O crescimento dos cursos abertos on-line indica um novo caminho para a formação universitária, com maior participação dos alunos na construção de seu próprio conhecimento e ampliação da relação entre as instituições de ensino

por José Eduardo Coutelle

177_27O formato tradicional de sala de aula, com a transmissão vertical do conhecimento de mestre para alunos e a cobrança da presencialidade como elementos vitais para o sucesso da formação, há muito vem perdendo espaço para a inclusão de novas metodologias e formatos, favorecida especialmente pelo apoio de tecnologias e a mudança no perfil dos estudantes que esses recursos provocam. Essa transformação avança ainda mais com o crescimento dos cursos massivos abertos on-line (ou Moocs, sigla em inglês para Massive Open On-line Courses), plataformas gratuitas de conteúdo abastecidas por instituições e professores do mundo todo e em diversas áreas.

Estabelecidos a partir da projeção dos ideais de educação aberta e evolução do sistema de educação a distância (EAD), os Moocs prometem legar aos próprios estudantes a construção de seu conhecimento, e por que não da sua formação, mudando a cara do que hoje consideramos o ensino de nível superior.

A popularização dos Moocs ganhou impulso em 2012 com a criação das plataformas americanas Coursera e edX. Só o Coursera possui atualmente mais de três milhões e meio de alunos participando de 374 cursos disponibilizados por 70 instituições do mundo todo. Rompendo barreiras geográficas e do idioma, de acordo com o último levantamento da edX, o Brasil é o quarto país com maior acesso a essa plataforma, correspondendo a 3,8% desses estudantes.

Os índices de abandono, porém, também são altos. Para se ter uma ideia, a disciplina de Introdução a Circuitos e Eletrônica do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) teve 154 mil estudantes matriculados, mas apenas 7.157 foram até o final e obtiveram a certificação – oferecida opcionalmente mediante o pagamento de uma taxa. Ou seja, somente 4,6% completaram o curso.

Ainda assim, esse número é visto com entusiasmo, pois ter uma turma de mais de sete mil alunos num mesmo curso seria praticamente impossível fisicamente, não fosse por meio da estrutura do ensino a distância.

Versão brasileira
O portal nacional Veduca é um dos primeiros, no Brasil, a reunir cursos legendados de diversas universidades estrangeiras e videoaulas das estaduais paulistas USP, Unicamp e Unesp. Acompanhando a evolução dos Moocs, o Veduca prevê lançar em breve uma versão 2.0 da plataforma, que contará com ferramentas de interação entre alunos, sistema de busca, exercícios e avaliações. A principal novidade ficará por conta da emissão de certificados – mediante o pagamento de uma taxa. Para validar a certificação, o aluno inscrito passaria por uma prova presencial.

Inicialmente serão fornecidos cursos de rápida duração, mas o diretor executivo e cofundador do Veduca, Carlos Augusto de Lima e Souza, já idealiza, num futuro próximo, a realização de uma graduação completa dentro da plataforma on-line.

O exercício é de futurologia, mas se este for um dos caminhos de destino da educação profissional, para variar, nós já estamos atrasados. “Infelizmente o Brasil é um dos países mais isolados academicamente do mundo, principalmente por causa da burocracia e do idioma. A internacionalização do ensino superior é uma tendência e sem ela as consequências podem ser drásticas”, anota o ex-ministro de Ciência e Tecnologia Ronaldo Mota, que hoje atua como professor visitante do Instituto de Educação da Universidade de Londres. Para ele, a formação segmentada e aberta é o modelo do futuro, formato defendido na Europa desde 1999 quando foi criado o Tratado de Bolonha.

De acordo com Mota, para que o Brasil dê um passo importante nessa direção, é preciso que o país comece a desenredar logo o imenso emaranhado de nós burocráticos, incluindo questões legais que emperram a ampliação do ensino a distância. Outro ponto importante e relativamente mais complicado é a equiparação e validação de disciplinas cursadas em outras instituições. “A mobilidade é uma ferramenta-chave para o profissional do futuro, e por vezes é muito mais importante que o conteúdo. É preciso abandonar essa burocracia que não é sensata”, condena Mota.

Pioneira entre as instituições particulares brasileiras a liberar parte do conteúdo dos cursos em plataformas digitais, a FGV Online aposta nesse nicho de educação como uma forma de conquistar futuros alunos pagantes, além de proporcionar a democratização do conhecimento. Desde 2008 a FGV disponibiliza cursos de pequena duração e já soma mais de 16 milhões de acessos.

Apesar de gratuito, o modelo se mostrou autossustentável, já que ao “testar” a qualidade dos cursos abertos, grande parte dos estudantes acaba se interessando por continuar os estudos em modalidades pagas. No segundo semestre a FGV Online vai disponibilizar de forma aberta um curso completo de MBA em Gestão de Pessoas. Considerando o grande número de inscritos, o potencial econômico da iniciativa ficará por conta da venda de tutorias e da validação dos créditos das disciplinas e do diploma.

