essas demandas”, afirmou Fábio Cespi, diretor do Lyceum Educacional, ao apresentar alguns dados da pesquisa. “A Covid-19 acelerou esse processo de digitalização, então é importante sabermos como as IES estão em relação a essas mudanças, em especial no sentido da governança”, disse. A pesquisa está disponível na íntegra para os associados do Semesp aqui.

Inteligência Artificial

Inicialmente vista como uma piada, com poucas pessoas acreditando em sua potencialidade como recurso, a Inteligência Artificial vem ganhando espaço, principalmente porque, atualmente, existem forças econômicas favoráveis à transformação digital. Sua ampliação também tem impactado a área da educação, com uma série de potencialidades que começam a ser exploradas.

Para o diretor de Tecnologia da Unicesumar, Rodrigo Estevam, a realidade brasileira de aplicação da IA na educação não difere muito dos outros países. “A educação precisa amadurecer muito quando se fala de Inteligência Artificial. O primeiro passo que as IES precisam dar é em relação à aprendizagem adaptativa e personalizada, mas os usos são imensos e voltados à análise preditiva, identificação de lacunas de aprendizagem, utilização de assistentes virtuais, chatbots, proctoring e outras aplicações que garantem segurança em avaliações, por exemplo, caso do reconhecimento facial”, citou.

“Existe um processo de amadurecimento que não pode ser pulado para que a virtualização do ensino alcance uma complexidade maior de resultados”, decretou Estevam. “Mas as IES não consideram que existe muita coisa que pode ser feita a partir de passos simples”, defendeu ele. “Uma questão que fica em segundo plano são as implicações éticas e morais do uso dessa tecnologia. A educação precisa acreditar mais no uso da IA, mas a partir de padrões éticos bem definidos, com qualidade de dados bem estruturada para atingir os resultados esperados”.

Paulo Tomazinho, da Meta Aprendizagem MoonshotEdu, também destacou a importância que a tecnologia está ganhando, tornando-se o coração de qualquer empresa que quer se manter relevante. “Isso não é diferente com a educação e as instituições de ensino superior. É necessário que os mantenedores, líderes de gestão e de tecnologia compreendam que a inovação está diretamente relacionada com o crescimento de uma IES”, afirmou.

Para Tomazinho, a ideia de Tecnologia da Informação está perdendo espaço para o conceito de Tecnologia Educacional, que, no futuro, vai dar lugar à Tecnologia de Aprendizagem. “Isso ainda não é muito claro no Brasil, mas as IES precisam entender que existe uma evolução e desenvolvimento desses recursos, não dá para sair do zero e já apostar em deep learning, learning machine ou IA”, pontuou ele afirmando que essa evolução é um caminho sem volta.

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Tecnologias de Aprendizagem

A rápida transição do ensino presencial para o remoto mostrou que é possível as instituições de ensino promoverem a transformação digital da educação. Mas se os recursos já existiam, por que as IES tiveram que esperar um evento extraordinário como uma pandemia para colocar essas mudanças em ação?

A diretora de Impacto Social da Cogna, Camilla Veiga, destacou que, apesar da rápida transição, a adoção das aulas remotas síncronas foi um período muito desafiador que se mostrou uma operação complexa e cheia de nuanças. “Não dava para fazer tudo igual para todas as turmas e cursos, mas era impossível também fazer tudo diferente. Tivemos que balancear entre escala e qualidade”, afirmou ela destacando que a Cogna já havia iniciado um processo de digitalização há alguns anos.

“Já tínhamos algumas atividades virtuais e distribuição online de material didático. Agora estamos desenvolvendo um ambiente 100% virtual, inclusive para realização de provas”, explicou Veiga. “Nosso objetivo tem sido se tornar mais digital na forma de pensar, entregando produtos mais valiosos para nossos alunos nesse formato. Virtualizamos grande parte de nossas atividades práticas e laboratoriais, um desafio em especial para os cursos de Saúde”, pontuou. “Outro desafio tem sido trazer os professores para dentro do jogo, mostrando os benefícios da tecnologia e transformando-os em facilitadores. Queremos que eles se sintam desafiados e instigados a usar a tecnologia a favor da aprendizagem”.

