Percepções sobre a Índia durante a Missão Internacional Semesp 2019*

*Texto de Helen Novaes, a diretora de Comunicação Institucional da ESAMC Uberlândia

O meu primeiro contato com a Índia foi uma baforada de ar quente que, imediatamente, embaçou as lentes de meus óculos ao sair pelas portas do aeroporto de Bangalore. Sob um clima nada ameno de 40 graus é que teve início uma das experiências culturais mais ricas que já experimentei.

Sobre a balbúrdia colorida e barulhenta da Índia todos nós já ouvimos falar ou assistimos em filmes e noticiários, mas entre ouvir e experimentar há uma grande distancia. Distância que, ao meu ver, vale a pena percorrer para experimentar o jeito indiano de ser e ver o mundo.

Para embarcar no ônibus que nos levaria ao hotel, eu e todos os demais membros da comissão de faculdades brasileiras da 11a Missão Técnica Internacional do Semesp fomos gentilmente agraciados com um colar de jasmim, as pequenas flores brancas de intenso perfume que são usadas para fazer os “pushpamalas”, as conhecidas guirlandas. Estes delicados e belos colares são oferecidos como sinal de respeito e honra, assim como para dar boas-vindas aos visitantes. São, também, fartamente utilizados para honrar mestres espirituais e deuses. Com esse generoso gesto deu-se o tom de cordialidade e caloroso apreço que nos acompanharia durante toda a nossa permanência na Índia.

Entre ruas e cruzamentos amontoados de motos, carros, tuc tucs (as famosas moto-táxis), pessoas vindas de todos os lados e direções, vacas e búfalos mais dóceis que pets de estimação e um buzinaço constante (porém sem xingamentos), o que desfilava diante de nossos olhos ávidos por ver e sentir de perto a Índia era uma inacreditável harmonia que poderíamos intitular de “ordem no caos”.

O que mais ouvimos, e que se repetiu como mantra em nossas visitas, foram as previsões de que nos próximos anos a Índia estará entre as três maiores potências econômicas do mundo, superando China e EUA. Toda essa expectativa, em parte, é baseada no fato de que, no máximo em três a cinco anos, mais de meio bilhão de indianos irão entrar na internet usando seus smartphones, e o país que, atualmente, está em meio a uma intensa revolução tecnológica já é em números absolutos a segunda maior população online do mundo.

Números gigantes são tão comuns na Índia quanto o ecoar de mantras e dos sons vindos dos mais diversos templos religiosos que se espalham por quase todos os quarteirões das cidades. Esse, sem dúvida, é um país marcado pela fé. As diferentes religiões constituem um belo exemplo de pacífica convivência e respeito aos ritos, credos e costumes de cada pessoa, ainda que, predominantemente, seja o Hindu a mais comum, seguida do Islamismo.

Esta nação, que já atinge o número de 1,3 bilhões de habitantes, segundo afirmou Hisham A. Abso Kahin, diretor do Banco Mundial da Índia, em nossa visita à sua sede, fará com que o país se torne um grande farol para o mundo, já que, devido aos seus números superlativos, tudo o que é feito por lá e dá certo, acaba refletindo no mundo inteiro.

Também, seguindo o mesmo tom otimista, porém, totalmente baseado em dados realistas, o Chairman da Manipal Global Education – Sr Mohandas Pai, que já ganhou o prêmio de “Melhor CEO na Índia”, mencionou em sua palestra para o grupo que “quem quer empreender não deveria ir para os EUA  e sim para Índia, onde veremos dezenas de empresas bilionárias nascendo nos próximos anos, pois é na Índia que hoje se encontram as maiores oportunidades”.

Além de apresentar o cenário atual do país nos aspectos econômico, social e cultural, diante da atual revolução tecnológica, o executivo impressionou por sua notável capacidade de falar de memória dados e números precisos, tudo isso misturado a uma postura peculiarmente humilde, apesar de sua inegável inteligência e notáveis conquistas.  Sua fala é reforçada pelo fato, de hoje, a Índia ser o terceiro mercado de startups do mundo atrás de Londres e EUA. Cerca de 4.500 startups dedicam-se exclusivamente a setores de tecnologia, como blockchain, inteligência artificial, reconhecimento de rostos e interpretação de linguagem natural. Ao menos nove destas empresas já valem, cada uma, mais de US$ 1 bilhão de dólares.

