CAPA | Edição 207

De acordo com levantamento, os atuais universitários têm uma visão pragmática dos estudos. A maioria espera conseguir melhores oportunidades profissionais com o diploma

por Marina Kuzuyabu

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A maioria dos estudantes matriculados no ensino superior hoje tem idade entre 19 e 24 anos, é mulher, concluiu o ensino médio em escola pública, pertence à classe média e tem nível de escolaridade superior ao dos pais, de acordo com a pesquisa do Data Popular. Os dados condizem com a realidade do país, uma vez que 80% dos alunos da educação básica estão na rede pública, as mulheres têm mais anos de escolaridade que os homens e apenas 13% da população acima de 25 anos tem ensino superior.

A área de humanas é a que concentra o maior contingente de alunos. De cada 10, quatro estão matriculados em cursos desse meio. A maior parte dos entrevistados frequenta o período noturno: 63%, praticamente o mesmo percentual de estudantes que afirmaram trabalhar (leia mais na pág. 20).

Na avaliação de Fábio Reis, diretor de Operações do Unisal Lorena, dados como esses sinalizam para as IES a necessidade de repensar seus modelos de ensino. “Depois de um dia inteiro de trabalho, não faz sentido para o estudante se deslocar até uma instituição de ensino e passar quatro horas sentado ouvindo um professor falar sobre temas muitas vezes dissociados da vida real. Nessas condições, o máximo que esse aluno faz é tomar notas. No entanto, as aulas não precisam ser assim. É possível instigar, engajar, tornar esse aluno agente de seu próprio aprendizado”, acredita o idealizador do Consórcio Sthem Brasil, grupo formado por cem professores, de 14 universidades, envolvidos em projetos de pesquisa e na implementação de metodologias ativas de ensino.

Para tornar o ensino significativo para esses jovens e adultos – elemento fundamental para conter a evasão em período de crise financeira –, Reis afirma que os professores devem aproveitar o fato de eles estarem quase sempre conectados para explorar melhor os ambientes virtuais de aprendizagem, postando vídeos e indicações de leitura, por exemplo. Outra recomendação é usar mais o recurso da sala de aula invertida, o que por sua vez faria com que os estudantes aproveitassem o tempo em sala de aula para trocar experiências. A pesquisa mostrou que 57% dos entrevistados permanecem nas instituições por cinco horas, no máximo, o que permite deduzir que a maioria não tem tempo para frequentar a biblioteca e participar de grupos de estudo.
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O sentido da graduação

Outro destaque é a percepção dos estudantes quanto à importância e à função do ensino superior. A crença de que os estudos constituem um meio de ascensão social é compartilhada por 73% dos respondentes. É uma visão que não está equivocada, atesta Naercio de Aquino. “A diferença de salário de quem tem ensino superior em relação a quem tem apenas ensino médio é de 200%, ou seja, quem tem ensino superior completo ganha três vezes mais do que quem tem ensino médio completo. Além disso, a taxa de desemprego de quem tem ensino superior é bem menor do que para quem tem ensino médio apenas”, diz.

Em conformidade com esse ponto de vista, o ingresso no ensino superior é motivado, sobretudo, pelo impacto esperado na vida profissional: 61% esperam aumentar as chances no mercado de trabalho, contra 17% que declararam o desejo de ampliar seus conhecimentos. Esse resultado confirma a relação pragmática da classe C com a educação, como lembra Meirelles. Segundo o executivo, nas classes A e B, a formação superior é geralmente associada ao ideal de realização profissional. “As pessoas buscam estudar e trabalhar com algo de que de fato gostam, que dá prazer e sentido à vida, uma vez que nessa classe a ascensão social e econômica já está consolidada ”, avalia. Já na classe média, o diploma é visto como uma forma de alcançar melhores empregos e salários, daí a razão de muitos enveredarem por áreas com mais oportunidades de trabalho.

Esse pragmatismo tem aspectos positivos e negativos na avaliação de Reis. Por um lado, os alunos chegam ao ensino superior sabendo aonde querem chegar. Por isso, trabalham focados e investem em recursos que os ajudem a alcançar a meta desejada. Esse seria um tipo de pragmatismo sábio. Quando essa postura faz com que o estudante se torne seletivo demais, descartando conteúdos e aspectos da formação que não lhe interessam, acaba sendo danosa. “O aluno tem de ter uma visão ampla de sua formação e o mesmo pode ser dito das instituições de ensino. Elas não podem pensar em formar apenas um profissional. É preciso pensar também na formação de cidadãos. A visão muito restrita da educação é ruim para o estudante, para as IES e para a sociedade”, pontua.

Independentemente da adequação dos propósitos que motiva a maioria, o fato é que grande parte dos entrevistados reconhece que a faculdade é apenas o primeiro passo. Eles sabem que o mercado está cada vez mais exigente e, portanto, que terão de investir em especializações e cursos de idiomas. Somente 4% declararam que vão parar os estudos depois de concluída a graduação, o que representa uma boa notícia para as IES.