Diretora da Laspau, entidade que fomenta a inovação acadêmica, aposta na mobilização de gestores e professores e na parceria entre universidades, governo e indústria para vencer os desafios da educação

por Camila Viegas-Lee, de Nova York

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A recém-empossada diretora adjunta da Laspau, organização afiliada à Universidade Harvard para a promoção de programas acadêmicos e profissionais na América Latina, Angélica Natera, atua como uma ponte para conectar instituições de ensino, governo e indústria em busca de incentivar a inovação, o desenvolvimento da educação e a troca de experiências entre os países americanos. O novo cargo, porém, não é necessariamente uma novidade para Angélica, que participa da Laspau desde 2001, tendo sido responsável, em 2006, pela criação da Iniciativa para o Desenvolvimento da Inovação Acadêmica (IDIA).

Falar em inovação acadêmica, a propósito, faz brilhar os olhos dessa venezuelana, pós-graduada em Harvard, que estará no Brasil em março para participar da Conferência Internacional de Educação Laspau/Expertise, que ocorre em Salvador (institutoexpertise.org.br). No evento, além das novas tendências do ensino inovador, resultado do trabalho da IDIA, Angélica vai apresentar exemplos de projetos de universidades que venceram o desafio de mobilizar gestores e incluir professores no processo de reconfiguração do ensino.

Nesta entrevista exclusiva, a diretora adianta um pouco do trabalho do IDIA e ainda ensina o caminho para promover um sistema educacional inovador. “Você tem de promover a partilha de boas práticas e a colaboração entre os docentes para que eles possam trabalhar diferentes disciplinas”.

Ensino Superior: Qual será o foco da conferência de educação realizada pela Laspau aqui no Brasil em março?
Angélica Natera: O foco dessa conferência é precisamente a inovação acadêmica e a aprendizagem. Estamos realmente animados porque será nossa primeira conferência no Brasil e teremos o prazer de levar uma série de apresentadores extraordinários e palestras muito práticas. O objetivo da conferência é apresentar as últimas tendências em ensino e inovação a professores e gestores de instituições brasileiras. Além da estrutura pedagógica, discutiremos aspectos práticos do ensino e como repensá-lo de forma a promover uma aprendizagem mais eficaz.

Você liderou a iniciativa para o desenvolvimento da inovação acadêmica em 2006 e agora é promovida a diretora-geral da Laspau. Quais são os pontos fortes dessa organização?
Agora supervisiono a concepção e a implementação de programas que promovem a troca de conhecimento entre estudantes de todos os programas ligados à organização sejam eles doutorados, mestrados, da América Latina para os Estados Unidos, ou em outros países latino-americanos. A Laspau foi fundada há quase 50 anos e temos fornecido oportunidades e promovido o talento humano na América Latina. A IDIA, por exemplo, é uma iniciativa que há sete anos lega conhecimento, boas práticas e especialistas em ensino eficaz e aprendizagem para desenvolver conhecimento institucional e individual e melhorar a qualidade do ensino.

Quais são os maiores desafios das universidades latino-americanas?
Há muitos desafios comuns na região e em todo o mundo. O crescimento do número de alunos, por exemplo, pode se tornar um obstáculo à educação de qualidade especialmente em áreas como ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Os sistemas de ensino secundário e primário, em toda a América Latina, também enfrentam grandes desafios. Mais tarde, os alunos dessas escolas acabam tendo dificuldade no ensino superior, o que cria um ciclo dispendioso em muitos aspectos. O aprendizado hoje ocorre num ambiente muito diferente do que quando eu ou você estudamos. Agora a informação viaja com facilidade e pode ser encontrada a qualquer hora e lugar e alguns alunos podem até estar mais bem informados do que seus professores.

Como a faculdade pode se adaptar a isso?
Nosso trabalho é ajudar a desenvolver estratégias, metas e recursos para que a mudança seja sustentável. Outro desafio é estimular a colaboração entre empresas privadas, governos e universidades para enfrentar a busca pela melhoria da qualidade do ensino. Os três setores sofrem um impacto direto do nível do ensino. Um aspecto que eu gostaria de enfatizar é a importância do professor e de sua capacidade de promover a aprendizagem efetiva. Não importa a tecnologia empregada ou o ambiente em sala de aula se as universidades não investirem na melhoria da qualidade do corpo docente. O ideal é reunir o setor privado, governos e instituições de ensino para criar mecanismos de financiamento que gerem oportunidades e o desenvolvimento de professores talentosos.

E com relação ao aumento de alunos?
Esse é um terceiro desafio que tem a ver com a escalabilidade. Há duas partes nesse desafio: a primeira é o desenvolvimento de pro­gramas que possam realmente alcançar um grande número de professores de uma só vez. Isso, claro, pode ser feito através da educação on-line, o que de fato estamos começando a fazer. Mas há um elemento adicional que é a coleta de dados sobre a eficácia da aprendizagem para eliminar abordagens de ensino inadequadas. Trata-se de uma maneira de ver a educação baseada em evidência.

Você poderia nos dar exemplos concretos de experiências desenvolvidas em países da América Latina?
Temos vários exemplos, mas gostaria de focar três: o primeiro é um programa que desenvolvemos em parceria com a Fundação Inicia e financiado pelo Ministério de Educação Superior, Ciência e Tecnologia da República Dominicana, em que um grupo inicial de 50 professores participou de workshops na Universidade Harvard e posteriormente replicaram os ensinamentos para outros 250 professores. Esse programa de um ano contribuiu não só para melhorar a qualidade do ensino superior dominicano, mas também para fortalecer o sistema de ensino fundamental através da formação de futuros professores.

