Fonte: Veja – pág 27

Artigo Claudio de Moura Castro

A notícia trágica desaba sobre uma universidade séria: levou bomba no MEC o curso de engenharia civil! O assunto justifica infindáveis elucubrações, mas me detenho apenas em um aspecto, por ser uma birra minha, por décadas. Na justificada ânsia de consertar, foram trocados seis professores. Não tinham mestrado e foram substituídos por doutores em tempo integral, como gosta o MEC. Com isso, atende-se a uma das exigências para reabrir os vestibulares. Esse remendo está no epicentro de um dos maiores equívocos do MEC. A legislação do ensino superior veio da cabeça de cientistas — alguns notáveis. Por isso, as atividades clássicas de pesquisa nas áreas científicas foram corretamente tratadas e valorizadas.

Lastimavelmente,  esse marco legal ignorou a existência, dentro do ensino superior, de cursos profissionais e de serviço. Em engenharia, direito, administração, pedagogia e outros é necessário somar bons professores nas disciplinas de formação teórica aos das aplicadas. E, de quebra, cumpre oferecer a experiência prática de aplicar.

Em um livro clássico (The Reflective Practi-lioner), D. Schoen fala das ruminações não verbalizadas dos profissionais ao realizar o seu trabalho. São descritas como experiência tácita, “teoria do olho clínico”, ou o interstício não codificado entre o que descreve a teoria e o ato de fazer. Daí que: (l) adquirir essa metalinguagem é parte inseparável da profissionalização; (2) apenas verdadeiros profissionais podem transmitir essa dimensão do profissionalismo: (3) leva tempo para formar um profissional.

Um belo exemplo é dado pelo programa de um hospital australiano que, por seu sucesso, foi replica- CLAUD» DE MOURA do Pe’° mundo alora- A dircção do hospital notou CASITO é economista que morriam três quartos dos pacientes por parada cardíaca. Identificando o problema como demora no atendimento, criou uma equipe sempre pronta para agir tão logo ouvisse pêlos alto-falantes o termo “Code Blue”. Com isso, caiu a mortalidade, mas apenas alguns pontos percentuais. Nova providência: qualquer médico ou enfermeira poderia acionar o Code Blue, mesmo que os sinais vitais do paciente estivessem normais.
Ou seja, se o jeitão estivesse suspeito, mesmo sem os sintomas clássicos, poderiam soar o alarme. Surpresa! A mortalidade caiu para menos da metade. Moral da história: o que salva os pacientes é o que não está nos livros de medicina, mas na “teoria da prática”. É o “olho clínico”. O próprio médico não sabe explicar por que chegou a tal diagnóstico, mas intui que algo está errado. Os novatos precisam adquirir tal experiência, mas apenas quem a tem pode oferecê-la.

Portanto, cada disciplina requer professores com o perfil talhado para e la. Do professor de cálculo, nada melhor do que exigir um doutorado. Mas o professor que ensina a construir prédios deveria ser alguém que acumulou anos no canteiro de obras. Se houvesse doutores com essa experiência, tanto melhor. Mas não há, pois doutorados preparam para a pesquisa e para a universidade.

Se o MEC melhora as notas de quem substitui verdadeiros profissionais por jovens doutores que nada sabem de construir prédios, o resultado desse equívoco é grotesco. Premia quem ensina uma profissão que n3o tem. apenas leu livros e escreveu papers.

Os professores dispensados, com mais de 35 anos de experiência, tinham escritório de engenharia respeitado e prestavam consultoria. E. obviamente, ensinavam em tempo parcial, pois não poderiam abandonar sua empresa. Para os alunos, isso é ótimo, assegura que o professor ensina a engenharia que se pratica de verdade. Para O MEC. tempo parcial perde ponto. Não deveria ser o contrário, perder ponto se fosse tempo integral?

Igualmente ausente das políticas públicas é a valorização da competência na sala de aula. É a didática do cotidiano, adquirida com a experiência. No caso, professores consagrados e estimados pêlos alunos foram substituídos por jovens que ainda vão aprender a dar aula. Péssimo para os alunos, mas não comove o MEC.

Conversa de corredor na universidade: “Pois é, tiraram nossos engenheirões e os substituíram por ‘doutorzecos’ que jamais fizeram um muro de arrimo”. Quem tem razão, os alunos ou o MEC?