Entrevista: Ciro Barbieri da Cunha

” É importante que algumas figuras-chave da organização de uma instituição de ensino superior tenham sólidos conhecimentos básicos de gestão de projetos”

O bom gerenciamento de projetos é um processo essencial para o desenvolvimento de qualquer empresa. Sob esse aspecto, o profissional especializado em gestão de projetos tem ganhado cada vez mais espaço no mercado brasileiro. No ensino superior essa tendência também aparece. Mas como afirma o especialista Ciro Barbieri da Cunha, em muitas situações as instituições precisam de figuras-chave que já fazem parte da organização para praticar a essência da gestão de projetos: otimizar questões conflitantes. Professor da Business School São Paulo e com 25 anos de experiência no assunto, Ciro costuma afirmar que um bom gestor precisa saber unir arte e ciência. Para saber como, confira a entrevista exclusiva para o site da revista Ensino Superior:

Qual a demanda do gestor de projetos nas instituições de ensino superior brasileiras?

Curiosamente, em uma das recentes entrevistas concedidas à revista Ensino Superior, a pedagoga Paty Fonte fala sobre a “pedagogia de projetos”, proposta em seu último livro. O conceito básico é que haja uma integração das disciplinas em torno de um tema central. A gestão de projetos, em última análise, busca otimizar coisas que são conflitantes entre si. Daí a importância de que os gestores de projetos em instituições de ensino superior conheçam em profundidade aquilo que estão gerenciando. Um leigo, mesmo podendo olhar os projetos pedagógicos de forma mais aberta, corre um grande risco de não conseguir identificar alguns pontos-chave escondidos por trás de particularidades específicas desse ramo. É esse o motivo pelo qual vejo muito mais chances de êxito em um modelo no qual profissionais das áreas pedagógica e administrativa são habilitados em gestão de projetos e fazem a transformação a partir de dentro.

Quais as vantagens para uma instituição de ensino superior ter um profissional focado em gestão de projetos?

Mais do que ter um profissional focado em gestão de projetos, é importante que algumas figuras-chave da organização de uma instituição de ensino superior tenham sólidos conhecimentos básicos de gestão de projetos. Tanto pelo lado pedagógico quanto pelo administrativo existem necessidades que se encaixam com bastante precisão na definição de projeto: possui caráter temporário (tem começo, meio e fim), é realizado para atender uma necessidade específica, demanda recursos e produz um resultado único. Tome como exemplo o coordenador de curso: ele somente conseguirá atingir suas metas por meio de um conjunto de projetos, alguns realizados simultaneamente, outros de forma sequencial, cada um deles buscando melhorias específicas. O próprio documento que consolida tudo isso é o projeto pedagógico, que funciona como um plano de voo que permite detectar desvios em relação ao previsto, facilitando a definição das eventuais correções de rumo. Tudo isso também se aplica ao lado administrativo de uma instituição, que possui particularidades bastante específicas.

Em uma instituição de ensino de grande porte e uma de pequeno porte, quais os principais desafios que esse profissional pode encontrar?

Independentemente do porte da instituição, as demandas mais críticas estarão sempre presentes e serão semelhantes. Claro que os diferentes tamanhos farão com que as abordagens sejam igualmente distintas: é muito difícil que soluções do tipo “one fits all”, ou seja, uma única proposta que serve para todos, sejam encontradas e colocadas para funcionar eficazmente. Isso significa que o ambiente no qual os projetos são gestados e implantados tem uma influência fundamental na própria solução. Costumo dizer que conhecer esse ambiente é condição necessária, mas não suficiente, para o sucesso dos projetos. Conhecê-lo não garante o êxito, mas desconhecê-lo é caminho certo para o fracasso.

Há demanda para abertura de novos cursos para formação desse profissional específico?

Há um número crescente de pessoas buscando formação específica e cada vez menos o curso tem origem na área de Tecnologia da Informação (TI). Esse “boom” iniciou-se no final da década de 90, começo dos anos 2000, e estava fortemente associado ao desenvolvimento de softwares. Cada novo programa ou nova versão de programas existentes era tratado como um projeto. As empresas desenvolvedoras começaram a solicitar que os profissionais fossem certificados pelo PMI – Project Management Institute –, uma das organizações mais antigas voltadas à gestão de projetos. Assim, naquela época, mais de 80% dos profissionais que buscavam essa formação eram originários do ramo da tecnologia. Atualmente, esse perfil mudou, há pessoas de áreas diversas quanto financeira, logística, farmacêutica, metalúrgica, automobilística e organização de eventos, só para ficar em uma lista pequena.

Por que você propõe duas visões, de ciência e de arte, para discutir a gestão de projetos?

Para caracterizar claramente que a gestão de projetos não é uma ciência exata, que segue leis rigorosas a aplicáveis em todas as situações. Suas ferramentas, sim, foram e são desenvolvidas com base no método científico, mas seus usos dependem da habilidade de quem as utiliza. Tome-se, por exemplo, um conjunto de atividades para as quais foi possível determinar as precedências de cada uma. Isso quer dizer que se sabe o que tem que ser feito antes, o que deve ser feito depois e aquilo que pode ser feito simultaneamente. A esse grupo ordenado de atividades pode-se aplicar uma técnica conhecida, sem margem para erros ou dúvidas. Agora, o que se deve fazer com essa informação, como aplicá-la e montar um fluxo de caixa que leve em conta as fontes de receitas, tudo isso é arte. De forma análoga, podemos pensar que um martelo e um formão tenham sido desenvolvidos com base em projetos de engenharia. A escultura que toma forma com o uso dessas duas ferramentas depende da habilidade do artista: um bloco de madeira pode virar um tesouro barroco ou um palito de dente.