Sem fórmula mágica ou diagnóstico preciso, controlar a permanência dos alunos na faculdade está atrelado a um conjunto de medidas em constante implantação e acompanhamento pela instituição de ensino

por Patrícia Pereira

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De todos os problemas que afligem gestores de instituições de ensino superior, empreender ações para o controle da evasão universitária segue sendo o que provoca maiores dúvidas com relação à eficácia e comprovação dos resultados. Segundo especialistas, a dificuldade de prever a desistência da faculdade pelo aluno se dá porque normalmente a evasão ocorre por vários motivos acumulados, que são inclusive acobertados pelo próprio estudante. A solução recomendada é então combinar iniciativas de acompanhamento e motivação dos alunos para antever o problema e combatê-lo antes de consumado.

Entre os exemplos de ações empreendidas vale tudo. Nos Estados Unidos, o Olin College resolveu atacar no currículo e trouxe para o início dos cursos de engenharia as disciplinas práticas. A justificativa para a mudança é envolver os alunos, dando a eles a chance de experimentar a rotina da profissão já nos primeiros anos de estudo e, assim, fazendo-os se sentirem mais motivados a permanecer no curso.

Para a consultora educacional Maria Bea‑ triz de Carvalho Melo Lobo, vice-presidente do Instituto Lobo e especialista em gestão universitária, antecipar componentes curriculares, com disciplinas mais práticas sendo ministradas logo no início do curso, pode ajudar. Mas não é algo que deve ser feito de forma aleatória e sim como parte de um projeto pedagógico pensado para ter este perfil. “Uma medida como a tomada pelo Olin College, sozinha, só será eficiente se for detectado que a grande causa da evasão para aqueles alunos é a falta de contato com a prática nos primeiros anos do curso. De forma geral, é preciso um conjunto de ações para atacar essa síndrome”, explica Maria Beatriz.

A consultora lembra que a atitude tomada pelo Olin College nem chega a ser uma novidade no meio universitário. “A Poli [faculdade de engenharia da USP] já fazia isso em 2001, com projetos de engenharia no primeiro ano”, diz.

Ana Cristina Canettieri, especialista em educação e diretora da Cadec, empresa de capacitação e desenvolvimento educacional, vai além. Segundo ela, a atratividade de uma aula não está necessariamente atrelada à forma teórica ou prática com que é ministrada. “Há matérias teóricas ministradas com tamanha competência que se tornam atraentes para os alunos, da mesma forma que há aulas práticas cansativas. Assim, não creio que o simples deslocamento de matérias mais práticas para o começo do curso seja, por si, suficientemente capaz de despertar no aluno mais interesse no conteúdo do curso”, diz Ana Cristina.

Falta de empenho
Se não é a fórmula mágica para combater a evasão, a medida tomada pelo Olin College traz à tona um assunto que costuma ser ignorado pelo governo e pelas próprias instituições. O Ministério da Educação (MEC) não calcula dados de evasão no Censo da Educação Superior, embora seja o único órgão a ter todas as condições para isso. “É a prova de que a evasão não é levada a sério no Brasil. E as instituições também não fazem um bom acompanhamento disso. Todos se importam demais com o ingresso do aluno e quase nada em mantê-lo”, denuncia a consultora.

Apesar de não haver dados oficiais sobre a evasão anual da educação superior no Brasil, uma pesquisa feita pelo Instituto Lobo indica que a taxa fica em torno de 22% para o conjunto de cursos superiores presenciais, sendo mais elevada nas instituições privadas (25%) do que nas públicas (11%).

Os números da evasão também se refletem em alto custo financeiro, de acordo com o estudo feito por Solano Portela, diretor Educacional da Universidade Mackenzie, que estima os custos da evasão para uma instituição. Segundo ele, se a evasão é de 25%, com uma mensalidade média de R$ 500,00, só a perda anual de receita para cada mil alunos é de R$ 375.000,00. Uma instituição com 20 mil alunos chegaria a perder com a evasão R$ 7.500.000,00 a cada ano.

