Investir na formação de pós-graduados é fundamental para melhorar a qualidade do ensino superior e contribuir para o desenvolvimento do país. Saiba como se preparar e conheça as áreas cruciais para esse avanço

Por Amanda Cieglinski | Ilustração: Fernando Brum

Em 2011, 12.217 alunos receberam o título de doutor. Outros 39.220 conseguiram o diploma de mestre. Eles agora fazem parte de um restrito grupo de brasileiros que têm pós-graduação. O número contribui para a população de titulados no país, que nos últimos 15 anos cresceu mais de 300%. Mas o ritmo ainda é insuficiente para atender às novas demandas que surgem a cada dia – seja para formar o corpo docente das instituições de ensino superior que estão em plena expansão, seja para atender às demandas da economia que procura profissionais cada vez mais qualificados.

Em 1996 eram 13 mil mestres e doutores formados por ano, patamar que chegou a 55 mil em 2011. Já o número de programas de pós-graduação em funcionamento cresceu 156% no mesmo período. Na “linha de produção” de novos mestres e doutores, as universidades públicas seguem sendo responsáveis pela formação da maior parte deles: 81% dos titulados em 2011 receberam o diploma de estabelecimentos públicos. Mas é nas instituições particulares que a pós-graduação cresce em ritmo mais acelerado. Em 1996, apenas 1.601 titulados eram formados pelas privadas, número que chegou a 10.113 em 2011 – um crescimento de 532%. No mesmo período o número de titulados nas públicas aumentou 278%. A análise é do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp) a partir de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

“Vemos com muito bons olhos esse movimento do setor privado. O que continuamos a exigir é a qualidade dos cursos. Algumas instituições têm vindo muito bem nas avaliações”, aponta o presidente da Capes, Jorge Guimarães. O órgão do governo responsável pela organização do sistema nacional de pós-graduação aposta que o número de matrículas e de titulados seguirá crescendo.

A meta estipulada no Plano Nacional da Pós-Graduação é que em 2020 o país esteja formando 25 mil doutores por ano, o dobro do patamar atual. A ambiciosa meta se justifica pelo fato de que o número de titulados ainda está muito aquém das necessidades do país. Uma base de comparação utilizada pela Capes é o número de doutores para cada mil habitantes. Em 2009, a média brasileira era de 1,4, enquanto a Austrália registrava um índice de 5,9, os Estados Unidos 8,4 e a Alemanha 15,4 doutores por mil habitantes.

“Temos um número de doutores bastante inferior a vários países em estágio de desenvolvimento igual ao nosso. Nossa meta é chegar a um nível semelhante ao da Austrália. Esse é um modelo interessante de comparação porque demonstra a capacidade do país em ter pessoal qualificado para enfrentar os desafios postos”, aponta Guimarães.

Entre os desafios no encalço da expansão com qualidade do ensino superior está justamente a falta de mestres e doutores no país. A própria expansão das universidades federais, com a criação de vários novos campi no interior do país, faz a demanda por titulados continuar crescendo.

Para se ter uma ideia da carência de recursos humanos da qual padece a rede federal, nós próximos anos deverão ser contratados 44 mil professores. Desse total,  cerca de 20 mil integrarão o corpo docente das 59 universidades federais. O projeto que autoriza a criação dos novos cargos foi aprovado em maio pelo Congresso Nacional e já sancionado pela presidente Dilma Rousseff.

“Com a expansão das federais houve uma forte demanda por novos professores em um período muito curto. O que acontece é que agora necessitamos fazer um incremento na pós-graduação ainda maior do que vínhamos fazendo”, avalia o secretário de Ensino Superior do Ministério da Educação (MEC), Amaro Lins. Ele afirma que em alguns casos a demanda é suprida pelas próprias universidades recém-criadas, já que o surgimento de novos cursos e campi se deu em paralelo ao fortalecimento dos programas de pós-graduação.

Problema regional
A maior dificuldade está sendo nas universidades do Norte e Nordeste, principalmente fora das capitais, onde faltam mestres e doutores para compor o corpo docente. “A interiorização é uma estratégia para possibilitar que os jovens do interior tenham acesso a uma educação de qualidade. Mas não é um processo simples”, diz Lins.

Para o secretário do MEC, a solução é fortalecer os programas de pós-graduação nesses locais, já que a cultura da mobilidade ainda é pequena e é difícil atrair mestres e doutores formados no Sul e Sudeste para trabalhar nas novas instituições. Uma das iniciativas do ministério foi priorizar a distribuição de bolsas de pesquisa naquelas regiões.

