Com o aumento da classe média e do poder aquisitivo da população, a Índia se tornou um mercado promissor na área educacional, mas que ainda trabalha para superar dificuldades de acesso e de qualidade do ensino

Por Giselle Paulino

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Quando se trata de educação, a Índia é tão audaciosa quanto irregular. Isso porque apesar de seus altos índices de analfabetismo, que chegam a 25%, o país é considerado um dos melhores polos de ensino superior do mundo. Mais de meio século depois de sua independência, hoje o sistema de educação superior na Índia se tornou o terceiro maior do mundo, depois de China e Estados Unidos. O setor é regulado pelo University Grants Commission (UGC), órgão governamental similar ao Ministério da Educação, e, tal como no Brasil, em decorrência da imensa desigualdade econômica e social, as políticas de acesso estão entre os princípios básicos do órgão.

Segundo dados do Banco Mundial, em 2007, com uma população de 1,1 bilhão de habitantes, a Índia possuía aproximadamente 14 milhões de estudantes matriculados em instituições de educação superior, enquanto que no ano anterior o número era de 11 milhões. Graças a ações afirmativas do governo, mesmo a base da pirâmide tem chances de estudar nas melhores faculdades. Com uma política de cotas que chegam a até 70% para classes baixas, vagas são garantidas para essa parcela da população mesmo que sua nota esteja abaixo da média.

Mas ao mesmo tempo que o sistema indiano é comparado ao da China e Estados Unidos, a taxa de matrículas do país deixa a desejar, correspondendo somente a 13,8% da população. Por isso, o governo estabeleceu a meta de elevar o número de matriculados nas instituições de educação superior para 30% até 2020.
Nesse ponto também há um trabalho específico para levar mais mulheres a essa etapa de graduação, grupo historicamente excluído. Atualmente há instituições voltadas apenas para elas. Do total de matriculados em 2007, mais de 40% eram mulheres, sendo o estado de Kerala o mais representativo, com 66%, e o menor, Bihar, com 24,51%.

Prioridade tecnológica
Atualmente a maioria das instituições de ensino na Índia é financiada pelo Estado ou cobra taxas muito baixas para estudar. Esse modelo de expansão se deve principalmente às políticas educacionais de Jawaharlal Nehru, o primeiro a assumir o cargo de primeiro-ministro, em 1947, depois da independência do país. Nehru acreditava que a ausência de uma produção própria de tecnologia e de estudos científicos, especialmente em ciências aplicadas, foram fatores que permitiram a colonização da Índia pelos ingleses. Dessa maneira, o governo começou a fazer grandes investimentos nessas áreas, com o objetivo de concorrer de igual para igual com o primeiro mundo.

O plano priorizou o ensino superior, em detrimento dos níveis primário e secundário. O primeiro-ministro acreditava que era preciso criar picos na educação e formar uma elite que pudesse desafiar os países ricos. Nehru criou então os Institutos Indianos de Tecnologia (IIT), trouxe os melhores professores de fora para dar aulas e fomentou a abertura de um mercado de empregos, principalmente no setor público, a fim de garantir postos de trabalho aos alunos. A criação dos IITs contou ainda com o apoio de países estrangeiros, como EUA e Rússia. Cada um dos institutos é voltado a diferentes temas como aviação, engenharia mecânica e química.

Para entrar nos IITs é preciso passar por uma prova de vestibular. A criação de tal sistema rompeu com práticas de favoritismo da sociedade indiana. Em tempos antigos, o acesso era feito principalmente à base de conexões e bons relacionamentos.

O prestígio de estudar numa universidade de primeira linha é tão grande que se torna uma das poucas maneiras de influenciar nas castas do país. Uma pessoa que pertence às castas mais baixas, mas que estuda num IIT, passa a ser vista de outra forma, pois se torna parte da casta dos IITs. “Tudo isso criou incentivos e uma cultura que atraiu os melhores cérebros para estudar”, afirma Rakesh Vaidyanathan, sócio-diretor da The Jai Group, consultoria especializada em países emergentes e ex- aluno do IIT.

Para o diretor, o antigo primeiro-ministro tinha princípios ocidentais, mas queria que o desenvolvimento viesse na velocidade do país. “Nehru criou a marca Índia como o mundo conhece e deixou a modernidade chegar devagar. O país procurava poder e agora busca sua identidade”, explica Vaidyanathan.

Papel privado
Nesse contexto as instituições privadas desempenham um importante papel e encontram um mercado promissor. Segundo dados de 2011 do Fundo Monetário Internacional (FMI), 60 milhões de pessoas compõem a classe média indiana. Apesar de representar apenas 5% da população, o contingente é recente e significa uma oportunidade de consumo e gastos com estudos que poucas décadas atrás não seria possível.

O setor privado é o principal responsável pela expansão do ensino superior indiano desde os anos 80 (veja quadro na página 20), mas foi nos últimos anos que a “nova classe média” do país deu o salto mais significativo. Em 2009, instituições particulares já contavam com 5,6 milhões de alunos no ensino superior. A entrada desses atores contribuiu para que o índice de alunos matriculados passasse de 10% em 2000 para os 13,8% atuais. Conforme dados do governo indiano, a parcela de matrículas do setor privado passou de 32,9% em 2001 para 51,5% em 2006.

No entanto, se por um lado a entrada das universidades privadas no mercado educacional ajudou a aumentar o número de matrículas no país, houve também um aumento nas denúncias de corrupção na área, além da proliferação de instituições de baixa qualidade. Essas consequências levaram o governo indiano a introduzir em 2010 uma série de medidas para regular as instituições de ensino.

Um exemplo é a Lei de Acreditação Nacional para o Ensino Superior, promulgada em 2012, que tornou obrigatório o reconhecimento oficial de todas as instituições do país e constituiu um órgão responsável pelo registro, monitoramento e fiscalização de agências de acreditação.