Somado ao impacto da perda financeira das mensalidades que deixam de ser pagas pelos alunos evadidos, Maurício Berbel, consultor da Alabama Consultoria Educacional, ressalta haver o prejuízo de manter turmas com poucos alunos até a conclusão do curso. “O custo dessa evasão deve incluir o prejuízo de se ter uma turma pequena demais, tendo de pagar o corpo docente, manter as instalações etc. É um valor mais difícil de calcular”, diz Berbel.

Difícil diagnóstico
Há uma evasão considerada “natural” e que deve fazer parte do planejamento institucional, explica Ana Cristina. Dentre as causas naturais, a mais significativa é a mobilidade. Os alunos mudam de bairro, de município, de estado, de país e, por esta razão, acabam por não concluir o curso na mesma instituição. Outra causa natural é a morte. Fora estas situações excepcionais, há uma série de outras causas que levam um aluno a evadir-se.

Embora a justificativa financeira seja, quase sempre, a primeira a ser mencionada por alunos e instituições de ensino, esta não é a maior vilã da evasão. Uma sugestão para ajudar os alunos que se encontram com dificuldades para arcar com os custos da faculdade, segundo Berbel, é orientá-los financeiramente. “Um trabalho de orientação feito com os ingressantes, que os ajude a organizar o orçamento, pode diminuir a evasão”, diz Berbel, que já experimentou, com sucesso, essa experiência quando trabalhava na Faculdades Integradas Teresa D’Ávila (Fatea), em Lorena (veja mais na versão da matéria no site da revista).

Maria Beatriz ressalta que, na maior parte das vezes, o aluno usa a desculpa financeira para esconder uma decisão anterior de não continuar seus estudos. Aos gestores que querem diferenciar aqueles que realmente se evadem por problemas financeiros dos que se evadem por outras razões, ela dá uma dica: quem desiste por questões estritamente financeiras normalmente tem um histórico na instituição de busca de descontos, bolsas, negociações e outras tentativas de solução. Se isso não ocorreu, provavelmente, o problema financeiro não foi a maior causa da evasão desse aluno.

Um problema de fato é a formação básica deficiente. Muitos alunos chegam aos bancos universitários com claras deficiências acadêmicas. A instituição precisa cuidar para que esses alunos não fiquem tão atrasados em relação aos demais a ponto de acreditar que sua integração ao programa do curso seja impossível. “É preciso fazer o nivelamento do estudante, conhecer o que ele sabe e adequar o curso ao acompanhamento dele”, explica Maria Beatriz.

Uma ideia é criar programas especiais que atendam às necessidades específicas desses alunos. Ana Cristina menciona a criação de cursos de nivelamento de estudos como uma boa possibilidade. “As instituições também podem criar Núcleos de Escrita, a exemplo do que existe nas universidades americanas de ponta”, sugere Ana Cristina.

Choque de realidade
De nada adianta tudo isso, se o aluno estiver matriculado no curso errado. Por imaturidade, muitos escolhem que graduação cursar tendo poucas informações sobre as opções disponíveis ou a rotina da vida profissional. Um caminho apontado por Berbel para auxiliar os estudantes a fazer a escolha certa seriam os cursos organizados em ciclos básicos. Eles permitem que os alunos tenham mais conhecimento sobre certa área antes de fazer a opção definitiva.

Apesar de o foco estar centrado no aluno – afinal, é ele quem decide abandonar o curso –, as instituições também deveriam se colocar no centro dos projetos de combate à evasão. Isto porque, segundo os especialistas consultados, a decepção com a instituição e com os professores é outra grande causa de evasão. Chamada de “desencanto” por Ana Cristina, ela abarca desde a irritação com a precariedade dos serviços oferecidos e a atenção dada pela instituição até a decepção com os professores, vistos como pouco motivados ou incapazes de ensinar.

Aliada à decepção está a falta de integração do estudante ao novo ambiente. Maria Beatriz explica que isso ocorre em várias vertentes: o estudante precisa sentir-se confortável no acompanhamento dos estudos, na aceitação pelos colegas, enfim, no atendimento como um todo. É preciso haver compatibilidade entre o aluno e a instituição, pois, quando a integração é incompleta e o aluno não é capaz de atender às demandas dos sistemas acadêmicos e sociais da instituição, ele rompe seus laços, deixando-a, explica Maria Beatriz. Em poucas palavras, o aluno precisa se sentir “acolhido” para não evadir.