A educação continuada e executiva começa a pavimentar o caminho para a idealização de cursos completos em plataformas abertas, mas isso não significa que a trajetória não seja longa. Segundo o diretor executivo da FGV On-line, Stavros Xanthopoylos, a possibilidade de uma gradução aberta é algo ainda remoto, porque existem diversos impedimentos da ordem de infraestrutura – estima-se que apenas 20% dos estudantes têm acesso à banda larga –, de questões culturais e dificuldades burocráticas – regulamentação rígida e engessada. “Particularmente vou lutar para que pelo menos no contexto da legislação a gente passe por cima dessa barreira”, diz o diretor.

Laboratório de práticas
Para começar a mudança, o gerente de Cursos de Bacharelado da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Gustavo Fischer, sugere, num primeiro momento, utilizar os cursos livres como atividades complementares do currículo. Ele acredita que o modelo também seria uma eficiente forma de melhorar as práticas pedagógicas, além de divulgar o nome da instituição. No início do mês de abril, a Unisinos liberou pela primeira vez o acesso a parte de seu conteúdo didático na internet. Ao todo, oito vídeos produzidos como reforço para a disciplina de Cálculo 1 estão disponíveis livremente no canal da universidade no YouTube.

Defensor da educação aberta, o diretor de Graduação da Unisinos, Gustavo Severo de Borba, chega a profetizar uma data-limite para o “apocalipse educacional”. “Em 2020 todo mundo vai estar conectado a essas plataformas”, prevê. Para ele, a educação tradicional de sala de aula não será mais uma alternativa para uma geração de alunos que nasceu em plena era da pós-conexão, da mobilidade e megavelocidades. “As universidades vão ser um espaço exclusivamente para dar conta de laboratórios e propostas pedagógicas não tradicionais. A aula expositiva não tem mais sentido”, avalia.

Nesse contexto, o modelo conhecido pela expressão em inglês flipped classroom, ou classe invertida, é um dos que mais se aproximam do novo formato dos cursos livres em plataformas digitais. Por esse método, o estudante deve acessar previamente o material de aula, sendo o encontro presencial com o professor reservado apenas à discussão. Nesse caso, o aluno deixa de ter a postura passiva e parte em busca do conhecimento nas diversas fontes disponíveis.

O professor do Departamento de Multimeios da Unicamp, José Armando Valente, aposta no formato. “A universidade tem de ajudar o sujeito a entender. E certificar. O aluno deve escolher onde quer obter a informação”, destaca.

Entretanto, Valente faz algumas ressalvas com relação à qualidade da educação fornecida. “Onde se vai conseguir professores para monitorar turmas com 120 mil alunos? Acho que para dar conta do nosso contingente de analfabetos funcionais, abrir um negócio com esse número de estudantes é loucura”, pontua. Como alternativa, Valente sugere a implantação de uma educação híbrida, com forte utilização da tecnologia já desde o ensino médio.

Preparando o terreno
Seja por responsabilidade social ou pensando na reinvenção do papel da universidade, o fato é que a criação e a manutenção de um novo formato de ensino exigem investimentos e alguém para arcar com as contas. “A tendência é os cursos não serem de graça. Ou seja, os alunos pagam para se formar. Quando se amplia a escala, o custo por aluno cai muito. Essa é uma forma de baratear os gastos”, acredita o diretor do Departamento de Mídias Digitais da USP, professor Gil da Costa Marques.

No caso da Universidade de São Paulo, o dinheiro sairá do governo. Além das aulas tradicionais, Marques adianta que a USP deverá oferecer algumas disciplinas abertas – de introdução a alguns cursos – já para o primeiro semestre de 2014. O sistema contará com um ambiente virtual, onde o aluno cadastrado poderá ter acesso às videoaulas e apostilas com material didático, tudo sem nenhum custo. O desempenho do estudante será avaliado presencialmente, e caso atinja a nota mínima irá receber o certificado de conclusão, que poderá ou não ser cobrado dependendo do número de inscritos. Mas isso não quer dizer que o estudante estará automaticamente dentro da USP. As disciplinas poderão ser validadas em outras instituições, e caso o aluno deseje seguir na universidade precisará ser aprovado no processo seletivo.

Essa abertura pode ser o primeiro passo para se deslumbrar, o que Marques denomina “pool de universidades parceiras”. Em um ambiente virtual, o aluno poderia cursar disciplinas em qualquer uma das instituições e obter o certificado de conclusão através de equivalências. Mas para isso seria necessário desenvolver uma forma segura que comprovasse que o aluno inscrito é realmente o mesmo que realizou as provas.

Desafio da qualidade
Medir a qualidade do sistema é outro fator importante a ser considerado nessa nova perspectiva educacional. Para acompanhar o desempenho dos alunos e certificar o aprendizado seria necessário um batalhão de professores para o atendimento, fato que inviabilizaria economicamente o modelo. Uma solução é aventada pelo diretor-geral da Sciere, Edson Fregni. De acordo com ele, uma saída seria utilizar o sistema peer to peer (P2P), em que os alunos são responsáveis por produzir conhecimento se ajudando mutuamente. No entanto, Fregni destaca a importância da participação de um bom professor para aprimorar a discussão dos alunos.