Mais focados e integrados às necessidades do setor produtivo, cursos superiores de tecnologia apresentam-se como ótima alternativa em meio à crise. Formação técnica de nível superior tem mostrado crescimento robusto

por José Eduardo Coutelle

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A tão falada crise político-econômica brasileira, além de todos os efeitos sociais perversos, tem também alimentado um movimento que pode dificultar a retomada das atividades produtivas no país. Afinal, o aumento do desemprego, combinado com a expressiva diminuição do crédito estudantil, tem levado muitos dos 39 milhões de potenciais candidatos ao ensino superior, segundo números da recente pesquisa Semesp/Data Popular, a adiar o projeto de obtenção de um diploma.
Com a retração de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 – e a previsão de uma nova queda igual ou pior para 2016 – o governo federal reduziu o orçamento para o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e para o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), políticas que davam fôlego à expansão do ensino superior privado no país.

Nesse cenário, o aumento da oferta de cursos superiores de tecnologia pode ser estrategicamente importante para as faculdades e universidades particulares e também para aqueles que buscam melhorar suas qualificações profissionais para retornar ao mercado de trabalho.

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Pelo fato de serem mais curtos (de dois a três anos, em média), mais simples de formatar, por serem mais específicos (voltam-se normalmente a uma etapa do processo produtivo), em média 20% mais baratos que os bacharelados, terem alta empregabilidade (em torno de 70%, segundo pesquisa da CNI) e dialogarem fortemente com a produção regional, os cursos tecnológicos podem ser uma interessante opção para instituições de pequeno e médio porte.
Outra possível vantagem competitiva dos cursos de tecnologia é o fato de a oferta na modalidade ter boa receptividade à educação a distância. Entre 2013 e 2014, últimos dados oficiais disponíveis, houve crescimento de 12,7% nas matrículas dos tecnológicos em EAD, enquanto o número de estudantes inscritos nos cursos presenciais permaneceu estável.

Numa análise de mais longo prazo, de 2003 a 2014, os cursos tecnológicos acumularam oito vezes mais matrículas, detendo, em 2014, 13,2% do total de alunos do ensino superior. Também em 2014, os tecnológicos detinham 1,029 milhão de alunos matriculados.

Ouvir o mercado
No entanto, uma das características mais relacionadas à própria natureza dos cursos tecnológicos pode estar sendo negligenciada por grande parte das instituições de ensino privadas, comenta o consultor em gestão educacional Edwin Parra Rocco. Nos cargos de presidente do Instituto Intaag de Desenvolvimento Social e de avaliador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Rocco circula o país e mantém contato direto com inúmeras faculdades. Em sua opinião, grande parte delas não ouve de fato as demandas do mercado e continua desenvolvendo sua estratégia para captação de alunos com base na publicidade de massa.

Para o consultor, o caminho ideal para a formatação de um curso tecnológico de sucesso passa, necessariamente, pela abertura de parcerias com entidades de mercado logo no desenvolvimento da matriz curricular. Isso significa uma inversão de processo, passando do particular ao geral. Ou seja, é preciso primeiro ouvir as demandas locais para, em seguida, definir quais cursos abrir e quais direcionamentos tomar. Dessa forma, os alunos terão maior garantia de empregabilidade ao receber o diploma. Esse fato desencadeará uma espiral de sucesso: turmas mais cheias, publicidade gratuita – advinda das próprias parcerias com o mercado e dos seus alunos empregados – e retorno financeiro.

Mas o cenário real, na maioria dos casos, é outro. “É muito raro uma instituição de ensino superior fazer pesquisas junto a quem detém as vagas de trabalho. O que ela faz é uma estimativa com base nos dados do IBGE”, destaca Rocco. E esse atropelo inicial pode ser decisivo para a vitalidade de um curso tecnológico. O consultor afirma que desenvolver o trabalho em parceria com as empresas dá resultado, gera turmas cheias e acaba com as vagas ociosas. E salienta que as próprias empresas acabam indicando os alunos para os cursos. “Esse é um processo muito interessante, mas não acontece como regra. Não é custoso. É simples, estratégico e não requer grandes conhecimentos”, completa.

Divulgação de possibilidades
A natureza dos cursos tecnológicos permite que seus desenhos sejam feitos de forma modular, o que faculta ao aluno obter certificações parciais ao longo de sua graduação. Ao contrário de um bacharelado tradicional, em que o estudante só recebe o diploma após concluir todas as disciplinas, estágios e, em alguns casos, trabalhos de conclusão de curso, nos tecnológicos é conferida ao aluno uma certificação diferente após a conclusão de cada um dos três últimos módulos.
Tomando como exemplo o curso de processos gerenciais, ao fim do segundo semestre, o aluno recebe a certificação parcial de auxiliar administrativo, que o qualifica a galgar uma melhor posição no mercado de trabalho. Ao completar o terceiro semestre, esse mesmo estudante agora tem a certificação de assistente em administração. Ao concluir o curso, por fim, recebe o diploma de tecnólogo. Porém, segundo Rocco, as instituições de ensino superior simplesmente ‘esqueceram’ de divulgar essas possibilidades. “As escolas escrevem isso nos currículos dos cursos, mas, na prática, não fazem. A informação não é divulgada nem no marketing interno das instituições de ensino e nem utilizada para a captação dos alunos. Não é anunciada em lugar nenhum”, ressalta.