Quais são os outros exemplos?
O segundo exemplo é um programa de ensino que fizemos no Uruguai, onde trabalhamos com quatro escolas de engenharia. O objetivo era ligar os professores universitários aos professores de ensino secundário. O programa também ocorreu lá em Cambridge, numa colaboração entre um doador privado e a agência nacional de inovação uruguaia. Aqui, novamente se veem as três peças do quebra-cabeça e uma abordagem proveniente de uma perspectiva do país. O terceiro caso é um programa no Brasil com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal de Itatiba, em que reunimos professores de engenharia para melhorar a qualidade do ensino.

São modelos que podem ser implantados em qualquer país?
Acreditamos que cada país, dentro das próprias limitações e condições, seja capaz de criar suas próprias estratégias. Acho importante que tenham a oportunidade de ver o que está acontecendo em outras universidades ao redor do mundo em áreas relacionadas à eficácia do ensino e da aprendizagem. Um programa que obteve sucesso em uma universidade pode não funcionar em outra porque as condições são diferentes, e há vários ângulos a considerar. Mas tenho a convicção de que é viável, desde que haja a necessária adaptação. Com relação aos modelos brasileiros, não posso comparar porque começamos a trabalhar com o Brasil há apenas dois anos. Eu sei que tem havido novas iniciativas e que inclusive empresas privadas estão tentando melhorar a qualidade dos sistemas de ensino secundário. Mas essa visão faz parte da pouca experiência que temos com o Brasil.

Como pode a inovação acadêmica manter os alunos engajados e estimulados?
Você precisa entender a tecnologia e o fluxo de informação. Tecnologia é importante, mas o que está mudando o cenário da aprendizagem é o acesso à informação. É o fato de que tudo está interligado por causa da internet. Abordagens interdisciplinares já estão sendo experimentadas. Antigamente estudantes memorizavam as coisas. Agora você pode simplesmente acessar a informação em seu celular, iPad, computador etc. Hoje é importante aprender a assimilar informação e ter capacidade de resolver problemas de forma eficaz. Os sistemas tradicionais não estão preparando alunos para isso. Eles ainda requerem memorização, seguir um padrão, uma receita, uma maneira de fazer as coisas. Hoje, estudantes têm de aprender a resolver problemas e a enfrentar desafios que nunca tivemos antes. A inovação em si é uma renovação. Essa é a maneira de motivar os alunos e tornar o aprendizado relevante. Se os alunos estão aprendendo algo que não está conectado com o mundo, não vão se motivar. E é por isso que você vê agora currículos de engenharia com foco nos aspectos práticos ao invés de mais na teoria.

Como devemos motivar e envolver professores e outros membros da equipe no processo de inovação?
Com base na experiência da IDIA desses últimos sete anos, aprendemos que uma das melhores maneiras de fazer isso é criar oportunidades nas universidades. Isto significa que se os dirigentes das instituições compreenderem as prioridades institucionais e a cultura em torno do ensino e da aprendizagem, poderão construir metas e uma estratégia ideal para atingir os objetivos. É importante não apenas fornecer programas de desenvolvimento para o corpo docente – para que os professores aprendam como ensinar e promover uma aprendizagem efetiva – mas também desenvolver a estrutura institucional e os incentivos que suportam esses esforços.

Você poderia nos dar um exemplo?
A IDIA primeiro se concentra em entender as prioridades, a cultura e as necessidades da instituição. Com base nisso, trabalhamos com a universidade no desenvolvimento de um plano e uma estratégia para o fortalecimento do ensino e da aprendizagem. Também é importante fornecer programas relevantes para as diferentes disciplinas e conversar sobre as necessidades do corpo docente. Outro aspecto essencial é obter sucesso rapidamente para que tanto professores como a própria instituição acreditem na importância da inovação no ensino. Para fazer isso, a IDIA promove programas pilotos, recolhendo resultados que permitam a universidade avaliar o progresso e compartilhá-los com o resto da comunidade. Finalmente, outro aspecto importante do envolvimento de professores é a conexão com outros professores da mesma disciplina e suas experiências ao redor do mundo. Aprendemos que ao ligar a inovação com a educação podemos contribuir para o reforço da expertise individual e institucional na promoção da aprendizagem eficaz e de ensino.

Qual é a melhor maneira para um gestor conseguir implementar um sistema educacional inovador?
Gostaria de responder a essa pergunta com uma abordagem sistêmica, uma vez que você está perguntando sobre o sistema de ensino inovador. O primeiro aspecto deve ser ​​definir os objetivos e os valores do sistema educacional inovador que você pretende criar e o tipo de aprendizado que você quer promover e, consequentemente, que tipo de profissional você quer desenvolver. Depois de ter um consenso da liderança acadêmica, você pode começar a alinhar todas as peças: o currículo, a avaliação de aprendizagem, o ambiente de aprendizagem, as características do professor que facilitará o processo de aprendizagem, a tecnologia local, entre outros. Falamos também de criar um ambiente seguro, que estimule a inovação e que convide os alunos a trazerem novas ideias, assumindo os riscos ao tentar empreender essas ideias, e que incentive a avaliação da aprendizagem. Para promover um sistema educacional inovador você também tem de promover a partilha de boas práticas e a colaboração entre os docentes para que eles possam trabalhar diferentes disciplinas, observando outros colegas. Finalmente, é essencial fomentar a inovação nas universidades com alguém que lidere os esforços, assim como ter uma estrutura institucional que apoie esses esforços.