Ampla pesquisa traça um perfil internacional do estudante universitário e mostra que ele enxerga o ensino superior como o principal caminho para a formação de sua carreira profissional

Por Filipe Jahn

Entender os aspectos que compõem o comportamento da juventude do século 21 é uma tarefa complexa, influenciada por uma série de fatores, como a evolução tecnológica, o crescimento urbano e as mudanças nas relações familiares. Em meio a tantas características, no entanto, é possível observar interesses, motivações e atividades em comum, que permitem identificar o perfil do jovem aluno presente no ensino superior hoje. E a partir daí, estabelecer uma relação mais próxima com ele.

Esse foi o objetivo da pesquisa intitulada “As culturas da juventude em universidades católicas”, realizada pela Federação Internacional das Universidades Católicas (Fiuc) utilizando como base quase 17 mil entrevistas com alunos com idade entre 18 e 30 anos de 34 países nos cinco continentes: Europa, Ásia, América, África e Oceania. Ainda que o levantamento monte um perfil global do estudante universitário das instituições católicas, a relevância da mostra torna as conclusões do estudo uma referência importante para todo o ensino superior, inclusive o Brasil. O questionário utilizado, com 84 perguntas, foi traduzido para 17 línguas e distribuído aos alunos em uma plataforma on-line. O maior número de respondentes veio da América do Sul.

Todas as entrevistas da pesquisa foram feitas entre abril e junho deste ano. A coordenadora do estudo, Rosa Aparício Gomez, professora do instituto universitário Ortega Y Gasset, na Espanha, espera que com os resultados as instituições de ensino superior tenham ferramentas para elaborar projetos pedagógicos que não somente atendam aos interesses dessa geração. “A pesquisa pode ser um instrumento poderoso para a formação de seres humanos mais conscientes”, sugere.

 

O que importa
Os números da pesquisa revelam que o estudante universitário do século 21 tem uma tendência ao individualismo e a prioridade urgente de uma afirmação social, especialmente através do sucesso profissional e financeiro. Nesse sentido, para a imensa maioria dos alunos entrevistados, o ensino superior deixou de ser um espaço reservado somente à pesquisa e produção de conhecimento e se tornou o principal caminho para concretizar essas realizações pessoais.

Entre as principais respostas sobre o que querem os alunos, 91% assinalaram que foram para uma universidade por considerar ser o caminho necessário para conseguir um bom emprego. Além disso, ao relacionar com os projetos mais importantes para os próximos quinze anos, percebe-se que eles desejam ter uma formação que proporcione emprego e conforto financeiro: para os próximos quinze anos, 41% pretendem fazer pós-graduação e 30% ganhar dinheiro.


O publicitário Marcos Calliari, coautor do livro Código Y, que analisa a realidade e o comportamento do mesmo público no Brasil, acredita que os números refletem um comportamento atual, no qual o jovem entende que precisa atingir, e sozinho, determinadas conquistas para ser reconhecido. “Trata-se de uma geração muito mais utilitarista do que as anteriores. Atividades que sirvam mais diretamente para atingir seus objetivos pessoais, e não da coletividade, sempre serão preferidas”, sustenta.

A vice-reitora da Fundação Educacional Inaciana (FEI), instituição responsável pela apresentação da pesquisa no Brasil, Rivana Basso, compartilha a opinião e percebe um perfil geral mais autocentrado. “De maneira geral, o grande e principal propósito é entrar no ensino superior para obter sucesso profissional. Eles são comprometidos com eles mesmos”, identifica.

Ainda assim, a família desempenha um papel central na vida do estudante. Ela é, de longe, o aspecto mais importante na vida, segundo as respostas, com 94%. Outro ponto de imenso consenso entre os entrevistados é o índice de satisfação, com 91% dos estudantes afirmando estar totalmente satisfeitos com a vida. Além disso, 71% são otimistas em relação ao futuro.