Em muitos estados em que há carência de titulados os cursos de pós-graduação são exclusividade da universidade pública. Em 2011, nenhuma instituição particular oferecia cursos de mestrado ou doutorado em Alagoas, Acre, Amapá, Mato Grosso, Paraíba, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia e Tocantins. Enquanto isso, São Paulo concentrou sozinho 30% das matrículas da pós-graduação.

A contribuição do setor privado para atingir as metas previstas de crescimento da pós-graduação é vista, no entanto, com bons olhos pelo governo. “O Brasil realmente precisa de uma formação de pós-graduados muito maior do que ainda fazemos e o sistema de educação é um só. Independentemente de ser público ou privado, precisamos tratar da qualidade e dos objetivos como uma coisa única”, afirma Amaro Lins, do MEC.

O diretor-geral acadêmico da Laureate Brasil, Oscar Hipólito, também ressalta a importância das instituições particulares para ajudar a titular professores mestres e doutores na quantidade necessária. “Não vejo como o Brasil pode se desenvolver com toda a potencialidade se o setor privado não for mobilizado”, analisa Hipólito.

Nas universidades federais, algumas áreas sofrem mais com a falta de mestres e principalmente doutores. Entre eles os cursos na área de direito – os bacharéis em geral buscam um concurso em vez da carreira acadêmica –, as engenharias e algumas especializações na área da saúde. A estimativa é do secretário-executivo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Gustavo Balduíno. Ele defende, porém, que a responsabilidade pela formação do corpo docente é das universidades públicas e não das privadas. “Quem faz doutorado no setor privado tem expectativa de investir na sua carreira profissional, não na academia. O país precisa de todos, mas cada setor tem uma vocação diferente”, acredita.

A professora Elizabeth Balbachevsky, da Universidade de São Paulo (USP), concorda. Para a pesquisadora especialista em políticas para o ensino superior, poucas instituições no setor privado têm o perfil necessário para desenvolver um bom programa de pós-graduação, a partir do foco na pesquisa. “A maior parte das instituições particulares tem foco no ensino e isso é legítimo e importante”, diz.

Melhora da qualidade
Mesmo considerando diversas opiniões a respeito do papel de cada instituição na formação dos novos especialistas e pesquisadores, seja para compor o corpo docente das faculdades ou para atender ao desenvolvimento da indústria do país, o investimento em programas de mestrado e doutorado também tem efeito direto sobre a qualidade do ensino superior como um todo. Isso porque o corpo docente mais qualificado e a produção de conhecimento e inovação afetam diretamente a qualidade dos cursos de graduação. De acordo com o consultor educacional Carlos Monteiro, da CM Consultoria, a pós-graduação pode ser, inclusive, um diferencial da instituição no mercado do ensino.

“As grandes empresas de tecnologia procuram essas instituições [que têm bons programas de pós] para estabelecer parcerias. Isso tem reflexo na graduação – todas as particulares que trabalham forte na pós-graduação têm um bom IGC [Índice Geral de Curso], atraem os melhores professores e os melhores alunos”, avalia.

Investimento de peso
Instituições de ensino que investiram pesado para criar bons programas de pós-graduação comemoram os resultados positivos. Mas para conseguir um bom desempenho na pós é preciso estar ciente de que os frutos não aparecem da noite para o dia. O investimento é em longo prazo.

Na opinião de especialistas, o primeiro passo é incentivar a produção científica entre o corpo docente para, aos poucos, consolidar as linhas de pesquisa. Esse foi o caminho da Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), que em 1997 criou o primeiro programa de pós-graduação. Segundo a reitora Sueli Marquesi, o objetivo era justamente “diferenciar a instituição academicamente”.

“Com a criação de projetos de pesquisa, as linhas de estudo foram se delineando e quando começaram a ter produtividade o mestrado nasceu automaticamente. Naquele momento optamos por algo que ia ser um diferencial porque poucas instituições privadas tinham programas de pós-graduação”, explica Sueli. Hoje a Cruzeiro do Sul tem oito cursos de mestrado e três de doutorado. Em 2011, formou 120 mestres e 13 doutores.

