Divulgação precipitada do Conceito Preliminar de Curso prejudica o sistema de avaliação com severas consequências para o próprio ensino

por Edgar Gaston Jacobs

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Chega o mês de novembro e com ele, a divulgação do Conceito Preliminar de Curso (CPC), que de forma simplificada avalia a qualidade dos cursos superiores de graduação. Implementado a partir de 2008, o CPC está na base do sistema atual de avaliação da educação superior e sua divulgação acaba pautando as discussões na imprensa sobre a qualidade dos cursos de graduação ofertados no Brasil. Além disso, seu resultado guiará a aplicação de penalidades e medidas restritivas, criando ainda mais repercussão social. Porém, apesar de sua aparente utilidade pública, esse sistema simplificado é fruto de uma escolha ilegal e tem fundamento técnico contestável.

A ilegalidade é evidente, pois a lei que implementou o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes) determina que as visitas in loco por comissão de especialistas são obrigatórias no caso de avaliação de cursos superiores. Sobre isso o Poder Público tem alegado, nos processos judiciais propostos contra ele, que tem a faculdade de usar “instrumentos diversificados para a avaliação”, deixando sem resposta o fato de existir um instrumento obrigatório.

A imprecisão da avaliação também pode ser facilmente observada, pois itens extremamente importantes, como a “questão didático-pedagógica” e a “infraestrutura”, são conceituados a partir de respostas a apenas duas perguntas do questionário preenchido por alunos. Neste caso há possibilidade de manipulação por parte dos alunos – contra ou a favor das instituições de ensino superior – e existe uma imensa falha técnica, pois a avaliação feita por meio dessas perguntas não gera nenhum significado relevante para as instituições ou para a sociedade.

Cursos de instituições que oferecem condições precárias podem, a critério de seus alunos, ter conceito melhor ou igual a cursos que possuem projeto pedagógico e estrutura física impecável. E este viés pode ser gerado por erro, por limitação de entendimento, por falta de interesse ou até mesmo por estímulos como a oferta de presentes e a facilitação dos estudos. Nessa situação o gestor, de instituições públicas ou privadas, desenvolveria a falsa impressão de que não precisa investir mais em seu curso e a sociedade, a falsa impressão de que o curso foi efetivamente avaliado nesses quesitos. Ou ainda que investimentos efetivos – que demandam mais recursos financeiros – são menos eficientes do que o “treinamento” dos alunos no preenchimento do questionário. Um verdadeiro absurdo.

De fato, é tão absurda essa situação que em 2012 o próprio Inep, órgão de pesquisas vinculado ao MEC, cogitou mudar este sistema de aferição, mas a ideia foi abandonada porque após analisada a possibilidade “de discriminação de todas as questões” do questionário foi constatado que “as respostas dos alunos tendem a concentrar-se mesmo nas letras “a” e “b” e poucas questões poderiam ser utilizadas (Nota Técnica nº 29/2012). Esta é uma escolha que pode até ter justificativa estatística, mas que moralmente e em termos de eficiência é, no mínimo, pobre. Escolher deliberadamente questões que historicamente traduzem mais avaliações negativas não é apenas privilegiar uma questão técnica, é antever a chance de resultados piores e desprezar a predominância de boas informações.

Mesmo com esta fragilidade e negligência aos termos da Lei do Sinaes essa forma de avaliar vem sendo usada para punir algumas instituições, criando dificuldades para o funcionamento de seus cursos. Sanções relativas ao Fies e ao ProUni ilustram os problemas gerados pelas avaliações imprecisas com base no CPC, assim como as medidas cautelares e a imposição de protocolos de compromisso decorrentes dessas avaliações. Todas essas situações resultam de uma avaliação insatisfatória que considera apenas o indicador de qualidade e que, por isso, podem ser injustas e ilegais.

Ações judiciais também têm contribuí­do um pouco para mudar a situação, mas a sociedade ainda se influencia mais pela divulgação feita pela imprensa. E a grande imprensa ainda confia no indicador do MEC. Na verdade, é necessário admitir que os indicadores publicados de uma só vez causam muito mais impacto que os resultados de avaliações in loco, que não têm periodicidade claramente definida e não permitem um ranking de todos os cursos. Diante disso, não gera estranheza que o CPC cause mais interesse, mesmo com suas falhas graves.

Basta ao Poder Público levar a sério o direito ao devido processo legal plasmado em regras na Lei do Sinaes ou às instituições, por meio dos canais democráticos, fazer com que ele seja efetivamente respeitado.