Em ambos os casos, os altos índices se devem especialmente ao momento histórico mundial no qual esses jovens cresceram. Pelo menos até 2008, ou seja, enquanto a maior parte dos universitários de hoje desenvolvia suas crenças e personalidade, houve um crescimento econômico e um acesso maior a bens e serviços.


E até mesmo pela segurança que esse contexto ajudou a propiciar, a relação com a família dessa geração apresenta características de mais suporte e proteção por parte dos pais, tanto financeiros quanto emocionais. “No Brasil, somam-se a essas questões as recentes perspectivas oti­mistas de progresso e crescimento, tornando mais claro observar a razão desses altos números”, constata Marcos Calliari.Já quando se discutem as instituições, entre as mais confiáveis para os estudantes universitários está a educacional. Isso indica que para eles a entidade educacional é, junto com a família, a principal referência não apenas de aprendizado, mas também de contato social. De fato, entre as contribuições da universidade para a vida do entrevistado, 65% afirmam que ela estimula a confiança nas próprias capacidades; 64% ajuda a alcançar os objetivos e 59%, melhora as relações com outras pessoas.

Rivana Basso acredita que os jovens confiam no setor educacional, especialmente o ensino superior, por eles planejarem e criarem expectativas da vida adulta com base na instituição em que decidiram estudar. A vice-reitora diz que, do ponto de vista do gestor, essa confiança deve ser entendida como uma responsabilidade em que a formação oferecida tenha condições de superar as expectativas dos próprios estudantes. “Precisamos atuar em parceria com eles, mostrando a possibilidade de um crescimento conjunto”, propõe.

Uma ação inevitável para atingir essa perspectiva de engajamento é estabelecer uma comunicação eficiente. Especialmente na internet. Se 86% costumam navegar na web todos os dias, 94% têm contas em redes sociais virtuais. Porém, nesse ponto o ensino superior, em muitos casos, está em descompasso com a realidade. “É como se o aluno entrasse em um túnel do tempo: tudo que ele usa intensamente fica fora da sala de aula. Os bons exemplos são raros”, critica Marcos Calliari.

Comparações
Na opinião do publicitário o perfil identificado pela pesquisa talvez não reflita pontualmente o perfil do universitário brasileiro. O publicitário entende que no caso das universidades católicas, incluindo as brasileiras, a qualidade de ensino e infraestrutura costuma ser maior e, por consequência, as mensalidades também. “Esses estudantes no Brasil tendem a ter um perfil socioeconômico mais alto, que não condiz com a média do país”, diz.

Além disso, Marcos percebe similaridades entre estudantes internacionais e brasileiros. Isso se explica, principalmente, por ser essa a primeira geração que, muitas vezes, é submetida aos mesmos estímulos sociais e culturais. “Neste contexto, não causa estranheza que muitas das crenças e valores sejam comuns”, expõe.

A análise total da pesquisa conduzida por Rosa Aparício só irá ser concluída em 2013. Porém, ela acredita que o perfil geral não irá apresentar muitas alterações na conclusão. “Alguns índices podem sofrer variações, mas não acredito que irá acontecer alguma mudança radical no perfil que foi exposto”, comenta.

A pesquisadora afirma que uma das grandes razões para que o trabalho realizado possa ser considerado único é a possibilidade, a partir dele, de produzir diferentes análises comparativas, seja por região ou por modelo econômico. Algumas dessas comparações entre o perfil de cada região já estão disponíveis. De acordo com a pesquisadora, há diferenças regionais importantes observadas. “Na América Latina, por exemplo, notei que o Brasil difere bastante dos outros países da região e, em alguns aspectos, apresenta mais semelhanças com os países emergentes, como a Índia”, diz.

Outro exemplo revela que os países mais desenvolvidos são os que menos têm interesse por questões sociais. Nesse ponto, os alunos africanos expressam uma preocupação maior que os europeus, enquanto os estudantes da América do Sul estão em um meio-termo. “Mas essas são apenas algumas das primeiras impressões”, completa Rosa Aparício. Um relatório final deve ser publicado até a metade de 2013. (F. Jahn)