A questão do financiamento estudantil foi tema do primeiro episódio da série de webinares Políticas Públicas: Dinâmica e Organização do Ensino Superior, realizado pelo Semesp nesta quarta, 26. O diretor-executivo do Semesp, Rodrigo Capelato, e o representante do Ministério da Educação, Capacitação e Trabalho da Austrália, Mathew Johnston, debateram possibilidades de reformas no sistema de financiamento estudantil brasileiro usando o modelo de empréstimos condicionadas à renda utilizado no país da Oceânia.

“A questão do financiamento estudantil é uma prioridade para que haja um aumento no acesso ao ensino superior”, defendeu Capelato no início do webinar. “O Brasil carece nesse momento de políticas públicas voltadas para a educação e temos uma taxa de escolarização líquida muito baixa, o que compromete o próprio desenvolvimento econômico do país”.

De acordo com Rodrigo Capelato, os dados da educação superior no Brasil mostram de forma clara a necessidade do debate acerca do financiamento estudantil, já que o país enfrenta um atraso histórico de falta de acesso ao ensino superior. “Esse acesso só é possível por meio do incentivo à iniciativa privada, já que as universidades públicas estão mais relacionadas à função de pesquisa”, avaliou.

“A expansão das matrículas do ensino superior no Brasil acontece a partir de meados da década de 1990 graças a uma série de políticas públicas criadas porque o governo entendeu que precisava da iniciativa privada para aumentar esse acesso”, afirmou Capelato. Atualmente, as IES privadas representam cerca de 75% das matrículas do ensino superior brasileiro.

Com um sistema de educação perverso que funciona como um funil limitando o acesso de estudantes de um nível educacional pra outro, anualmente, milhões de participantes do Enem ficam fora do ensino superior. “Isso mostra que existe uma demanda e que as classes menos favorecidas não conseguem ingressar na educação superior porque precisam de algum tipo de financiamento, já que as universidades públicas são mais restritas e não atendem essa demanda”, explicou Capelato.

Com a crise do FIES a partir de 2014, causada pela má gestão do programa e pela recessão econômica, as próprias instituições de ensino começaram a oferecer crédito próprio para minimizar a falta de políticas públicas específicas. “Esse modelo cresceu inversamente proporcional à queda do FIES, mas só atinge cerca de 35% de ingressantes. E as IES não têm sustentabilidade financeira para ampliar esse número”, ponderou. “Não há outro caminho para expandir o acesso ao ensino superior se o governo não oferecer financiamento”.

Confira documento Diretrizes de Política Pública para o Ensino Superior Brasileiro

Modelo australiano

O modelo da Austrália foi discutido durante o webinar como uma possibilidade aplicável no Brasil. No país australiano, a educação superior é considerada tanto um bem privado, já que beneficiará o indivíduo com maior empregabilidade, acensão profissional e aumento da renda, como público, na medida em que promove o desenvolvimento da sociedade como um todo, especialmente por meio da pesquisa.

Partindo desse princípio, o modelo australiano atrela o financiamento estudantil ao sucesso profissional do estudante. Ele estuda de graça durante o curso de graduação, mas paga o empréstimo ao governo quando se insere no mercado de trabalho. Cabe à Receita Federal do país cobrar por esse empréstimo a partir da tributação do profissional.

De acordo com o representante do Ministério da Educação australiano, Mathew Johnston, esse é um sistema sustentável que funciona tanto no âmbito privado (aluno) quanto público (para o país). “Na verdade, o sistema é um empréstimo diferente de um financiamento estudantil”, decretou. “O estudante assina um contrato e adquire uma dívida que precisa ser paga e será cobrada pelo sistema tributário do país, responsável por sua administração, gestão e governança”, detalhou. “Ao atrelar esse pagamento à renda futura do profissional, evitamos criar um ônus para um estudante que por ventura não consiga pagar o empréstimo. E o modelo é um sucesso, existe uma porcentagem pequena de dívidas que nunca são pagas”.

“O modelo serviu para aumentar o número de profissionais com ensino superior no país, possibilitando a equidade na participação de alunos em relação a suas condições socioeconômicas”, disse Johnston. “Esse acesso de um número maior de pessoas à educação superior de qualidade tem aumentado à empregabilidade e, consequentemente, o desenvolvimento econômico do país. É um ciclo de benefícios”, defendeu. O modelo já foi replicado em países como Reino Unido e Nova Zelândia.

Confira primeiro episódio na íntegra

Realizado pelo Semesp, em parceria com a Embaixada da Austrália e Conselho Nacional de Educação (CNE), a série de webinares discutirá nos próximos episódios temas como formação técnica e profissional, avaliação do sistema de ensino superior e inovação acadêmica. O objetivo é discutir políticas públicas fundamentais para que o ensino superior enfrente o cenário da pandemia e da pós-pandemia. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas aqui.