Aumentar a internacionalização da pesquisa brasileira depende de maior envolvimento dos cientistas na discussão, bem como da apropriação da linguagem dos textos

por Gilson Volpato

Hoje falamos sobre internacionalização da ciência brasileira. É a palavra de ordem e devemos saber o que significa e suas implicações para nossos costumes. Internacionalização na ciência não é novidade. Ciência visa conhecimento generalizável. O erro foi assumirmos o conceito de ciência nacional, construindo conhecimento voltado apenas para nossa realidade. Desde as leis sociológicas até as biológicas e exatas, a ciência busca entender fenômenos particulares por meio de explanações gerais. Por isso a internacionalização da ciência é óbvia para o cientista.

A discussão de cientistas de vários países se trava, principalmente, por meio da publicação científica. As conclusões são divulgadas em revistas especializadas, uma vez que tenham superado o crivo anônimo mínimo de cientistas da área. Após essa barreira, o debate continua, seja com mensagens cravadas por outros cientistas nos artigos publicados – como, por exemplo, na revista PLoS ONE – ou publicações de outros artigos alicerçando ou criticando aqueles já publicados.

Na história de nossas revistas científicas, a não ser por exceções que já nasceram rumo à internacionalização, a vasta maioria mirou a ciência regional. No final da década de 1990 começou a corrida pela internacionalização, mas que só foi francamente enfrentada pela maioria dos editores brasileiros a partir de meados da primeira década do século atual. Como era de esperar, alguns buscaram o caminho mais curto, o típico jeitinho brasileiro que, num ambiente internacional, tem mais chances de não funcionar. Internacionalizar é mais do que ter publicado na língua inglesa e na internet, é participar efetivamente do debate internacional.

Atualmente, em 2012, vemos que 51 revistas presentes na base de dados ISI não tiveram o fator de impacto 2011 calculado no Journal Citation Reports porque são endógenas demais (com excesso de autocitações, por exemplo), contrariando a noção mínima de impacto na comunidade científica. Dessas, cerca de 8% são brasileiras; um percentual que eu considero alto. O que quero frisar é que temos de entender que fazer ciência é algo lindo, maravilhoso, e que o debate sem barreiras geopolíticas é mais maravilhoso ainda. Esse é o espírito do cientista derramado sobre a prática da publicação científica.

Nesse cenário o brasileiro se depara ainda com outra barreira: a qualidade da pesquisa encetada. Uma revista internacional (que vem publicando artigos de autores de vários países e que é citada pela comunidade científica internacional) exige que o trabalho tenha quatro requisitos: a) conclusões inovadoras; b) metodologia robusta; c) resultados evidentes e d) redação impecável. Dessas, chamo a atenção para a última, que trata da redação científica.

Em termos gerais, somos ingênuos na construção de textos científicos. Nossas escolas de redação científica insistem em regrinhas típicas de quem não vê o processo da escrita como um processo de raciocínio lógico impecável, criativo e cativante. É comum vícios de uma área, muitos deles facilmente destruídos com uma análise lógica mais profunda, serem disseminados como verdades para outras áreas. Essa falta de referencial sobre a construção de um texto científico nos assola de norte a sul, leste a oeste. O discurso científico é mais simples do que parece e reflete exatamente a lógica da ciência. Trata-se de dois ambientes: o contexto da descoberta, no qual mostramos evidências e pistas que nos levaram a estabelecer nosso foco e objetivo da pesquisa; e o contexto da justificação, onde mostramos nossas evidências (metodologia, resultados e conhecimento publicado) para construirmos um discurso em defesa de nossas conclusões. Tudo que não participa disso está fora do texto. E, para isso, a linguagem deve ser simples, clara, inequívoca e sintética. Nosso maior drama é a síntese. Fomos criados para escrever demais, verborreia que convence a incompetência, mas não tem assento na discussão internacional de alto padrão.

Esse ambiente é fundamentalmente desenvolvido na pós-graduação, um sistema que forma principalmente o técnico especializado, mas não o cientista. Para formar cientistas, da pré-escola ao doutoramento, o ensino deve preparar mentes questionadoras, criativas, críticas e apaixonadas pelo conhecimento. A política atual é perversa: forma milhares de doutores apostando que sobrarão alguns cientistas de bom nível, mas à custa de sonhos de pessoas que imaginavam que aquele ensino as tornaria cientistas.

Para enfrentarmos o quadro desafiador acima, temos de fazer diagnósticos corretos dos problemas, não apostarmos no jeitinho brasileiro e termos visão empreendedora. Sem isso nosso ensino afundará como diversas de nossas iniciativas que apostaram na aparência sem a base necessária. Não se constrói um país sólido sem educação forte da pré-escola até o pós-doutoramento. Todo o resto é demagogia.