Stavros Xanthopoylos, CEO da Kitutor e conselheiro da ABED, destacou que, infelizmente, a educação ainda está na fase de verticalização em relação ao uso das tecnologias, com um foco centralizado que pouco aproveita o contexto de flexibilidade que elas permitem. Segundo Xanthopoylos, a pandemia tem se mostrado o momento ideal para romper com paradigmas, entre eles a separação do ensino por modalidades.

“Esse é o momento de forçar essa mudança. Não faz mais sentido separar ensino presencial e EAD. Inclusive, mudamos o sentido do termo EAD de educação a distância para educação por aproximação digital. Esse é um movimento sem volta e precisamos pensar em modelos pedagógicos híbridos”, defendeu.

Xanthopoylos também criticou a ideia de que o ensino EAD é de terceira categoria, apontando que a modalidade desenvolve uma série de soft skills nos alunos. “São estudantes mais disciplinados, mais flexíveis e que trabalham melhor em equipe, além de estarem mais adaptados ao uso da tecnologia”, listou. Ele finalizou reforçando que é preciso romper com a ideia de educação por modalidade, inclusive provocando mudanças na legislação.

Implementação da LGPD trará benefícios para as IES

LGPD

O último debate do dia colocou em pauta um dos assuntos mais discutidos do momento: a nova Lei Geral de Proteção de Dados, que entrou em vigor no último dia 18 de setembro. Em um mundo cada vez mais conectado onde o volume de dados expostos nas redes sociais é enorme, quem tem acesso a esses dados tem muito poder. Diante dessa crescente importância, a nova legislação estabelece uma série de medidas de segurança e tratamento dos dados dos titulares, especialmente os chamados dados sensíveis.

Alex Amorim, head de Segurança e Privacidade de Cogna, iniciou sua fala esclarecendo que não existe privacidade sem segurança, uma coisa depende da outra. Segundo ele, as empresas, inclusive as IES, estão vivendo um momento único com a entrada em vigor da lei. “É um cenário confuso, mas não basta as IES serem apenas honestas em relação à forma como elas estão tratando os dados de alunos, professores, colaboradores, etc. É preciso dar visibilidade a esses processos de proteção”, disse.

“De acordo com a LGPD, as IES se transformaram em agentes de tratamento de dados e precisam cumprir as demandas da legislação. Entre elas está a criação do cargo de Data Procteting Officer (DPO), uma pessoa encarregada de monitorar como está o tratamento de dados dentro da empresa”, lembrou Amorim. “É uma pessoa responsável por orientar os times de atendimento, negócio e técnico, um grande orquestrador do processo de fiscalização do tratamento de dados”. Segundo Amorim, existe um mundo antes e depois da LGPD e é preciso que as IES entendam muito bem como a LGPD trata questões como bases legais e consentimento.

Marcio Guimarães, consultor e especialista em Governança de Dados e LGPD na Sky Brasil, explicou que existe muito a ser feito pelas instituições de ensino e que uma implementação adequada da LGPD deve durar em torno de um a dois anos. “Esse tempo vai depender muito do tamanho da quantidade de parceiros que a empresa possui. Mas o primeiro passo é a mudança de cultura em relação à tecnologia e como os dados devem ser tratados e governados”, avaliou.

Guimarães destacou que a principal preocupação é com o tratamento dos dados sensíveis, aqueles que podem criar categorizações das pessoas e deduções comportamentos. Outro desafio segundo ele é sobre os dois fundamentos da LGPD: a base legal e o consentimento.

O Seminário de Tecnologia Educacional prossegue nesta quinta-feira, 24, com discussões sobre tecnologias de captação e retenção de alunos, BOTs e experiência do aluno. As inscrições ainda estão abertas aqui.