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O professor da Fundação Instituto de Administração (FIA) e autor do livro Guia de Cursos Tecnológicos 2009, Fabiano Caxito, também acredita que as instituições de ensino superior possam explorar ainda mais o mercado dos cursos tecnológicos. Ele destaca duas medidas importantes. Em primeiro lugar, as escolas deveriam investir mais na abertura de parcerias com empresas que busquem desenvolver as competências de funcionários e colaboradores. Em segundo lugar, as faculdades precisam fugir de concorrências desnecessárias, atualmente muito comum entre elas. Para isso, o professor indica que as instituições identifiquem alguns nichos de mercado em que desejam operar e se posicionem como referência na especialidade escolhida. Essa prática aumentaria a qualidade dos cursos, fidelizaria os alunos e evitaria a evasão para os concorrentes.

Sem preconceitos
A Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape), unidade da Fundação Getulio Vargas (FGV), compreendeu bem a importância dos cursos de tecnologia e o impacto deles no atual cenário brasileiro. A instituição mantém cinco cursos, alguns com avaliação máxima no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) e no Conceito Preliminar de Curso (CPC), como é o caso do curso superior de tecnologia em processos gerenciais. Por meio de parcerias bem delineadas com o mercado e um currículo atualizado, eles prometem ganhar ainda mais protagonismo na Ebape. Atualmente os cursos de tecnologia somam aproximadamente 1,3 mil alunos – cerca de 80% dos estudantes da escola. Em função da demanda crescente, esse montante deve disparar nos próximos anos.

Bernardo Guelber Fajardo, coordenador executivo das graduações tecnológicas da Ebape, diz que, depois de identificar uma demanda crescente, apontada em pesquisas de mercado, a instituição decidiu dar o salto necessário e intensificar a formação na área. “Vamos reformular nossos cursos para que, em 2017, comecem a crescer vertiginosamente”, adianta. Segundo Fajardo, a intenção é de que até 2020 a escola inicie o ano com cerca de cinco mil alunos matriculados, o que representará um crescimento de quase 300%.

Fajardo entende que o mercado já extirpou todos os preconceitos contra a graduação tecnológica e vê com bons olhos os cursos altamente especializados e voltados para as demandas atuais. Dessa forma, a modalidade ganhou relevância e se tornou mais atraente para a instituição de ensino. “Enquanto gestor, você quer investir no que tem maior potencial de retorno. E o retorno é colocar as pessoas no mercado de trabalho. O tecnólogo tem uma margem de expansão muito maior hoje em dia. As empresas estão demandando cada vez mais. Já o bacharelado e a licenciatura estão próximos de um nível de saturação”, diz o coordenador.

Outra oportunidade identificada por Fajardo, esta sim provocada pelo momento de crise, é a de recolocação profissional. No caso de uma pessoa que eventualmente venha a ficar desempregada, os cursos tecnológicos seriam uma eficiente, rápida e menos dispendiosa opção. No caso dos cursos de administração da FGV, o valor do tíquete médio dos tecnológicos é de R$ 650 contra R$ 3 mil da mensalidade do bacharelado. De acordo com o coordenador da Ebape, casos como esse foram identificados diversas vezes durante a realização das matrículas para o período letivo de 2016.

Questão de informação
O perfil dos alunos de cursos de tecnologia vem mudando bastante ao longo dos últimos anos. Inicialmente formado por pessoas adultas, na casa dos 30 anos de idade, já inseridas no mercado e que buscavam uma requalificação, esse perfil passou a ser cada vez mais voltado a alunos mais jovens que buscam uma primeira formação.

Tal característica foi constatada pela Feevale, universidade sediada na cidade gaúcha de Novo Hamburgo, região metropolitana de Porto Alegre, que oferece 12 cursos de tecnologia. Apesar de identificar um público bem heterogêneo, uma considerável fatia dos seus alunos já começa a cursar as graduações tecnológicas após concluir o ensino médio.

A reitora Inajara Vargas Ramos conta que a instituição passou a ofertar os cursos em 2007. Inicialmente, percebeu-se certo desconhecimento acerca da natureza dos cursos de tecnologia, coisa que hoje não acontece mais. Inajara interpretou o não entendimento inicial por parte dos estudantes como algo natural, visto que a modalidade era ainda inexistente e que os cursos tecnológicos eram constantemente confundidos com os cursos técnicos, já consagrados à época, e que ofereciam certificação apenas de nível médio.

Essa confusão, porém, ainda é perceptível entre estudantes de diversas procedências, o que força as instituições de ensino superior a gastar energia para desfazer o mal-entendido.

Uma pesquisa Semesp/Data Popular, divulgada em março último, apontou que os cursos tecnológicos ainda são pouco conhecidos do público geral e por diversas vezes confundidos com os técnicos. O coordenador da Ebape, Bernardo Fajardo, também percebe essa tendência, porém, lembra que as funções dos egressos dos cursos de tecnologia e dos cursos técnicos estão cada vez mais claras. “As diferenças são nítidas. O técnico dá um diploma de nível médio e o tecnólogo de ensino superior”, ressalta.

Já Edwin Rocco vai além. Ele ressalta que é dever das faculdades esclarecer essas dúvidas. Durante a realização das avaliações do Inep, em visita às instituições de ensino, o consultor conta que costuma ouvir dos alunos perguntas relativas à validade do diploma, às diferenças em relação ao bacharelado e se é possível fazer uma pós-graduação após sua conclusão.

O cenário mostra que, além da necessidade de aproximação das forças produtivas, as IES precisam investir mais em seus processos de comunicação com alunos e potenciais estudantes para promover os cursos tecnológicos.