Ana Cristina lembra, ainda, que no ensino superior o aluno passa a ser tratado, da noite para o dia, como “adulto”, apto a decidir sobre tudo que diz respeito ao novo ambiente acadêmico. Para ela, uma forma de combate à evasão é dispensar atenção às necessidades do aluno, especialmente no primeiro semestre, para mitigar o impacto da mudança de tratamento que estava acostumado a receber no ensino médio. “Ele precisa elaborar projetos de pesquisa, apresentar seminários, organizar suas atividades complementares e de estágio, dentre outros aspectos. Para muitos pode ser assustador”, diz Ana Cristina.

De acordo com os consultores, é essencial que a instituição tenha um setor responsável pelo combate à evasão. “Precisa haver um programa, com metodologia científica, que faça estatísticas que identifiquem os índices de evasão de cada curso, suas causas e proponha soluções”, diz Maria Beatriz.

Abandono passional
No artigo “Panorama da evasão no Ensino Superior brasileiro: aspectos gerais das causas e soluções”, de Maria Beatriz de Carvalho Melo Lobo, ela ressalta que os estudantes não abandonam faculdades por grandes razões, mas pelo acúmulo de pequenas razões que destroem suas justificativas de escolha de uma instituição. Maria Beatriz cita uma frase de T.E. Corts, ex-presidente da Samford University, que explica a evasão como se fosse o fim de um relacionamento. “Como certamente existem 50 maneiras de acabar um caso amoroso, de acordo com uma canção popular, existem, também, 50 maneiras e 50 razões para um estudante terminar seu ‘caso amoroso’ com uma faculdade”, analisa o texto da especialista.

 

Prejuízo calculado
Um curso que perde 20% dos alunos a cada ano termina com apenas 10% dos estudantes inicialmente matriculados, explica Maria Beatriz. Segundo ela, nas instituições privadas só metade dos alunos que ingressam conclui seus cursos. Isto em um cenário em que menos da metade das vagas disponíveis são preenchidas. Ou seja, apenas cerca de 25% das vagas originais abertas para um certo curso resultam em alunos formados.
Como há uma grande diversidade de cursos superiores, é difícil calcular quais são os líderes do ranking da evasão. Contudo, pesquisa feita pelo Instituto Lobo calculou as taxas da evasão em oito grandes áreas estabelecidas pelo Inep. A área de serviços é a campeã em evasão, com média anual de 28,4%. Em seguida vêm as ciências exatas, com 26,6%. Em terceiro lugar, humanidades e artes, com 22,3%. Maria Beatriz explica que o curso de medicina, que tem evasão muito mais baixa do que os demais, distorce a área de saúde. Por isso, na quarta posição está a área de saúde com taxa anual de evasão de 20,3%, sem levar em conta os cursos de medicina. Em quinto lugar aparece a área de educação, com 19%. Em sexto, ciências sociais, com 18,8%. Em sétimo está engenharia, arquitetura e construções, com 17,4%. E, em oitavo, saúde incluindo os cursos de medicina, com taxa de 13,4%. A área com menos evasão no Brasil é a de agricultura (12,6%).

 

Mais conversa, menos evasão
Mackenzie cria setor de retenção e, em nove meses, consegue reverter a saída de cerca de 350 alunos. Evasão é combatida caso a caso por meio de conversa com estudantes

