ENSAIO | Edição 197

O mundo das tecnologias invade as salas de aula e é preciso se adaptar para garantir o aprendizado dos alunos

por Hamilton Werneck

O espanto do ser humano diante do fogo deve ter sido tão espetacular quanto o daquele momento em que começamos a manejar o Windows. No século 20 éramos analógicos e tudo caminhava devagar; no século 21, se quisermos manter a validade temos de aderir ao mundo digital, esse mesmo mundo que descobriu em 1986 a copiadora 3D e chegou à fantástica interface entre o computador e a televisão: o telefone celular.

É engraçado ver nos dias de hoje um professor projetar um texto pelo datashow e pedir, em tom analógico, que os alunos copiem. Enquanto isso, mais que depressa, todos se levantam de suas carteiras com seus tablets e smartphones, registram uma foto e já saem compartilhando, permitindo comentários e “curtidas”.

Mas, apesar de todas as ferramentas modernas, continuamos necessitando do desenvolvimento de habilidades macro e micromotoras. Nos primórdios, o Homo sapiens sapiens – levando-se em conta a sua evolução para o mundo digital das conexões –, usava a macromotricidade para sobreviver: atirava pedras, chutava, esmurrava e com seu tacape matava as caças que encontrava. A evolução colocou-o de pé e, a partir daí, a oromotricidade tornou-se necessária para permitir o canto e a fala elaborados. Por fim, este ser atingiu o ápice no desenvolvimento motor, chegando à grafomotricidade e à escrita encontrada entre os sumérios. Desde que o homem “inventou” o arco e flecha, o fogo e o cachorro, conforme a expressão de Domenico de Masi em seu livro O ócio criativo, ele nunca mais deixou de progredir.

Pois bem, assim nos encontramos, hoje, dentro de uma universidade capaz, entre outras coisas, de ministrar cursos de licenciatura. Deste meio acadêmico sairão professores alfabetizadores e pedagogos capazes de ensinar a alguém como se ensina. Nestes mesmos espaços acadêmicos foram ofertados cursos de psicomotricidade e não há quem acredite num bom professor lotado na educação infantil sem este domínio de conhecimento.

Mas então chegamos ao tablet, justo no momento em que estamos digitando mais e escrevendo cada vez menos. Notícias vindas da Alemanha dão conta de que aquele país já aceita a alfabetização através de tablets; escolas em Indiana, nos Estados Unidos, há mais de um ano deixam livre ao professor alfabetizar usando tablet ou escrita cursiva.

Há um suspense nas escolas e faculdades porque, inegavelmente, a escrita cursiva facilita o domínio da motricidade mais fina e própria somente dos humanos. Para que, diriam alguns, os cursos dados sobre psicomotricidade se tudo acabou desaguando na digitação? O que resta, então, à escola, fazer?

Se olharmos para o passado recente, encontraremos a escola da década de cinquenta proibindo o uso da caneta esferográfica e defendendo a caneta-tinteiro. Tudo muda com a chegada da Parker 51 e 61, deixando o tinteiro mais distante das carteiras, mas aquela letra que se esculpia até nas páginas sem linhas estava com os dias contados. Venceu a esferográfica.

Mais adiante as escolas proíbem a calculadora, num gesto parecido com a sociedade ao final do império romano, diante dos cálculos com números arábicos. Considerados números demoníacos, eles foram proibidos. Mesmo assim, venceram, porque calcular com algarismos romanos exigia um espaço para papéis inexistentes. Ainda temos os que defendem a tabuada diante de recursos muito mais ágeis. Tabuada não faz pensar, é um processo mecânico para quem não conhece outras tecnologias que, se usadas com frequência, acabarão por fazer qualquer um dominar as quatro operações. Mais importante e, às vezes não se ensina, é a hierarquização das operações: primeiro devemos multiplicar e, somente depois, somar; primeiro devemos dividir e, somente depois, diminuir. Vale dizer que, sabendo-se muito bem uma tabuada pode-se errar o resultado de algo muito simples, como o resultado da operação 2+3×5, quando, apesar da ordem de apresentação, primeiro se multiplica e depois se soma.

Agora as Assembleias Legislativas estão votando leis para proibir os celulares em sala de aula sem se dar conta de que quem deveria decidir tal coisa é a autoridade do professor. O celular pode ser uma ferramenta excelente, auxiliando a todos e, além disso, os alunos poderiam aprender a usar esta ferramenta em toda a sua extensão.

No caso da alfabetização por tablets, se os alunos usarem somente esse dispositivo para digitar e, não, escrever (embora haja a possibilidade de escrever diretamente neles), é preciso ter cuidado para não prejudicar a grafomotricidade. Por isso as faculdades de pedagogia devem criar várias possibilidades ao lado dos tablets: manter a escrita cursiva, incrementar o desenho, a pintura, a escultura e o uso de instrumentos musicais, de corda e sopro. Caso contrário, o ser humano perderá, aos poucos, algo que somente é próprio desta espécie.