O país, atrás apenas da China, já possui o segundo maior sistema de educação superior do mundo, com 40 milhões de estudantes. Atualmente, atinge 25,8% dos jovens em idade universitária, mas está aumentando o investimento nesta área, o que promoverá mais acessos às universidades.

O foco nas áreas STEM- Ciências, Tecnologia, Engenharias e Matemática é que tem garantido a mão de obra qualificada que atrai centenas de empresas para seu território, embora admitam queixas da indústria sobre um gap nas competências que necessitam e que a academia não oferece aos alunos, especialmente as “soft skills”. Entretanto, empresas como Oracle e Qualcomm transferiram 30 mil empregos de desenvolvimento de software para as cidades de Bangalore e Nova Delhi, explorando uma mão de obra capaz de falar inglês fluente, já que o país foi colônia inglesa nos séculos XIX e XX, e programar por preços que chegam a ser 5% menores que o valor de um desenvolvedor sediado nos Estados Unidos.

Além de números exorbitantes, a Índia, também, impressiona pelos contrastes. Ao mesmo tempo que assistimos às gigantescas previsões sobre crescimento econômico, vimos os numerosos e modernos edifícios de multinacionais instalados no país e visitamos algumas ilhas de prosperidades, como a impressionante sede da empresa Infosys (de causar inveja ao Googleplex); em paradoxo, era possível contemplar o imenso volume de lixo espalhado pelas ruas e rios, a poluição do ar e a numerosa pobreza que compõem o cenário de Nova Dehli e Bangalore.

Cenas de crianças de olhinhos doces, tez morena e perninhas raquíticas junto de suas mães de longos cabelos negros e roupas de cores vibrantes nos acenando por ajuda atingem-nos duramente, lembrando constantemente dos enormes desafios sociais que o país enfrenta. A cultura das Castas, ainda que de forma velada e pouco citada pelos nossos anfitriões, permanece; e, talvez, seja um desafio ainda mais complexo a se vencer do que a própria pobreza, já que é baseada em crenças e valores.

Cerca de 400 milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza, e essa é a outra face da Índia, cuja expectativa é de que os avanços econômicos ajudem a minimizar no quesito concentração de renda.

Entretanto, o país só pode avançar a partir daqui. Com o envelhecimento da maioria da população e o impacto significativo que isto terá no crescimento global, a Índia permanecerá imperturbável, já que o país possui o maior grupo de jovens do mundo. Quase metade da população indiana tem menos de 25 anos. O crescimento notado no país terá longa duração. Nos próximos 10 anos, segundo Sr Mohandas Pai, um em cada quatro estudantes universitários do planeta será indiano. Além disso, estão por vir ganhos de produtividade na agricultura, serviços e na infraestrutura. O boom de tecnologia continuará a ser a locomotiva deste processo.

Podemos, por fim, dizer que olhar a Índia é como contemplar uma obra de arte complexa que mistura texturas, cores, temperos, estampas, cheiros intensos, gestos religiosos, símbolos e rituais. Mesclam-se tons fortes de uma Índia ainda tradicional, sentem-se os ares de independência e liberdade que, em termos históricos, ainda são recentes, tudo isso unido a marcas globais ávidas por conquistar mercado e que dão um toque final cosmopolita e de modernidade à obra.

Mulheres sorridentes e coloridas se amontoam ao redor de nós turistas pedindo para fazer selfies, transmitindo-nos sincera alegria, simplicidade e uma humildade que nos faz sentir de alguma forma especiais. Estes são ingredientes que fazem tão cativantes esse povo de Gandhi curiosamente cheios de serena calmaria, mesmo vivendo os ventos fortes da adversidade e diversidade de seu país.

Enfim, o que nós brasileiros podemos concluir sobre a Índia? É que a exemplo de outras nações que saíram da pobreza para tornarem-se sociedades admiradas por seu dinamismo, como Singapura, China e a Coreia do Sul, a Índia parece, também, apostar na solução para continuar crescendo que é sempre a mesma: Educação.

Só nos resta torcer para que, também, sejamos capazes de fazer esta mesma lição.