Em busca das humanas
A internacionalização das instituições se destaca como um diferencial para atingir a qualidade. Uma pesquisa feita pela consultoria Ernst & Young aponta que a estratégia do setor privado foi trazida das instituições públicas: investir em professores estrangeiros para atrair não apenas a população indiana, mas também os estudantes de países vizinhos. Apesar de a maior parte da oferta serem os cursos tradicionais do país, como administração de empresas, direito e engenharia, tanto pela demanda dos estudantes como do próprio mercado, as instituições privadas se esforçam para aumentar o interesse em cursos ainda incipientes no país, caso de design e pedagogia, por exemplo.

Ao concentrar os esforços nas ciências aplicadas e na tecnologia, a Índia deixou para trás as ciências sociais e outras disciplinas da área de humanas, como literatura e história. Isso explica por que grande parte dos escritos do país é feita por autores estrangeiros. Muito da imagem do país foi construído por acadêmicos estrangeiros e se baseia na tradição dos gurus. Poucos registros foram feitos sobre reis e imperadores que conquistaram reinos e construíram grandes prédios e palácios.

Para contornar essa deficiência, o governo indiano estabeleceu em 1969 a Jawaharlal Nehru University (JNU). Com foco exclusivo em ciências sociais, a universidade tem uma grande política de inclusão. Seus mais de 40 centros para exames de seleção ao redor do país procuram atender as mais de 20 línguas oficiais existentes na Índia e as outras centenas menores.

A instituição também faz parte do plano do governo para enfrentar um dos grandes desafios do ensino superior do país: manter bons pesquisadores indianos na Índia. Para tanto, a JNU pretende criar linhas de publicações com reputação internacional. “Nos últimos anos perdemos centenas de cientistas”, afirma Aditya Mukherjee, diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da universidade. “Quando as elites mandam seus filhos estudarem fora é um sinal de alerta, pois ninguém mais cuida da qualidade do ensino dentro do país”, conclui.

sistema de afiliação 
Sem recursos, mas com a necessidade de expandir o ensino superior na Índia, o governo do país elaborou na década de 1980 um sistema de afiliação no qual a iniciativa privada seria a principal protagonista. Sem qualquer suporte fi nanceiro público, as instituições poderiam ser abertas desde que funcionassem sob as regulações acadêmicas da universidade pública que existisse na região. No sistema, que permanece até hoje, a universidade é responsável pelos currículos das faculdades, controla os exames e concede os diplomas. Cabe às afi liadas principalmente transmitir o conteúdo e treinamento. A maioria dessas instituições oferece apenas cursos de graduação, mas desde que com a aprovação da universidade à qual está ligada, a entidade também pode oferecer cursos de pós-graduação. Atualmente há mais de 17 mil faculdades na Índia. Ainda que algumasdelas tenham conseguido o status de autônomas, a maioria faz parte do sistema defiliação. Há também faculdades que são públicas e algumas universidades privadas, no entanto o número em ambos os casos é mínimo. (Filipe Jahn)

 

Plataforma de Interação
 O Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Jawaharlal Nehru University faz parte de uma rede de 32 institutos criados no mundo todo, inclusive no Brasil, este com sede na Universidade de São Paulo (USP). De maneira geral, o instituto funciona como um “think tank”, ou seja, locais de debates e trocas de experiências para reciclar ideias. Entretanto, cada unidade tem características próprias, já que se encontram em diferentes cidades, dentro do contexto universitário. No ano passado, os IEAs de Brasil e Índia iniciaram uma maior aproximação para trocar experiências e estreitar relações. “Eles conseguem ser tão multidisciplinares que dá inveja”, cobiça o diretor do IEA na USP, Martin Grossmann. Segundo ele, o IEA da Índia é atualmente uma plataforma de excelência internacional para pesquisa e reflexão de alto padrão. O local chama a atenção pela forte relação com o ócio criativo, que vai na contramão do ensino tradicional e tecnicista sem espaço para a criatividade. Enquanto a maioria dos IEAs no mundo se volta para a física e a ciência, na Índia ele é direcionado especialmente para as humanidades. “Os indianos são audaciosos. Seus encontros conseguem misturar artistas, escritores, poetas, com grandes nomes da ciência”, conta Grossmann.

 

Seis séculos da história
Poucos imaginam, mas a Índia tem um dos sistemas universitários mais antigos da história. No século 15, a Nalanda University, no Estado de Bihar, era conhecida internacionalmente por seus ensinos budistas e religiosos. As instalações majestosas de muros de tijolos vermelhos abrigavam 10 mil alunos. Hoje, restam apenas ruínas. Fora dos monastérios, na sociedade antiga o conhecimento era transmitido de acordo com as tarefas que cabiam a cada esfera da sociedade. Dessa forma, os indivíduos não eram livres para exercer o que queriam, apenas seguiam o que suas gerações vinham fazendo. Os Brahmins recebiam educação religiosa enquanto os Kshatriyas eram treinados para a guerra, os Vaishya eram ensinados para o comércio e assim por diante. Grandes templos foram criados pela casta de engenheiros, que aprendiam na prática suas habilidades, mas eram iletrados.  Foi com o colonialismo britânico em 1858 que a educação ocidental passou a fazer parte da sociedade indiana. A British Raj, termo usado pelos indianos para se referir ao período de governo do Reino Britânico, forçou mudanças na religião, cultura e sistema de educação local. Nesse período, o índice de alfabetismo passou de apenas 5% em 1901 para quase 20% na época da independência, no final da década de 1940. Porém o acesso aos estudos não era levado para as massas e os nativos tinham dificuldades para arrumar emprego, pois a língua na qual foram educados os impedia.