A expressão coloquial inglesa “to moodle” pode ser traduzida em algo despretensioso como “passear pela internet”. Já o software educacional Moodle está bem longe de ser apenas uma distração. A ferramenta é base de mais de 70 mil sites com ambientes virtuais de aprendizado, espalhados por 200 países e atingindo cerca de 57 milhões de usuários. No Brasil, através de empresas parceiras como a Digital SK, 350 mil alunos usam o programa.

Martin Dougiamas, o criador da plataforma, afirma que a popularidade do Moodle se deve ao fato de ele ser gratuito e ter os códigos livres. Isso significa que qualquer usuário (com conhecimentos suficientes) pode fazer mudanças no software, para melhorá-lo de acordo com os objetivos.

Em entrevista para a revista Ensino Superior concedida por e-mail Martin diz que a combinação das novas tecnologias com a educação a distância está promovendo uma grande mudança, na qual o modelo tem agregado qualidade de ensino e está passando a ser considerado um diferencial para o mercado de trabalho. No entanto, para Martin, nada disso pode se sustentar por muito tempo sem o engajamento dos personagens responsáveis pela transmissão do conteúdo: os educadores.

Ensino Superior – O Moodle é um software livre. Quais intenções esse formato propõe, quando pensamos em educação?
Martin Dougiamas – Como o Moodle é um programa open source, há uma série de implicações possíveis. Primeiramente, significa que o software não tem custo. Por isso, qualquer educador pode fazer o download dele e experimentá-lo imediatamente. Em segundo lugar, o Moodle é livre no sentido de que os códigos são completamente abertos. Nós ficamos trabalhando bastante tempo para ter certeza de que outras pessoas possam ler nossos códigos, entendê-los e assim promover as mudanças que elas acham necessárias para suas realidades locais e terem oportunidade de consertar qualquer erro que encontrarem. E muitas dessas mudanças são compartilhadas na comunidade virtual do programa, criando um ecossistema da plataforma. Em terceiro, como esse código é completamente aberto, há certa segurança, já que o programa não pode ser tirado do mercado por uma empresa, seja por qualquer razão. Isso é importante para as instituições educacionais.

Há uma noção atual de que as novas tecnologias podem ser a grande solução para atrair a atenção dos estudantes e transmitir conhecimento. Como você enxerga essa perspectiva?
Não podemos acreditar que seja exatamente esse o caminho. Nenhum tipo de tecnologia pode, realmente, conseguir resolver todos os problemas da educação. E antes de qualquer coisa, um educador precisa saber utilizar uma combinação de velhas e novas tecnologias que ele acredita ser apropriada para atingir seus objetivos em sala de aula. Nesse aspecto, o Moodle é somente uma tecnologia dentro dessa mistura necessária. Trata-se, sobretudo, de uma ferramenta que tende a promover a colaboração e o engajamento em torno de um tópico em particular, mas que precisa ser guiada por um especialista da área.

No ponto da evolução tecnológica a que chegamos hoje, cursos totalmente a distância equivalem em termos de qualidade, ou podem equivaler, a cursos presenciais?
Não tenho dúvida nenhuma disso. Já existem grandes exemplos, em diversos países ao redor de todo o mundo, de cursos on-line, com toda a sua carga-horária a distância, que obtiveram bastante sucesso em atrair alunos, oferecer conteúdo de qualidade e ser bem avaliados pelo mercado. No entanto muito desse êxito é consequência direta das técnicas e habilidades dos professores responsáveis pela condução do curso. Por isso entendo que docentes são tão importantes como nunca no processo de aprendizagem aplicado nesse meio. É só observar. No passado eles não foram substituídos por livros. Não vai ser agora que eles serão trocados por sites na web ou aplicativos móveis.

O ensino a distância virtual é um modelo mais propício para promover um aprendizado colaborativo?
Em primeiro lugar acredito que o resultado final depende principalmente das habilidades do tutor, tanto na porção off-line quanto on-line de um curso. Ainda assim, certamente podemos dizer que o modelo a distância virtual é mais flexível que o presencial, especialmente porque há uma possibilidade menor de distração do estudante por coisas reais. Ele acaba sendo levado a dar mais atenção às ideias apresentadas. De qualquer maneira, ainda que a colaboração on-line possa ser algo muito bom, no geral é melhor se todos os envolvidos tiverem se encontrado pessoalmente em algum ponto.

O que muda no papel do professor quando ele passa a ser uma figura virtual para os alunos?
Nesse momento qualquer educador precisa ser um verdadeiro agente de reação, extremamente proativo. O objetivo é que assim ele consiga ajudar a estimular o grupo que está recebendo o aprendizado virtualmente. Diferentemente de uma sala de aula presencial, o professor on-line não pode ser “visto” pelos seus alunos, a menos que ele esteja escrevendo ativamente ou promovendo ações todos os dias na plataforma de ensino virtual. Os estudantes precisam sentir sempre que há alguém escutando e reagindo, mesmo que de uma maneira indireta.

De que maneira esse modelo a distância pode afetar as metodologias de avaliação dos alunos?
De certa maneira, acredito que muitas coisas continuam do mesmo jeito: um professor pode continuar a propor testes e trabalhos de produção textual a seus alunos, por exemplo. Só que há novos métodos de avaliação aparecendo, consequência do montante de dados que é possível obter através dos recursos tecnológicos; o que os estudantes estão fazendo on-line, o que eles estão lendo e quando, como eles estão interagindo uns com os outros e por aí vai. Percebo todo um campo de análise que está surgindo atualmente e é bastante excitante pensar que educadores podem ter, a partir disso, um melhor entendimento sobre seus alunos que jamais tiveram.

Quais cuidados você recomendaria para implantação de ambientes virtuais de aprendizagem?
Que se deve ter na cabeça desde o princípio que, para obter êxito, é preciso desenvolver um curso sem pressa. A partir dessa compreensão, começar com uma solução combinando situações de ensino off-line e on-line, evoluindo a partir desse ponto. Além disso, é muito importante manter a interface do software utilizado simples e objetiva. A página da web não deve conter muitos gráficos, animações e dispositivos que prejudicam a visão. Os educadores devem se manter ativos, não apenas enchendo os estudantes de arquivos e sumindo. Outro fator primordial é requisitar frequentemente dos alunos um feedback, que deve servir como base para melhorar o que for necessário.

Você tem acompanhado a forma como as instituições brasileiras utilizam o Moodle?
Conheço alguns casos interessantes no país, mas, francamente, não em detalhes suficientes para fazer uma boa análise. Ainda assim, estou bastante interessado em ver pesquisas sobre o que acontece no Brasil atualmente. De qualquer maneira, o conselho que dei aos gestores de ensino antes é completamente fundamentado no desejo de que esse modelo de implantação aconteça em instituições de diversos países ao redor do mundo.

Quais os motivos do aumento do investimento de grandes instituições como Columbia e MIT na EAD?
Possivelmente por causa da idade dos administradores e professores dessas instituições. Estamos tratando de um campo relativamente novo com diversos níveis diferentes de sucesso e possibilidade de risco para alguns profissionais. Mas a popularização dos smartphones está atraindo todo mundo para essas possibilidades tecnológicas. Dessa maneira, eu acredito que o futuro está se tornando mais claro para um número maior de pessoas.