A Universidade Presbiteriana Mackenzie conseguiu, em nove meses, recuperar a matrícula de aproximadamente 350 alunos que deixariam seus cursos. Na comparação entre o primeiro semestre de 2012 e o primeiro semestre de 2013, alcançaram uma redução de 5,56% na taxa de evasão. O segredo? Eles criaram um setor específico de combate à evasão, denominado setor de retenção estudantil, que dialoga com o aluno sempre que há algum pedido de cancelamento ou trancamento de matrícula. De ordem acadêmica, pessoal ou financeira, nenhum problema que afete a continuidade do curso pelo aluno fica sem solução.
Em 2012, a universidade fez um levantamento estatístico dos últimos 3 anos para detectar as causas que levaram os alunos a deixar a instituição. Os motivos mais comuns que levavam à evasão encontrados foram: problemas financeiros, falta de identificação com o curso e incompatibilidade de horário com trabalho ou com estágios curriculares. O passo seguinte foi delinear uma série de possíveis soluções para contra-atacar esses motivos, diz Anaor Silva, diretor financeiro do Instituto Presbiteriano Mackenzie.
O setor de retenção funciona das 8h às 21h com pessoas altamente especializadas para resolver e encaminhar os problemas apresentados pelos alunos. Se o estudante chega com um problema de ordem financeira, é resolvido no próprio setor com o refinanciamento da dívida ou a oferta de bolsas. Se for de ordem acadêmica, o setor identifica junto ao aluno o interesse de mudança de curso ou até de campus e a questão é encaminhada ao decanato acadêmico para as devidas providências. Se for algo de ordem mais pessoal, o problema é encaminhado à Capelania Universitária que realiza ações de orientação e de aconselhamento, diz Benedito G. Aguiar Neto, reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Segundo Silva, outro ponto-chave foi encarar a evasão como um problema de todos os funcionários da universidade. “Temos desenvolvido uma parceria bastante profícua com diretores, coordenadores e professores envolvidos na busca de soluções acadêmicas e administrativas que viabilizem a permanência do aluno até à conclusão do curso”, diz.

 

De olho nas faltas
Na Fatea, alunos que faltam por mais de uma semana são procurados pelos coordenadores, que tentam resolver o problema. A instituição também ajuda o estudante a organizar seu orçamento

A evasão não é mais problema na Fatea (Faculdades Integradas Teresa D’Ávila), em Lorena. Mas já foi, conta Raquel de Godoy Retz, diretora geral da instituição. “Houve um ano em que nossa taxa de evasão foi absurda, na ordem de 20%. Então fomos atrás de cada aluno que havia evadido para saber quais eram os motivos”, lembra Raquel. Entre as causas estava a falta de recursos financeiros e, para surpresa dos dirigentes, muitos pequenos desentendimentos que poderiam ser facilmente contornados – como o de um aluno que foi à aula por 15 dias sem encontrar seu nome na lista de chamada e deixou o curso antes mesmo de saber que estava frequentando a turma errada.
A primeira medida tomada pela gestão da Fatea foi acompanhar os alunos mais de perto. Eles perceberam que antes de evadir, o estudante começava a faltar muitas aulas. Então fizeram uma parceria com os representantes de classe e com os coordenadores de curso. Quando um aluno falta aulas por mais de uma semana, o representante de classe avisa ao coordenador, que entra em contato com o aluno para saber os motivos de sua ausência. É neste momento que a instituição descobre qual problema está afetando aquele estudante e tenta resolvê-lo.
Como grande parte dos alunos apresentava problemas de ordem financeira, a gestão da Fatea decidiu oferecer palestras sobre este tema para que os estudantes ingressantes conseguissem organizar melhor seus orçamentos. “Há 7 anos fazemos palestras sobre orçamento familiar e observamos que tem funcionado. São alunos que entram na faculdade, conseguem seu primeiro estágio ou emprego, mas não sabem administrar a renda. Damos dicas simples, como ter desconto com o pagamento antecipado ou não deixar que as mensalidades se acumulem e a dívida vire uma bola de neve. Ou mesmo as vantagens de economizar na balada para investir na Educação”, conta a diretora geral.
Outra medida foi ajudar os alunos a conseguir estágios ou empregos. Raquel explica que muitos começam a cursar uma graduação, mas não conseguem sozinhos arrumar uma fonte de renda para arcar com as mensalidades e desistem no meio do semestre. “Meio que pegamos na mão e vamos juntos. Ajudamos a elaborar o currículo, mostramos opções de vagas. Nossos maiores casos de sucesso vem do setor que orienta para estágios e empregos. Acabamos ajudando o aluno a criar um orçamento”, diz Raquel. Ela afirma que com essas medidas, a evasão hoje não é mais um problema na Fatea.