De acordo com Carlos Monteiro, as faculdades e centros universitários que sonham em ser uma universidade devem começar por conta própria a investir na produção científica para que os programas de mestrado e posteriormente de doutorado venham como uma sequência natural. “Do ponto de vista de mercado, a pós-graduação é um divisor. As instituições particulares vão ter de continuar primando pela qualidade da graduação, mas aquelas que quiserem ser consideradas como de excelência sabem que não poderão continuar em guerra de preços, mas sim cobrar um valor adequado para que possam investir na pós”, explica o consultor.

Foi justamente a questão financeira o mote da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) para garantir o sucesso dos mestrados e doutorados. “Há alguns anos optamos por fazer um sacrifício e abrir mão da cobrança da mensalidade na pós-graduação. Com isso nós disputamos os melhores alunos do país com as universidades públicas. Foi uma estratégia para primar pela qualidade dos programas e isso vale a pena porque traz uma imagem altamente positiva para a instituição”, explica o coordenador de Pós-graduação e Pesquisa da PUC-Rio, Paulo César Duque Estrada.

Demanda de mercado
A academia ainda é o caminho natural para a maioria dos pós-graduados, mas a demanda por profissionais altamente qualificados em algumas áreas como a indústria e a construção tem mudado essa trajetória. Outros mercados começam a se abrir para quem tem um título de mestre ou doutor e parte dos alunos já ingressa na pós-graduação de olho nessa qualificação.

“Mais de 70% dos nossos doutores ainda vão para o setor acadêmico, mas isso começa a mudar em várias áreas. É salutar que a demanda do setor não acadêmico cresça de maneira que a gente tenha perspectivas cada vez melhores para os titulados”, avalia Jorge Guimarães. Para o presidente da Capes, as áreas tecnológicas e principalmente as engenharias são os grandes gargalos.

Na avaliação de Oscar Hipólito, se o mercado passar a exigir mais doutores, faltarão professores titulados para atender as instituições, principalmente nas particulares em que essa necessidade é ainda maior. “A gente percebe muito bem essa evolução quando a economia brasileira cresce muito; quem padece mais são as universidades porque esse pessoal começa a ir para as empresas”, aponta.

Diante desse mercado cada vez mais carente por profissionais com alta qualificação, as instituições de ensino interessadas em abrir novos programas de pós-graduação precisam fazer um trabalho de “futurologia”. É necessário trabalhar a partir da projeção de quais serão as futuras demandas de mercado. Além das engenharias, sempre citadas como um gargalo da formação, Hipólito aponta outras áreas que estarão em alta nos próximos anos, entre as quais os cursos de saúde, como fisioterapia, medicina preventiva e enfermagem, cujos profissionais serão cada vez mais demandados diante da perspectiva de envelhecimento da população brasileira.

“Em educação nada surte efeito em menos de dez anos. O sistema educacional padece por falta de planejamento, temos hoje uma demanda enorme por engenheiros, mas isso não foi pensado há dez anos. A universidade tem de estar à frente do mercado e antecipar as demandas, pensar os empregos do futuro com antecedência”, indica Oscar. Ele aponta ainda a informática, a biotecnologia e todas as áreas da tecnologia como apostas para os próximos anos.

 

Matrículas por área na pós-graduação em 2011
Linguística, letras e artes: 3.187
Multidisciplinar: 4.192
Ciências biológicas: 4.320
Ciências agrárias: 4.884
Ciências exatas e da terra: 5.311
Ciências sociais e aplicadas: 7.091
Ciências humanas: 8.070
Engenharias: 8.175
Ciências da saúde: 11.711

 

Banco de professores
Outro efeito positivo de quem investe na pós-graduação é a retroalimentação do sistema: depois de titulados, muitos alunos começam a trabalhar como professores na própria instituição. Na Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), por exemplo, muitos docentes da graduação e da pós foram formados pelos programas da instituição. Além disso, a formação de mestres e doutores nas instituições particulares de ensino superior também tem contribuído para preencher o corpo docente das universidades federais. Cerca de 15% dos mestres e doutores titulados pela Unicsul estão trabalhando em instituições públicas de ensino superior. Em algumas áreas, a participação dos ex-alunos da Unicsul nas instituições estaduais e federais é ainda maior. No curso de mestrado em linguística, cerca de 30% dos formados até hoje estão em estabelecimentos públicos de ensino superior. Ainda segundo levantamento feito pela própria instituição, todos os quatro doutores formados no curso de ensino da ciência da matemática em 2011 trabalham em instituições federais.